Por Adriana Bitencourt Bertollo em 13/11/2020 | Direito do Trabalho | Comentários: 0
No último dia 06 de novembro, o STF retirou da pauta de julgamento virtual, o Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) nº 1.121.633, que trata da prevalência do “negociado sobre o legislado”. Desse modo, em razão da intervenção da Ministra Rosa Weber, que pediu destaque da ação, o processo passará a ser julgado de forma presencial.
Esse tema foi instituído pela reforma trabalhista, em 2017, que inseriu o artigo 611-A na C.L.T., para dispor que: “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”, quando dispuserem sobre os direitos descritos nesse artigo, a exemplo de: banco de horas, intervalo intrajornada, teletrabalho, sobreaviso, enquadramento do grau de insalubridade, remuneração por produtividade e desempenho.
Portanto, esse dispositivo afasta o controle judicial sobre os acordos ou convenções coletivas firmados, ainda que em contrariedade à lei, ressalvando apenas os direitos constitucionais tidos por indisponíveis e descritos no art. 611-B da C.L.T., a exemplo de FGTS, salário-mínimo, salário-família, descanso semanal remunerado, licença-maternidade e paternidade, aposentadoria, aviso-prévio, direito de greve, etc.
Iniciado o julgamento virtual do referido ARE, o Ministro Gilmar Mendes, já havia proferido voto no sentido de fixar a seguinte tese: “no caso das negociações coletivas, a própria pactuação, em si, devidamente chancelada, já é, por si só, a expressão da vontade das partes e evidencia o real quadro delimitado entre seus contraentes. De acordo com o princípio da realidade dos fatos, em caso de discordância entre a realidade fática e os documentos que regem a relação trabalhista, deve-se dar prevalência à situação constatada na prática”.
Em seu voto, o Ministro Relator sustenta que: “a ideia de hipossuficiência do trabalhador não se sustenta em negociações coletivas. Convenções e acordos seguem procedimento próprio, definido por lei e com chancela sindical obrigatória”.
Assim, é necessário propormos algumas reflexões a partir do voto do Ministro Relator, especialmente quando esboça o entendimento da existência de igualdade empregado e empregador no ambiente da negociação coletiva.
É possível mesmo vislumbrar igualdade entre empregado e empregador em uma negociação coletiva? Nesse sentido, vale ponderar que o jurista Maurício Godinho Delgado (2008) leciona que o Direito do Trabalho possui a função de corrigir a “desigualdade socioeconômica e de poder entre os sujeitos da relação de emprego”.
Outra pergunta essencial é se o sistema sindical brasileiro, baseado na unicidade sindical e, portanto, em contrariedade à Convenção nº 87 da OIT (liberdade sindical) é realmente representativo dos trabalhadores?
Embora alguns autores aplaudam o instituto do “negociado sobre o legislado”, é interessante a visão da Procuradora do Trabalho Vanessa Patriota da Fonseca (2017), no sentido de que a Constituição Federal já outorgava força de lei às negociações coletivas quando apresentem cláusulas mais benéficas aos trabalhadores. Então, qual seria o sentido de instituir esse novo dispositivo na C.L.T., senão para permitir acordos mais prejudiciais e afastá-los do controle pelo Judiciário?
Portanto, antes de validarmos a ideia de que a flexibilização e a desregulamentação do Direito do Trabalho são um caminho para a geração de mais empregos e crescimento econômico, é importante averiguar a contrapartida dessa proposta, que se traduz no subemprego, no trabalho intermitente, na informalidade e na precarização do trabalho.
Ademais disso, quando se traz o argumento de que a judicialização dos processos trabalhistas pode causar insegurança jurídica aos empregadores, é importante conferir o grande número de trabalhadores informais, que não possuem amparo previdenciário e sequer constam dos índices oficiais. Tudo isso define a outra face que resulta da desregulamentação e mascara a real situação do trabalho precário.
Referências:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo nº 1121633. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5415427. Acesso em 13 nov 2020.
DELGADO, M.G. Curso de Direito do Trabalho. 7ª edição, São Paulo: LTR, 2008.
FONSECA, V. P. Falácias da Modernização das Relações de Trabalho. In Estudos Aprofundados para o Ministério Público do Trabalho, vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 261-283
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Sobre o autor
Doutoranda em Sociologia pela UFPel. Mestre em Direito das Relações Internacionais, UDE, Uruguai. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Direito Processual Civil e Gestão Pública. Autora de artigos jurídicos. Advogada Pública Municipal desde maio/2005.
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