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Populismo Penal e incidência de Iniquidades em Saúde


Por Helio Mendes Veiga em 08/04/2023 | Penal | Comentários: 0

Tags: direito penal do inimigo, Lei de Drogas, cannabis sativa medicinal.

Populismo Penal e incidência de Iniquidades em Saúde


CRIMINAL POPULISM AND INCIDENCE OF HEALTH INEQUALITIES


RESUMO

Alguns dilemas da modernidade se tornaram um gigantesco buraco negro de significados no mundo contemporâneo, particularmente a tangência e interação dos cidadãos com Estado, que, inclusive, não estão alheios a novos paradigmas de otimização da gestão pública. Nessa quadra, recoberta por um manto de névoas, enjambra-se a seletividade penal e o populismo penal ao inculcar no inconsciente coletivo falsa realidade, notadamente quando o paradigma do proibicionismo mira extirpar da sociedade, cidadãos etiquetados como sendo inimigos do Estado. Na busca de embasamento ético e pragmático para nossas inquietações profissionais, nada obstante,  no presente erigimos aspectos refutando a demonização de algumas condutas, que, de forma velada, busca se fazer crer que tais tipos, são os únicos causadores de todos os problemas sociais, e, disso decorre à aplicação de um direito penal do inimigo. Longe de qualquer patrulhamento ideológico, de início saliento que os apontamentos  que aqui faço são observações das quais verifico mais eficazes e constitucionalmente adequadas, ante fatos e suas consequências, tal qual renovando o mister deslinde da eleição e rotulação de detidas condutas com status de crime, que em nosso ponto de vista não deveria ser tratado como ilícito penal.

Palavras-chave: Populismo penal; Iniquidades; Direito a Saúde; cannabis medicinal


abstract

Some dilemmas of modernity have become a gigantic black hole of meanings in the contemporary world, particularly the tangency and interaction of citizens with the State, which are not alien to new paradigms for optimizing public management. In this court, covered by a mantle of fog, penal selectivity and penal populism are enacted by inculcating false reality in the collective unconscious, especially when the paradigm of prohibitionism aims to extirpate from society citizens labeled as enemies of the State. In the search for an ethical and pragmatic basis for our professional concerns, however, at present we erect aspects refuting the demonization of some conducts, which, in a veiled way, seeks to make people believe that such types are the only causes of all social problems, and hence the application of a criminal law of the enemy. Far from any ideological patrol, at first I emphasize that the notes I make here are observations that I verify are more effective and constitutionally appropriate, in view of facts and their consequences, as well as renewing the mister delineation of the election and labeling of detained conducts with the status of a crime, which in our view should not be treated as a criminal offense.

Keywords: Penal populism; Iniquities; Right to health; medical cannabis


Introdução

Há alguns anos atuando na procuradoria tenho trocado lentes concernentes alguns conceitos, com vista da separação dos poderes, o poder legislativo compostos de representantes eleitos pela sociedade civil por meio do sufrágio universal, tem a função principal de materializar a convenção da maioria sobre o que entendem corretos, e desse padrão geral, tipificam-se as condutas que são consideradas proibidas, ou seja, exteriorizam-se taxativamente em rol escrito as  condutas que a sociedade não tolera.

Adrede, se praticada a conduta reprovável por um de seus membros, aquela atitude do “cidadão” que à pratica é entendida como um ato de desrespeito à coletividade, e, de ora em diante nasce para o Estado-poder o dever de aplicar de modo incondicional o papel de protetor da sociedade, por meio do ius puniend”. Portanto, o Estado deve usurpar o poder individual para fim de tutelar o interesse público da coletividade.

Nesse rumo, quando praticada conduta que se amolda ao preceito primário da norma penal incriminadora, de ora em diante, toca ao Estado exercer o poder de punir, retribuindo castigo àquele que violou a regra geral, pois o indivíduo descumpriu o que a sociedade valoriza e não tolera! Ensejo, a este cidadão infrator deve-lhe ser retribuída uma pena, daí a expressão direito penal.   


1. Da Coercetividade penal

Há tempos, desde Hamurabi em 1.700 AC, escrito em uma pedra basáltica, um dos documentos jurídicos mais antigos, passando pela lei das XII tábuas, pelo TALIÃO e doutras normas até os dias atuais, o direito penal é marcado pela coercitividade (pontualmente intimidatória) destinada a dirimir violações individuais fruto das interações da coletividade.

Nessa toada, a prática de um delito possui uma representação ou mensagem (carga de cognição). O tipo penal (ex: Matar alguém, ou subtrair para si coisa alheia móvel mediante grave ameaça) é a expressão taxativa de conduta abstrata da qual determinado grupo não tolera que seja praticada.

