Por Helio Silva de Vasconcelos Mendes Veiga em 01/02/2019 | Constitucional | Comentários: 0
Muito se fala da necessidade de criar novas leis penais para combater à criminalidade, aplicando-se com rigor medidas como a pena de morte, a prisão perpétua, a redução da maioridade penal, a liberação do porte de armas e tantas outras. Essas manifestações, em regra, surgem alavancadas pelas mídias de comunicação de massa, que em busca de audiência (ibope) valem-se do senso comum existente nas redes sociais para, a todo instante, criar novos “pensadores” e disseminar a descoberta do “ovo de Colombo”.
Críticas à parte, de maneira diversa, não pretendo disseminar algo inédito no presente artigo; mas sim abordar a Teoria Constitucional do Direito Penal. Acredito que a aplicação desta teoria ensejaria mudanças estruturais no nosso sistema penal, contrapondo-se às atuais (e deletérias!) estratégias de controle da massa e de política criminal adotada pelo Estado.
Inicialmente, questiono a eleição e a manutenção de algumas condutas com o status de infração penal. Refuto a demonização de alguns tipos penais, por considerar desproporcional o tipo de tratamento a ele dado. São casos em que os agentes infratores acabam rotulados como inimigos causadores de todos os problemas sociais, sendo-lhes destinado o trato pelo Direito Penal do Inimigo.
Para melhor compreensão do que pretendo discutir, é necessário revisar alguns conceitos e conteúdos básicos do Direito Penal. Sigamos então.
Alinhando a ideia de construção do delito com a de inconstitucionalidade dos crimes de mera conduta, identificamos a violação de inúmeros princípios do Direito Penal, com destaque ao princípio da ofensividade.
“In limine” à nomenclatura utilizada, constante em vários dicionários, o delito vem do grego “delictum” ou “delinquere”. É a chamada culpa do senso comum. O crime é a transgressão da lei; a infração penal. Em todos os seus sinônimos, o delito pode ser entendido como a violação ao preceito primário contido da lei penal incriminadora.
Organização civilizada e o contratualismo
Para problematizar a questão faz-se necessário o enfrentamento de algumas premissas: Para que serve o Direito Penal? Onde nasce o delito? A resposta nos parecer óbvia, pois o delito é concebido no corpo social de homens descendente de “homo sapiens” ou “homem sábio". De fato, os “homens sábios” são dotados de razão e desejos, sendo diariamente “convidados” a interagir entre si dentro de seus grupos, sem perder de vista a sua sobrevivência no meio.
Nesse contexto, em linha geral, ao cidadão é “facultada” a conduta de interação junto a seu grupo. Mas, essa faculdade é quase sempre mitigada pela coercibilidade social quanto ocorre o “contato social”.
A filosofia grega, em especial em Aristóteles, trouxe à baila profícuas explicações sobre sociedade e o Estado como sendo uma família ampliada. Conforme prescreve Mascaro:
“As famílias, núcleos originários de convivência, se somadas constituíam vilas, e estas, cidades, e estas províncias, e estas Estados. Esta a ideia da sociedade como resultado da natureza humana, do homem como ser naturalmente político. Essa visão orgânica, do estado como família ampliada ou família como estado reduzido, imperou até os modernos. (...) o que Aristóteles chamava de natureza humana, a natureza social do homem, o zoon politikom, os modernos inverteram, dizendo que na verdade, a natureza humana é individual e a sociedade surge por contrato, ou seja, por mera deliberação de vontade, sendo nesse caso, a vida social um acidente, e não necessária. A filosofia moderna erigirá como base natural e necessária do homem, uma natureza individual ”. [1]
Em suma, no contato social o cidadão é “obrigado” a conviver com o seu semelhante. E, para a concretização dessa interação, faz-se necessária uma ordenação anterior aos impulsos e aos atos individuais. É imprescindível a existência de uma regra de conduta, função que é reservada ao Direito Penal. Aliás, aqui urge trazer à baila à famosa expressão “o homem vira o lobo e o lobo come o homem”, que demonstra bem a passagem do estado natural ao instinto de sobrevivência diante do contato social. Conforme Hobbes nos ensinou há séculos:
“O estado de natureza é o modo de ser que caracterizaria o homem antes de seu ingresso no Estado Social (…) que levado por paixões o homem precisa conquistar o bem, ou seja, as comodidades da vida, aquilo que resulta prazer. O altruísmo não seria, portanto, natural. Natural seria o egoísmo inclinação geral do gênero humano, constituído por um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder que só termina com a morte”. [2].
