Por Anna Paula Cavalcante G Figueiredo em 13/09/2019 | Direito Civil | Comentários: 0
A lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Lei nº 13146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe diversas alterações ao ordenamento jurídico pátrio, tendo como condão a proteção e desenvolvimento das pessoas com deficiência. Nos termos do artigo inaugural da lei visa-se “(...) assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”.
Dentre essas alterações, merece destaque a alteração do sistema de capacidades civis. Determina o art. 6º, caput, do Estatuto, o seguinte:
CC, Art. 6º. A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa (...) (grifei)
A regra, portanto, é que a pessoa com deficiência é plenamente capaz. Decerto, incapacidade e deficiência eram conceitos que antes do Estatuto eram equivocadamente confundidos e tomados como sinônimos. Por isso, com a vigência da Lei nº 13146/2015 fizeram-se necessárias alterações nos arts. 3º e 4º, caput, ambos do Código Civil brasileiro, que antes do Estatuto anunciavam o seguinte:
CC, Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos
Agora, com a nova redação dada pelo Lei nº 13146/2015, os artigos supracitados passam a ter as seguintes previsões:
CC, Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
IV - os pródigos
Pois bem. A lei de inclusão brasileira não apenas alterou o sistema de capacidades e conferiu à pessoa com deficiência, em regra, a capacidade plena para os atos da vida civil. Ela, de fato, trouxe instrumentos para permitir a tais pessoas o gozo da sua capacidade de forma ampla e livre. Dentre esses, inova-se o ordenamento brasileiro com a criação do instituto da tomada de decisão apoiada, prevista no art. 84, §3º, do lei de inclusão.
Trata-se a tomada de decisão apoiada de um processo por meio do qual a pessoa com deficiência, por sua própria vontade (livre e desimpedida) vai ao Judiciário para eleger, pelo menos, 2 (duas) pessoas como suas apoiadoras para quando delas necessitar para a tomada de decisões relativas a atos de sua vida civil. Toda a regulamentação do instituto está prevista no art. 1783-A, do Código Civil.
Veja bem: trata-se de uma faculdade posta à disposição da pessoa com deficiência que não se encontra dentro de alguma excepcionalidade em relação a sua plena capacidade. Por isso, é sua a competência exclusiva de ir ao Judiciário, representado por advogado (particular ou público), apresentar o pedido de tomada de decisão apoiada e indicar as pessoas idôneas e de sua confiança que pretende eleger como suas apoiadoras. Nas palavras de Cristiano Chaves de Farias, a tomada de decisão apoiada é
(...) um procedimento especial de jurisdição voluntária destinado à nomeação de dois apoiadores que assumem a missão de auxiliar a pessoa em seu cotidiano. Não se trata de incapacidade e, por isso, não são representantes ou assistentes. Apenas um mero apoio para auxiliar, cooperar, com as atividades cotidianas da pessoa. (FARIAS; CUNHA; PINTO. 2016, p. 243)
E mais: em atenção ao espírito do Estatuto da Pessoa com Deficiência o pedido de tomada de decisão apoiada deverá trazer em seus bojo os contornos do apoio requerido, seu prazo e o compromisso dos apoiadores de velar pelo respeito à vontade e interesses da pessoa com deficiência.
E, ainda visando garantir a legitimidade do pedido formulado, será ouvido o Ministério Público e a pessoa com deficiência. Para a melhor compreensão e decisão do pedido deverá o magistrado ouvir o requerente auxiliado por equipe multidisciplinar.
Todas essas medidas visam garantir que a tomada de decisão apoiada seja, de fato, um instrumento posto para permitir à pessoa com deficiência o pleno exercício da sua capacidade civil perante terceiros. E, inclusive, permite-se que ela solicite o desfazimento da tomada de decisão apoiada a qualquer tempo, de acordo com o seu interesse.
Inegavelmente, trata-se de um instituto a ser exaltado, mas que deve ser utilizado com bastante atenção pelo Judiciário brasileiro e operadores do Direito, para que não hajam quaisquer violações de suas pretensões liberais e inclusivas. E acima de tudo, para que seja mantida a proteção à pessoa com deficiência.
Referências:
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm >.
________. Lei nº 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >.
________. Lei nº 13146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm >.
CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Tomada de decisão apoiada e curatela - medidas de apoio previstas na lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência. Brasília : CNMP, 2016. Disponível em < http://www.cnmp.mp.br/portal/images/curatela.pdf >.
FARIAS, Cristiano Chaves de; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Estatuto da pessoa com deficiência comentado artigo por artigo. 2. rev., ampl. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2016.
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família – v. 5. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus
Sobre o autor
Advogada inscrita nos quadros da OAB/ES. Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Damásio. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Faveni. Apoio Especializado Jurídico no IbiJus - Instituto Brasileiro de Direito.
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