Assim, o preceito primário do tipo penal é a expressão notória e publica da conduta a qual determinada sociedade espera que não seja praticada, e quiçá, se praticada, doravante é dado automaticamente o aval (autorização) ao Estado, para que este aplique o preceito secundário do tipo penal (“erga omines”), ou seja para todos. O tipo é a mensagem da coletividade de que será punido todo o indivíduo que eventualmente pratique o ato reprovável por determinada sociedade.

A expressão “em tese reprovável é feita adrede”, posto que a tipicidade de algumas condutas, muitas vezes torna-se inócua, aliás, a tese central de presente artigo, refuta a  discrepância de se manter tipificado algo que nunca foi um problema historicamente, mas que por outros aspectos maquiavélicos são mantidos com rótulo de crime, e pior, são tratados como sendo o monstro responsável por todos os problemas sociais e criminalidade decorrente.

Inobstante a isso, destaco que, para algumas tipificações mesmo que aplicada à pena, a violação do bem jurídico em tese protegido, permanecerá intacto, de modo que a punição preceituada não possui condão prático de reparar o mal injusto (justiça real). Todavia, de fato carrega tão somente o ranço cultural de vingança e com alto grau de subjetividade, fim de agasalhar a seletividade penal e função retributiva da pena.


2. O Direito penal e o estado de direito

Alguns tipos penais e sanções são notadamente inócuas (exemplo: nos crimes de mera conduta que encarcera um cidadão portador de enfermidades e que, agasalhado de orientação  médica é flagrado em posse de cannabis para fim de produção medicamento) pois, inexiste o condão de reparar o resultado da infração. “In casu”, é totalmente incongruente ao princípio da ofensividade ou lesividade (crimen sine injúria), a qual o fato para ser considerado crime, mister se faz a lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado.

Nessa toada,  a finalidade do direito penal visa proteger  bens jurídicos fundamentais, temos o exemplo do crime de furto, cujo resultado se materializa pela subtração da res furtiva. Assim neste caso, há um bem jurídico a tutelar, evidentemente o "patrimônio" ou seja, a coisa furtada. Doutro exemplo, no crime de homicídio quando consumado há violação a uma "vida humana", ou seja, o bem jurídico protegido é a VIDA e assim por diante.


3. Conceito de tipo

Nosso texto constitucional estabelece e deixa a cargo da lei ordinária e\ou especiais a competência exclusiva para definição dos crimes, razão pela qual abordo a teoria do tipo. O tipo penal nada mais é que a descrição abstrata da conduta humana literalmente pormenorizada, ou seja, é a descrição taxativa de um comportamento, que, é reconhecida pela sociedade como fato criminoso,  também chamado de tipo penal incriminador

 Outrossim, pode se afirmar que tipo é o modelo de conduta positivada pela casa legislativa, a qual é feita a narrativa minuciosa  da conduta tida como criminosa,  esclarecendo para coletividade os seus elementos, ou seja, o tipo é a materialização contextualizada e vontade geral, que rotula o padrão de comportamento individual na sociedade, e, por conseguinte, o Estado soberano deve zelar incondicionalmente pela sua observância.


​​​​​​​4. Da adequação típica e suas formas

O tipo penal descreve conduta considerada proibida, ou seja, é a narrativa fática do não agir, e, uma vez praticada, de ora em diante é dada autorização ao Estado para promover aplicação do ius puniend e ius persequent vez que se materializou a adequação típica, logo, havendo o comportamento humano positivo ou negativo nos termos do que está preceituado na lei, diz-se que ocorreu o fato típico.

A doutrina faz distinção e considera a tipicidade mera correspondência formal entre a conduta humana e o que se encontra descrito no tipo, por outro lado, no que se refere à adequação típica exige-se uma abordagem mais pontual, invés de uma simples análise subjetiva, posto que na adequação a autoridade competente deve investigar se houve vontade do agente (dolo específico) de produzir o resultado, fim de só então efetuar o enquadramento.


​​​​​​​5. Tipicidade material

A conduta do Homem em sociedade é determinada em dois pêndulos, de um lado sua natureza material (corpo físico) e de outra sua natureza psicológica ou subjetiva, assim, em relação à tipicidade material, para a configuração do delito se faz necessário não apenas adequação da conduta ao preceito primária da norma, mas também que ação tenha conteúdo de reprovabilidade coletiva. 