Nesse diapasão, o instinto de conservação e sobrevivência é um padrão que ensina os indivíduos, ao entrar em contato com a sociedade, a todo custo buscar a sua sobrevivência. E quando essa sobrevivência é ameaçada, o homem não vive em cooperação natural, tal como as abelhas, as formigas ou as andorinhas. O ACORDO entre esses animais é natural; de maneira diversa, entre os homens, ele apenas pode ser artificial. Conforme preceitua Mascaro, ao citar Hobbes em Leviatã,
“É certo que há algumas criaturas vivas, como as abelhas e as formigas, que vivem socialmente umas com as outras (e por isso são contadas por Aristóteles entre as criaturas políticas) sem outra direção senão seus juízos e apetites particulares, nem linguagem através da qual possa indicar umas às outras o que consideram adequado para o benefício comum”. [3]
Nesse contexto o contrato social surge como uma conquista da sociedade organização civilizada na busca da paz. Nesse sentido, T. Hobbes prescreve:
“Não sendo possível a paz é preciso procurar em toda a parte os recursos para guerra sendo lícito empregá-los. De qualquer modo a paz é a dimensão mais compatível com o instituto de conservação. Nesse sentido os homens são levados a estabelecer um contrato em si. O contrato é uma transferência mútua de direito, o pacto enquanto a conservação da vida estiver ameaçada. Para que seja durável a paz obtida pelo contrato social (…) a paz imprescindível à conservação da vida que a razão solicita cria o pacto social e, através deste, o homem é introduzido na ordem moral.” [4]
Nesse rumo, por volta de 1651, crava-se a ideia de Estado Soberano, proposta por Hobbes, que em sua obra Leviatã afirma a irrevogabilidade, a individualidade e o caráter absoluto do poder soberano. Consoante os escritos da professora Cláudia Perrone-Moisés:
“O poder supremo, que detém o homem ou o conselho, a quem os particulares se submetem, de acordo com Hobbes, tem como marcas fazer e revogar leis, determinar a guerra e a paz, julgar todas as controvérsias e nomear todos os magistrados, ministros e conselheiros .” [5]
Concernente à possibilidade de punição daquele que detém o poder supremo, Hobbes exara que:
“Considerando-se que cada cidadão submeteu sua vontade a quem possui o mando supremo na cidade, não podendo então empregar sua força contra ele, segue-se, evidentemente, que tudo o que este cometer está a salvo de punição. Pois assim, como quem não tem força suficiente, não pode puni-lo naturalmente, quem não tem direito suficiente não pode puni-lo legitimamente.” [6]
Nos dizeres do Prof. Alysson Mascaro, quanto ao conceito de sociedade civil em Hegel (pai da dialética - tese x antítese = síntese), mormente a dicção do contratualismo moderno, o Estado não é o acordo dos indivíduos, mas é dado em si para si:
“mas ao conceber a vontade apenas na forma definida da vontade individual, e a vontade geral não como racional em si e para si da vontade que resulta das vontades individuais quando conscientes- a associação dos indivíduos no Estado torna-se um contrato, cujo fundamento é, então a vontade arbitraria, a opinião e uma adesão expressa e facultativa dos indivíduos, de onde resultam as consequências puramente conceituais que destroem aquele divino que em si existe das absolutas autoridades e majestades do Estado.” [7]
Digo eu, em verdade, que ocorre o fenômeno da Endocultura, colocando muletas na sociedade civil. Os indivíduos se tornam dependentes do contrato social, sendo acovardados e assim ameniza-se a cultura de litigiosidade.
É inconteste que hoje, em nosso contrato social, vivenciamos um quadro nada agradável. Nossa história recente demonstra que vige a cleptocracia, formada por agentes plutodelinquentes que mitigam o interesse público.
