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Advocacia criminal em pílulas: Ação penal no crime de estelionato e Pacote Anticrime


Por IbiJus - Instituto Brasileiro de Direito em 16/06/2020 | Penal | Comentários: 0

Anna Paula Cavalcante G Figueiredo

Tags: estelionato, Advocaca criminal, Retroatividade da lei penal mais benéfica, Pacote Anticrime, Direito Penal, processo penal.

Advocacia criminal em pílulas: Ação penal no crime de estelionato e Pacote Anticrime

Não há dúvidas que o chamado Pacote Anticrime (Lei nº 13964/2019) representa a mais importante atualização legislativa penal e processual penal dos últimos tempos. Trataremos, hoje, da consequência prática da inserção do §5º ao art. 171 do Código Penal (CP). Vejamos.

O art. 171, do CP, prevê o crime de estelionato, que até então era processado mediante ação penal pública incondicionada, com as exceções do art. 182, do CP. Mas, agora, com as atualizações provocadas pelo Pacote Anticrime, a regra é que o delito (na sua forma fundamental - caput - ou equiparada - §2º) seja processado mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido, ou de seu representante legal. A ação penal pública incondicionada, por sua vez, fica restrita às hipóteses em que a vítima é (1) a Administração Pública, direta ou indireta; (2) criança ou adolescente; (3) pessoa com deficiência mental; ou (4) maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. Essa é redação do §5º, inserido ao art. 171, da CP, pela novel legislação.

E, é justamente neste ponto que reside a discussão enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ ) nos autos do HC 573093/SC. O caso concreto versa sobre condenado pelo crime de estelionato que, dentre outros pedidos, pugna pela anulação do processo crime, para que a vítima seja intimada a se manifestar sobre o seu desejo de oferecer representação.

Sustenta a defesa que o §5º inserido ao art. 171, CP, trata-se de norma penal mista mais benéfica ao réu, pois traz uma exigência mais gravosa para a instauração de investigação ou oferecimento de denúncia pelo crime de estelionato. Por isso, estaria garantida a sua aplicação retroativa e imediata (princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica - art. 5º, XL, da Constituição Federal).

Ao julgar o HC 573093/SC (em 09/06/2020) a Quinta Turma do STJ definiu que a exigência de representação para a ação por estelionato não afeta processos em curso, pois o nova legislação em nada se manifestou nesse sentido. Entende a turma que a alteração da natureza da ação penal somente se aplica aos casos em que o inquérito policial ainda está em curso.

Essa recente decisão do STJ leva em consideração posição minoritária, representada na doutrina por Rogério Sanches da Cunha, que entende pela irretroatividade em hipóteses em que já ofertada a denúncia. Argumenta-se que o ato jurídico perfeito (oferecimento da denúncia) não poderá ser desfeito. E que a representação do ofendido como condição de prosseguibilidade da ação não foi prevista pela Lei nº 13964/2019. Sobre o tema, Sanches assim se manifesta:

Retroatividade da Lei - Por fim, tendo em vista que a necessidade de representação traz consigo institutos extintivos da punibilidade, a regra do §5º deve ser analisada sob a perspectiva da aplicação da lei penal no tempo. Aqui temos que diferenciar duas hipóteses:
a) se a inicial (denúncia) já foi ofertada, trata-se de ato jurídico perfeito, não sendo alcançado pela mudança. Não nos parece correto o entendimento de que a vítima deve ser chamada para manifestar seu interesse em ver prosseguir o processo. Essa lição transforma a natureza jurídica da representação de condição de procedibilidade em condição de prosseguibilidade. A lei nova não exigiu essa manifestação (como fez no art. 88 da Lei 9.099/1995);
b) se a incoativa ainda não foi oferecida, deve o MP aguardar a oportuna representação da vítima ou o decurso do prazo decadencial, cujo termo inicial, para fatos pretéritos, é o da vigência da novel lei. (SANCHES, 2020, p. 65)

Normas que versam sobre a natureza da ação penal são mistas (processual e material penal), porque trabalham, além do aspecto processual, a própria punibilidade do agente. Portanto, essas normas devem observar a retroatividade benéfica e a irretroatividade maléfica. A discussão, aqui, reside em torno da definição do marco temporal para a verificação da retroação.

Recentemente, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), por seu Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), manifestou-se sobre o tema e editou o Enunciado nº 04, interpretativo da Lei Anticrime, que assim dispõe:

ENUNCIADO 4 (ART. 171, parágrafo 5º, do CP – ART. 91 da Lei 9.099 c/c art. 3º do CPP). Nas investigações e processos em curso, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecer representação no prazo de 30 dias, sob pena de decadência. (destacamos)

Esse posicionamento surge utilizando-se, por analogia, aquela mesma sistemática empregada pelo legislador pátrio quando, por meio da Lei nº 9099/1995, determinou que as lesões corporais leves e culposas passariam a ser processadas por ação penal condicionada à representação (art. 88). Conforme art. 91, da lei, para esses crimes, que antes eram processados por ação penal pública incondicionada, o ofendido, ou seu representante, deveria ser intimado a oferecer a representação no prazo de 30 dias, sob pena de decadência.

A aplicação analógica desta regra ao atual §5º, do art. 171, do CP, é defendida na doutrina por André Estefam. Veja-se:

(...) sob a ótica penal, as alterações são benéficas e, portanto, retroativas. Tendo em vista, contudo, que há também o aspecto processual na mudança, não se aplicam se já houve decisão transitada em julgado. No caso de fatos anteriores à vigência da lei (23 de janeiro de 2020), deve se aplicar, por analogia, o art. 90 da Lei n. 9.099/95, que prevê, como regra transitória, a necessidade de intimar a vítima para se manifestar em 30 dias, a fim de esclarecer se possui interesse em ver o agente processado pelo crime (isto é, se oferece representação). (ESTEFAM, 2020. p. 561)

A posição adotada pela Quinta Turma, como já dito, é minoritária e acreditamos que não irá prosperar. Devemos acompanhar os debates sobre o tema no Judiciário pátrio e aguardar uma manifestação do Supremo sobre a matéria constitucional envolvida.

Acreditamos se tratar de tese defensiva que terá espaço, em breve, na Corte Suprema. Qual sua opinião sobre o tema? Compartilhe conosco sua posição.

Esperamos vocês na nossa próxima pílula!

Forte abraço da Equipe IbiJus


Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >.

________. Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >.

________. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm >.

________. Lei nº 13964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm >.

CONSELHO NACIONAL DE PROCURADORES-GERAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS E DA UNIÃO. Comissão Especial do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal. Enunciados Interpretativos da lei anticrime (Lei nº 13.964/2019). Disponível em < https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/gndh/documentos/enunciados/GNCCRIM_Enunciados.pdf >.

CUNHA, Rogério Sanches. Pacote anticrime - Lei 13.964/2019: comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.

JESUS, Damásio de. Parte especial: crimes contra a pessoa a crimes contra o patrimônio – arts. 121 a 183 do CP. Atualização André Estefam. Vol. 2. 36 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. E-book.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus nº 573093/SC. Relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 09/06/2020. Dsiponível em < https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=HC%20573093 >.

________. Para Quinta Turma, exigência de representação para ação por estelionato não afeta processos em curso. Disponóvel em < http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Para-Quinta-Turma--exigencia-de-representacao-para-acao-por-estelionato-nao-afeta-processos-em-curso.aspx >

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


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