Nessa toada, a tipicidade material ocorre quando a conduta consumada tenha além da tipicidade formal, um conteúdo cujo comportamento configure uma ideia de crime. Aqui a conduta para se considerada crime, não basta apenas à tipicidade formal, é necessário que o comportamento tenha conteúdo crime dentro do Estado democrático de Direito.

No pensamento contemporâneo, necessário um resultado naturalístico, ou seja, a conduta para ser considerado crime,  precisa alterar o mundo exterior, e, que, tal conduta traga efetivamente prejuízo a um bem tutelado pela norma penal.

Ensejo, para essa corrente para que a conduta seja considerada crime, além da tipicidade formal (nexo causal + elemento subjetivo do tipo + resultado) deve necessariamente ter um conteúdo de crime, aliás, existe precedente no sentido de reconhecer a inexistência de crime, se ausente à tipicidade material.


​​​​​​​6. O elemento subjetivo

O delito não se resume apenas da soma de ação ou omissão e o resultado danoso, pois só poderemos afirmar que se configurou um crime, se no momento da ação ou omissão o agente detinha a potencial consciência de ilicitude, ou seja, deve haver o desejo de provocar o resultado previsto no tipo penal, para subsunção do caso concreto.

Concernente à estrutura do tipo penal, há quatro espécies ou classe de elementos subjetivos: os crimes dolosos e culposos, ativos e omissivos, que oportunizam para dar origem aos tipos dolosos ativos, tipos dolosos omissivos, tipos culposos ativos e tipos culposos omissivos.

Os tipos dolosos são maioria, se afigura proibições de condutas penalmente relevante, e, podem ser apresentados sob dois aspectos: elementos objetivos e subjetivos, conforme ensina Zaffaroni:

“ (...) significa que a lei, mediante o tipo, individualiza condutas atendendo a circunstância que ocorrem no mundo exterior e as circunstâncias que se encontra no interior, pertencentes ao psiquismo do autor” [2].


Consoante aos escritos do notável penalista argentino, o tipo não deve ser entendido apenas da análise do preceito primário da norma ou limitada ao comportamento exterior do agente, mas também sobre a ótica dos aspectos cognitivos que não pode ser ignorado.

Nessa esteira, para a materialização do tipo penal, além do aspecto externo,  também deve estar presente o aspecto interno, ou seja, o elemento subjetivo, que é oportunizado do querer de agente em provocar o resultado:

 “ (...) “O aspecto externo do tipo doloso, isto é, a manifestação da vontade no mundo físico exigido pelo tipo, chamamos aspecto objetivo. Ao aspecto interno, ou seja, à vontade em si, chamamos aspecto subjetivo do tipo legal, ou, de forma mais sucinta, tipo subjetivo”[3]”. 


​​​​​​​7. Resultado naturalístico

Na estrutura do crime o tipo penal descreve a conduta que pode provocar lesão a um bem tutelado pela ordem jurídica, e, para consumação o autor ao praticar a elementar (verbo) do tipo, deve provocar alteração no mundo exterior por meio de um agir. Nesse aspecto situa-se a especialidade da norma pena, vez que trata de manifestações tidas como graves no mundo físico, conforme o magistério de Zaffaroni, verbis:

“ (...) “Antes da conduta, as coisas estavam num estado diferente daquele que se encontravam depois dela. Antes de acender um cigarro, o fósforo não estava queimado; antes de falar, as ondas não haviam transmitido meus sons e não haviam provocado uma reação no tecido nervoso do ouvinte; antes de sentar-se não se havia deslocado uma massa de ar que agora ocupa outro lugar[4]”. 


Ora, pois, se o fim da norma penal é tratar de ações humanas que resulte em lesão a um bem jurídico que a sociedade valoriza, observe-se conduta do cidadão que que planta, semeia e cultiva erva fim de extrair medicamento fitoterápico, de rigor, inexiste crime ante atipicidade material.


​​​​​​​8. Tipicidade material

Alguns tipos penais de mera conduta inexiste o resultado material, e, conforme ensina Zaffaroni a elaboração do preceito primário do tipo penal incriminador deve conter taxativamente conduta que causa uma mudança no mundo externo; ou seja, um resultado material.

Assim, todavia, para se cogitar a ideia de crime é necessário destacar a tipicidade material na estrutura do crime. Ou seja, consoante princípios constitucionais, o crime só pode ser considerado como tal, quando provoca lesividade concreta para a sociedade.


​​​​​​​9. Consequências da atipicidade material

Nossa carta política, em seu art. 1º, exara que República Federativa optou por um estado democrático de direito com inúmeros princípios. A teoria constitucional do direito penal assevera, que, para a configuração do tipo penal não basta somente o aspecto formal, e, para conduta ser considerada típica, o tipo deve ter conteúdo de crime.