Nesse diapasão, refuto a manutenção da tipicidade de algumas condutas, sendo adepto ao reconhecimento da inconstitucionalidade dos crimes de mera conduta. Entendo que tais condutas são selecionadas como delito por razões de ranço cultural, não havendo motivos reais para a sua manutenção. Considero maquiavélica a eleição de alguns tipos, pois desmaterializam a razão de ser do Estado, com deletéria usurpação do poder soberano, de modo a chafurdar o interesso público em prol de interesses privados.
A sociedade civil e a tipicidade das condutas
O Poder Legislativo, como representante da sociedade civil, tem a função de materializar a vontade popular. Por isso, o tipo penal aprovado na Casa Legislativa, deveria exteriorizar, taxativamente, as condutas que, “em tese”, a sociedade de modo geral não tolera.
A conduta reprovável pela sociedade civil, uma vez praticada é entendida como um desrespeito à coletividade. Daí em diante nasce para o Estado o dever de usurpar o interesse individual (outorgado ao Estado) para o fim de tutelar o interesse público. Ou seja, deve-se aplicar incondicionalmente o papel de protetor da sociedade através do “jus puniendi”.
Posto isso, uma vez tipificada a conduta que se amolda ao preceito primário da norma penal, compete ao Estado o poder de punir e retribuir o castigo àquele que violou a regra. O indivíduo violou o que a sociedade não tolera, por isso deve-lhe ser retribuída uma pena, daí a expressão Direito Penal.
Seletividade e finalidade do direito penal
Questiono a manutenção da tipicidade de algumas condutas, porque acredito que a “escolha” e construção do delito, oportuniza a atribuição de rótulos injustos, o que enseja a deletéria implementação do Direito Penal do Inimigo.
É consabido que em Direito Penal é “ultima ratio”, ou seja, a legislação penal é o último recurso ou instrumento em caso de conflito de interesses, servindo para intervir em assuntos considerados mais gravosos. Por conseguinte, os casos de menor gravidade podem ser dirimidos por outros ramos do Direito.
“Sobre o nascimento do delito, conforme ensina André Estejam citando os escritos de Franz Von Liszt: “O ponto de partida da história da pena coincide com o ponto de partida da história da humanidade, Ubi Societas ibi crimen que significa onde existe sociedade há crime.” [9]
Ademais, em relação à definição dos tipos, esses são escolhidos por meio da valoração cultural e dogma de determinada sociedade. Refuto o juízo de valor gerador de alguns crimes de mera conduta, por ser inconstitucional, consoante a ideia extraída da Teoria Constitucional do Direito Penal.
Nos crimes de mera conduta faz-se necessário destacar a mutabilidade de valores coletivos e o surgimento de novos paradigmas, sem perder de vista a estrutura tridimensional do Direito, (FATO, VALOR E NORMA). É cediço que a finalidade do Direito Penal é tratar de assuntos mais graves. Por isso, a manutenção de alguns tipos de mera conduta ofende ao princípio da ofensividade.
A ordem jurídica e o direito penal
Em todos os cantos, seja no âmbito acadêmico, em uma roda de bate papo com amigos ou confraternização familiar, o Direito Penal é assunto ordinário. Do latim “ius poenale”, o Direito Penal é o conjunto de normas objetivas que cuida e regulamenta o “ius puniendi”, é direito de punir. É o que a doutrina chama de direito penal objetivo.
Em suma, do Direito Penal é um dos ramos de Direito que cuida das condutas proibidas em abstrato e das sanções que deverão ser impostas um vez verificadas. Portanto, a norma penal determina para a coletividade a conduta que em tese é proibida taxativamente, estabelecendo uma punição caso o cidadão venha praticar o tipo penal.
O Direito Penal e o poder de punir do Estado revelam, abstratamente, um alerta subjetivo, que traz ao cidadão a ideia de um possível castigo\pena para aquele indivíduo que violar a norma.
Tem-se, também, o poder de punição concreto, que se revela através da função jurisdicional no contrato social. Aqui o Estado assume a obrigação organizacional da cidade e, se necessário, impõe um castigo concreto ao indivíduo que venha a desrespeitar o preceito penal primário da norma em abstrato.
TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DIREITO PENAL
Aspetos gerais da teoria constitucionalista
Nesse tópico abordo o fundamento da inconstitucionalidade dos crimes de mera conduta. Tratarei aqui da Teoria Constitucionalista do Direito Penal ou, como alguns denominam, da Teoria Constitucionalista do Delito.