Nesse contexto, vivenciamos um quadro nada agradável, vez que alguns tipos além de eleitos por meio seletividade penal, foram definidos pela cleptocracia administrada por plutodelinquentes, que nos últimos (4) quatro anos, notadamente atuaram para resguardar primeiro o interesse “dos seus familiares” e conchavos de modo que a “res pública “ vêm sendo colocado em segundo plano.


​​​​​​​10. Princípio da intervenção mínima

Conforme digo alhures, o poder de punir do Estado é exercido por meio da lei penal, quando esgotadas todas as possibilidades disponíveis em outros ramos do direito, ou seja, é o último recurso do Estado para fim de resolver lide, de que seja capaz de produzir lesões à um bem jurídico protegido. Oportunamente, o princípio da intervenção mínima erige o poder disciplinar do Estado que por meio do direito penal não pune o indivíduo, mas sim a conduta. Assim, a intervenção mínima é destinada ao poder legislativo, estabelecendo premissa quando da criação de leis penais, devendo haver moderação na eleição das condutas.

Ora, se outros meios de controle social se revela suficiente para tutelar o bem jurídico protegido, sua criminalização é inadequada e não recomendável, Trocando em miúdos, se para dirimir lide e ordem jurídica violada, for suficiente medida civil ou administrativa, são estas que devem ser empregadas e não as penas.

É por isso, que direito penal deve ser a “última ratio”, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito se revelarem incapazes de tutelar (proteger) os bens relevantes da vida e da própria sociedade. Enfim, o Legislador no momento de eleição dos tipos penais, não pode perder de vista princípio da intervenção mínima.


​​​​​​​11. Princípio da lesividade ou ofensividade do evento

Nesse contexto, se não houver lesão a um bem tutelado pelo ordenamento jurídico, inexiste crime, ou seja, por este princípio o crime materializa-se com destruição ou alteração do Estado inicial do bem protegido, salientando que se exige o chamado resultado material.

Ensejo, já adentrando em tese principal de nossa obra direito penal do inimigo, que em breve publicada 2ª edição, questiono,  Será que existe lesão concreta em alguns crimes de mera conduta? Exemplo: Será que plantar uma muda em seu jardim destinado produzir efeitos medicinais em tratamento médico provoca lesão a algum bem jurídico? Na minha humilde opinião creio que não.


​​​​​​​12. Seletividade penal afronta princípio da isonomia

Seguindo o raciocínio alhures, mister se faz salientar que  consabida seletividade penal afronta o princípio constitucional da isonomia ou igualdade, inolvidável no Estado Democrático de Direito, em ações efetivadas por suas instituições.

Nessa esteira, o que estamos assinalando é a circunstância detida que paira sobre classes sociais menos favorecidas, e que, de longe tem se observado o princípio da isonomia.  ― aliás,  diverso do que se observa para as elites, acabam sendo processadas e apenadas, superlotando as cadeias com pessoas advindas das classes menos abastadas, incidindo assim nesses estratos sociais, a sensação de que  o sistema penal pátrio somente atua em seu desfavor.

Repisando  nota inicial deste subscritor, recobertas por um manto de névoas, enjambra-se a seletividade penal ao inculcar falsa realidade, visando extirpar da sociedade cidadãos etiquetados como sendo inimigos do Estado.

 

​​​​​​​​​​​​​​13. Nódoas e meandros do sistema penal

Sobre tal aspecto as nódoas e meandros do sistema penal, é todo oportuno trazer à colação o excelente magistério de preclaro Patrick Mariano Gomes, que traça profícua explanação,  obtempera “ad litteram:

“(…) acreditar nas promessas da democracia e de um direito penal mínimo e racional no atual estado das coisas se constitui profissão de fé diante da realidade concreta, (…)  a oportunidade de conhecer as nódoas do sistema penal pode redundar em sono profundo da razão. E o sono da razão, parafraseando o pintor Francisco Goya, produziu e produzirá monstros. [5]  (GN).


Trocando em miúdos, o que refuto é a demonização de algumas condutas, buscando se fazer crer que tais tipos, são os únicos causadores de todos os problemas sociais. Temos que à  seletividade penal é uma afronta ao princípio da isonomia, e disso decorre, a incidência de um direito penal do inimigo a determinados grupos etiquetados de modo equivocado.