É necessário destacar que essa teoria atual prima pela análise da realização da tipicidade, com abordagem sobre a materialização do fato típico na condição de elementar do crime. A Teoria Constitucionalista do Direito Penal traz a lume uma visão moderna e robusta da estrutura do crime dentro de um Estado Democrático de Direito.
Vista como principal fundamento para refutar os crimes de mera conduta, a Teoria Constitucionalista do Direito Penal busca analisar a realização da tipicidade na atualidade, em face das teorias anteriores sobre o fato típico como elementar do crime.
Teoria causal, mecanicista ou clássica
Para compreensão da Teoria Constitucional de Direito Penal e sua melhor assimilação, necessário se faz trazer a colação as discussões que predominam sobre a estrutura do crime. Historicamente, há um embate sobre o conceito analítico de crime, se este seria um fato típico e antijurídico ou se o crime seria fato típico, antijurídico e culpável.
Nessa esteira do embate entre os pêndulos e correntes, por anos, houver uma dupla concepção da análise do crime. De um lado, a corrente que adota o conceito bipartido de crime (teoria bipartida) que entende que o crime é fato típico e jurídico; de outro, a corrente tripartida que adota um conceito tripartido (teoria tripartida) em que crime seria fato típico, antijurídico e culpável.
Inobstante, na definição exarada pelo magnifico professor Ricardo Andreucci, trago a ideia de fato típico, vejamos, “in verbis”:
“Fato típico é o comportamento humano, positivo ou negativo, que provoca um resultado e é previsto na lei como infração, é aquele qu se enquadra perfeitamente aos elementos contidos no tipo penal, (...) é composto dos seguintes eelementos: (a) conduta humana dolosa ou culposa, resultado, nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e o enquadramento do fato material a uma norma penal incriminadora.” [10]
Portanto, o fato típico é a mera realização objetiva de um fato definido em lei como crime. O primeiro elemento para a existência do fato típico é a subsunção formal. A culpabilidade é a verificação da imputabilidade: dolo ou culpa (aspectos subjetivos). Por fim, a antijuridicidade é a verificação dos pressupostos jurídicos, o estado de necessidade e a legítima defesa.
Diga-se, ademais, que atualmente inexistem discursões nesse âmbito. De ora em diante a análise situa-se para o deslinde da realização da tipicidade e necessidade da evolução congruente à Carta Magna, bem como os princípios insertos nesta. Dito isso, à assimilação de teoria Constitucional de Direito Penal, é necessário pontuarmos a evolução do conceito de tipicidade, a fim de compreender sua aplicação.
Entre o final de século XIX e início de século XX predominava a doutrina causal, também chamada mecanicista ou clássica, na qual “a estrutura do crime estava dividida em três partes: fato típico + antijuridicidade (ou ilicitude) + culpabilidade”. A primeira parte, qual seja, o tipo, abarcava somente os aspectos objetivos do crime, enquanto a culpabilidade situava-se no elemento subjetivo (dolo e culpa).
Segundo essa teoria para realização da tipicidade, na análise do fato típico, bastava a analise da conduta e a ocorrência do resultado, além, é claro, do nexo causal. Não se analisa ainda neste momento o dolo ou a culpa, vez que para esta corrente o elemento subjetivo situava-se âmbito da culpabilidade.
A título de exemplo, imaginemos o caso concreto em que uma pessoa, apesar de dirigir uma motocicleta com todo cuidado, acaba por atropelar outra pessoa que entrou na frente de sua moto em rodovia de tráfego rápido. “In casu”, para teoria causal, o agente teria praticado o fato típico e antijurídico e deveria ser processado e julgado normalmente pela pratica de uma conduta em tese culposa.
Denota-se que na teoria da causalidade, no exemplo supracitado, o agente que atropelou a pessoa que entrou na frente de sua motocicleta, passaria por todo constrangimento do processo judicial mesmo dirigindo com cuidado. Contudo, a profícua análise de dolo e de culpa só ocorreria posteriormente no âmbito da culpabilidade. Para esta teoria a parte externa do crime ficava no tipo e a interna na culpabilidade, atualmente o conteúdo desta teoria está totalmente superada.
Teoria Finalista da ação
Em 1930 surge a Teoria Finalista da ação, criada pelo alemão Hans Wetzel, a qual assevera que a conduta é: “o comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a um fim, daí o seu nome finalista, levando em conta a finalidade do agente”.
Para a teoria finalista o dolo e a culpa, que até então integravam o elemento da culpabilidade, passaram a se posicionar na conduta. Portanto, integram o fato típico. A culpabilidade passou a ter como elementos apenas a imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
Hans Welzel preceitua que todo comportamento do ser humano tem uma finalidade, retirando o dolo e culpa da culpabilidade e colocando-os dentro do fato tipo. Para Welzel toda conduta deve, necessariamente, ser dolosa ou culposa, destinada a alcançar uma finalidade especifica. E, dentro desta ação, deve-se analisar qual elemento subjetivo existente. Nota-se, porquanto, que na teoria finalista o dolo e a culpa migraram da culpabilidade, passando a compor o fato típico.
Para nessa teoria, a tipicidade formal não basta, deve ser feita uma análise do elemento subjetivo. Assim sendo, no mesmo exemplo anteriormente dado, no caso concreto em pessoa dirigindo sua motocicleta com todo cuidado, acaba por atropelar outra pessoa que entra na frente de seu veículo em rodovia de tráfego rápido, “in casu” para teoria finalista, o agente em tese praticou conduta ATÍPICA, vez que não agiu nem com DOLO OU CULPA.
Nesse diapasão, para Welzel a conduta é a vontade guiada por uma finalidade. O dolo e a culpa na conduta são uma mera consequência da finalidade que comanda a ação, passando a integrar o resultado finalístico, o fato típico.
Teoria social
A Teoria Social é igualmente utilizada para fundamentar acerca da efetiva configuração da tipicidade. Ou seja, um fato para ser considerado típico precisa produzir um dano socialmente relevante. Assim, se não houver um dano de relevância social, inexiste fato típico. Para a teoria social não bastaria a existência da subsunção formal (teoria causal), do dolo e da culpa (teoria neoclássica); necessariamente a conduta deve ser socialmente inadequada (teoria social).
Nesse sentido, à guisa de corroboração tipicidade na teoria social, colacionamos os escritos inserto no manual de direito penal do professor Andreucci, “Ipisis Literris”:
‘Teoria social também conhecida por teoria normativa, teoria da adequação social ou teoria socialmente adequada, segundo a qual a ação nada mais é que a realização de uma conduta socialmente relevante. A vontade estaria na culpabilidade.” [11].
Concomitante a uma série de princípios, essa teoria fundamenta, em parte, a Teoria Constitucional do Direito Penal. Além do fato típico formal, compreendido da subsunção formal dos elementos do tipo exaurindo do dolo ou culpa, necessário se faz a análise do conteúdo material.
Nesse passo, a culpabilidade é o juízo de valoração da conduta do autor do crime, não constitui, assim, elemento do fato típico. Sendo o crime fato típico e antijurídico preenchido pelo dolo e culpa, a culpabilidade deixa de ser um elemento do crime, passando a ser um mero juízo de valor ao agente do crime. Ou seja, a reprovabilidade social da conduta praticada.
Tipicidade Formal
A tipicidade formal é a mera subsunção da conduta ao tipo penal incriminador. Ou seja, é o perfeito enquadramento entre o comportamento humano praticada em acordo com prescrição taxativa da norma penal como sendo ilícita.
Como exemplos pode-se citar a conduta em que um homem intencionalmente subtrai uma lata de leite em pó da prateleira de um supermercado. Veja-se: nesse caso a conduta em tese pratica preencheu completamente os elementos do art. 155, do Código Penal. O agente subtraiu para si coisa alheia móvel.
Portanto, é a tipicidade formal a adequação da conduta dolosa ou culposa praticada pelo agente, a qual é prevista taxativamente em norma penal.
Tipicidade Material
Tipicidade material se relaciona ao conteúdo material de crime, vez que para a perfeita determinação de uma conduta como crime, modernamente, não basta a tipicidade formal. É necessário que a conduta tenha conteúdo material de crime dentro do Estado Democrático de Direito.
Nesse rumo, a conduta do homem em sociedade é constituída de dois pêndulos: de um lado sua natureza material objetiva (corpo físico), e outra sua natureza psicológica ou subjetiva. E assim, quanto ao conjunto necessário para configuração de um crime, necessário entender que não basta apenas a conduta por si só.
Dentro de um Estado Democrático de Direito, com inúmeros princípios, para a caracterização do crime não basta apenas a tipicidade formal, sendo necessário um resultado naturalístico que possa alterar o mundo exterior. Por conseguinte, é preciso vislumbrar uma conduta que traga prejuízo a um bem jurídico tutelado pela norma penal. Conforme ensina o professor Roberto Demo:
“Para tornar a vida em sociedade possível, o Estado regula a conduta dos cidadãos por meio de normas objetivas, que visam proteger determinados bens jurídicos cuja tutela seja importante em um determinado momento histórico. O direito objetivo determina o que pode ser feito e o que é proibido. Esse direito objetivo bitola, nessa compreensão, as ações das pessoas de um maniqueísmo: atividades lícitas, consoante o direito objetivo e atividades ilícitas que agridem o ordenamento jurídico. À conduta ilícita corresponde uma sanção. Aqui cabe ponderar que uma conduta pode ser qualificada, num só tempo ilícito civil, ilícito administrativo ou político e ilícito penal (...) nessa toada, surge a questão qual a diferença entre ilícito civil, administrativo, político e penal?” [12].
A Teoria Constitucional do Delito assevera que para ser considerado crime, além da tipicidade formal (nexo causal + elemento subjetivo do tipo), o tipo deve conter o conjunto material de crime. Assim sendo, desponta cristalino o fundamento de tipicidade material: só se pode considerar crime a conduta que tenha o formato real de crime, sob pena de violar inúmeros princípios constitucionais.
O elemento subjetivo
O delito não se resume apenas a uma ação (ou omissão) e o resultado danoso. Somente se pode afirmar a existência de um crime se no momento da conduta o agente possuía potencial consciência da ilicitude e o desejo de provocar o resultado previsto no tipo penal. No que toca a estrutura do tipo penal, há quatro espécies ou classes de elementos subjetivos: os crimes dolosos e culposos, ativos e omissivos, que oportunizam para dar origem aos tipos dolosos ativos, tipos dolosos omissivos, tipos culposos ativos e tipos culposos omissivos.
Os tipos dolosos, posto que em maior quantidade dos tipos preceituados, tratam-se da proibição das condutas penalmente relevantes, podendo ser apresentado sob dois aspectos, em elementos objetivos e subjetivos, conforme ensina Zaffaroni: “significa que a lei, mediante o tipo, individualiza condutas atendendo a circunstância que ocorrem no mundo exterior e as circunstâncias que se encontra no interior, pertencentes ao psiquismo do autor”. [13]
Nessa esteira, à materialização do tipo penal doloso, além do aspecto externo ou resultado causado pela conduta fim, deve estar presente o aspecto interno, ou seja, o elemento subjetivo oportunizado pelo querer do agente em provocar o resultado. Portanto:
“O aspecto externo do tipo doloso, isto é, a manifestação da vontade no mundo físico exigido pelo tipo, chamamos aspecto objetivo. Ao aspecto interno, ou seja, à vontade em si, chamamos aspecto subjetivo do tipo legal, ou, de forma mais sucinta, tipo subjetivo.” [14]
Resultado naturalístico
O tipo penal descreve a conduta que provoca lesão ao bem jurídico tutelado. O agente ao praticar essa conduta oportuniza alterações no mundo exterior por meio de um agir físico. Nesse aspecto, situa-se a especialidade da norma penal, vez que trata de manifestações tidas como graves no mundo físico. Conforme preleciona Zaffaroni:
“Antes da conduta, as coisas estavam num estado diferente daquele que se encontravam depois dela. Antes de acender um cigarro, o fósforo não estava queimado; antes de falar, as ondas não haviam transmitido meus sons e não haviam provocado uma reação no tecido nervoso do ouvinte; antes de sentar-se não se havia deslocado uma massa de ar que agora ocupa um outro lugar” [15]
Sob este prisma, podemos identificar incongruências explicitas nos tipos penais de mera conduta. Ora, o fim da norma penal é cuidar de ação humana que resulte em lesão a bem jurídico valorizado pela sociedade. Dentro do Estado de Direito inexiste a discricionariedade ao Poder Legislativo de criar tipos de mera conduta, em face da ausência de conteúdo de crime, o que enseja a atipicidade material.
Tipicidade material e a Teoria Constitucional
“Ex positis”, a Teoria Constitucional do Direito Penal assevera a impossibilidade de se considerar crime uma conduta sob a ótica do aspecto da tipicidade formal pura. Por isso, diante de um tipo penal de mera conduta, deve-se reconhecer a sua inconstitucionalidade, ante a ausência de tipicidade material dentro do Estado Democrático de Direito.
De mais a mais, em alguns tipos penais de mera conduta inexiste o resultado material e, conquanto, conforme ensina Zaffaroni, deve-se devotar zelo ao tema, pois a elaboração do preceito primário do tipo penal incriminador deve conter, taxativamente, uma conduta que causa uma mudança no mundo externo; ou seja, um resultado material.
Assim, à ideia de crime é necessário destacar a tipicidade material no conjunto do tipo penal. Ou seja, sem perder de vista os princípios constitucionais, devem considerar-se crimes aquelas condutas que oportunizam lesividade para a sociedade.
Do resultado naturalístico
O resultado naturalístico é aquele que produz modificação no mundo natural (concreto, dos fatos). Inclusive, não são todos os crimes que provocam a modificação no mundo concreto. Exemplificando, seguem alguns conceitos:
Ausência de Tipicidade material e o controle de constitucionalidade
Nesse rumo, em vários tipos de mera conduta impende o controle de constitucionalidade. Como dito anteriormente, para ser considerado crime não basta somente a tipicidade formal, devendo, necessariamente, haver a tipicidade material dentro do Estado Democrático de Direito.
Nossa Carta Política, em seu art. 1º, exara que República Federativa adota um Estado Democrático de Direito e observa outros inúmeros princípios. Sobre a aplicação normas penais sem conteúdo material dentro um Estado Democrático, a professora Dinalli ensina que:
“O Estado de direito estará consolidado à medida que fomos capazes de garantir a plena eficácia da constituição federal. O Estado deve ser capaz de garantir a segurança dos cidadãos. (...) A pobreza e a exclusão social não são realidades que compõem de forma imutável e fatalista a vida destes milhões de seres humanos, e que tem mutilada a sua dignidade no dia a dia de uma vida sem esperança. A mudança depende apenas da vontade política dos governantes. [16]”.
Em remate, a Teoria Constitucional do Direito Penal assevera a ideia de que para a configuração do tipo penal não basta somente o aspecto o formal. Assim sendo, para que uma conduta seja considerada típica, o tipo penal deve, necessariamente, ter um conteúdo de crime sem perder de vista o Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, vivenciamos um quadro nada agradável, vez que alguns tipos além de eleitos por meio Seletividade Penal, são definidos pela cleptocracia administrada por plutodelinquentes, onde a “res publica” fica em segundo plano a fim de favorecer interesses particulares.
Hélio Mendes Veiga.
Procurador, Escritor e Professor no Instituto Brasileiro de Direito.
https://www.ibijus.com/prof.helio.mendes
Site: www.mvc.adv.br
Referências:
As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus
Sobre o autor
Nascido na capital paulista onde cresceu e formou suas raízes • Especialista em Direito Penal e Processo Penal • Direito Público na Faculdade Damásio de Jesus, Membro do Corpo Docente orientador no Laboratório de Ciências Criminais do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) • Parecerista do Boletim do IBCCRIM e Avaliador da Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCRIM • Atuou como Conciliador no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de 2010 a 2018 • Autor com inúmeras publicações lançou 2 edição da obra Conciliação, • No ano de 2023 lançou a 2 edição de Direito Penal do Inimigo • Atualmente é Procurador no Município de Mogi Guaçu, suas Práticas com mediação utilizando Justiça Restaurativa foram deferidas na 17 edição do Prêmio INNOVARE (2020)• Membro da Associação Brasileira de Ensino a Distância - ABED • É especialista em Educação EAD pela Universidade Braz Cubas.
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