Nesse diapasão, sobre seletividade e o endosso do mundo social ao etiquetamento de indivíduos, com propriedade o festejado Prof.º CLÓVIS DE BARROS FILHO preleciona, de modo esclarecedor:

 “(…) Porque a sociedade não só patrocina os elementos identitários como controla e vigia com  rigor o uso que fazemos deles. De maneira que nossa identidade é uma negociação permanente com o mundo que nos circunda. (…) Cada um de nós tem uma definição de si mesmo e acaba circunscrevendo a vida em função disso. Como todos temos esse mesmo problema, construímos entre nós uma espécie de pacto de cumplicidade,(…) ou seja, cada um de nós, precisamos do endosso do mundo social, acaba também endossando as definições dos demais.”.[6] (GN)


​​​​​​​14. Plantação para consumo pessoal

Nesse particular, passo a refutar a constitucionalidade da criminalização da conduta de cultivar para consumo pessoal cannabis. Em assonância com os ensinamentos do eminente Min. Luís Roberto Barroso, na introdução de seu voto no julgamento no colendo STF- RE 635.659: 

Estamos no domínio das escolhas trágicas. Todas têm custo alto. Porém, virar as costas para um problema não faz com que ele vá embora. Por isso, em boa hora o Supremo Tribunal Federal está discutindo essa gravíssima questão. Em uma democracia, nenhum tema é tabu. Tudo pode e deve ser debatido à luz do dia. Estamos todos aqui em busca da melhor solução, baseada em fatos e razões, e não em preconceitos ou visões moralistas da vida (...) [7] (gn)


Para melhor compreensão, é de todo oportuno gizar as palavras do Exmo. Ministro Barroso, em breves palavras promove o deslinde de terminologias descriminalizar, despenalizar e legalizar diferenciando-as, nos ensina que:

 

Descriminalizar significa deixar de tratar como crime;

Despenalizar é deixar de punir com pena de prisão;                                          

Legalizar é considerar fato normal e insuscetível qualquer sanção;


Pois bem, alinhada na diferenciação de terminologia, rechaço a constitucionalidade do tipo que mantém criminalizada em abstrato a conduta de plantar com finalidade medicinal cannabis. Saliento que plantação e porte para consumo de um erva (cannabis) “de per si” não ofende qualquer bem jurídico protegido.

Nesse passo, relativo à conduta de quem planta cannabis, seja ela para consumo pessoal, seja para finalidade medicinal, de rigor digo eu que inexiste dolo específico de produzir qualquer resultado prejudicial à coletividade, tampouco de causar prejuízo à saúde pública, o que afasta a incidência da tipicidade material.

Digo eu, são  completamente baldos de maior razão ter o cidadão que ingurgitar impertérrita coerção de agentes públicos, sobretudo ante inextricável imbróglio jurídico que se arrasta há tempos, em especial a despicienda lacuna de norma e cristalina atipicidade material.

Em assonância com a lição sempre precisa do Min. Luís Roberto Barroso ao justificar seu insigne voto, STF - RE nº 635.659:

“É preciso não confundir moral com direito. Há coisas que a sociedade pode achar ruim, mas que nem por isso são ilícitas. Se um indivíduo, na solidão das suas noites, bebe até cair desmaiado na cama, isso não parece bom, mas não é ilícito. Se um indivíduo fumar meia carteira de cigarros entre o jantar e a hora de ir dormir, tampouco parece bom, mas não é ilícito. Pois digo eu: o mesmo vale se, em lugar de beber ou consumir cigarros, ele fumar um baseado. É ruim, mas não é papel do Estado se imiscuir nessa área.” (GRIFO NOSSO). [8]


Nesse diapasão, inextricável à atipicidade material da conduta e deletéria inércia da ANVISA ante lacuna normativa, razão não assiste criminalização da conduta, que proporciona aos cidadãos ingurgitar arbitrariedade legal. Como bem observou o Min. Barroso:  “Para poupar a pessoa do risco, o Estado vive a vida dela. Não parece uma boa ideia” [9]


​​​​​​​15. Será que repressão às drogas visa o bem estar social?

Outro ponto que se faz mister questionar é se as atuais políticas públicas e os dados condizem com a realidade. Concernente ao suposto “ao inimigo da sociedade”, adrede, devemos pontuar e identificar qual são as potencialidades lesivas de substâncias licitas e ilícitas.

De rigor o álcool e cigarro são as drogas mais consumidas, até aí nenhuma novidade. Porém, o que refuto é o escudo da via proibicionista, concernente a proteção da saúde, que, evidentemente falece razão.

Em verdade as políticas públicas e os dados demonstram que a potencialidade das drogas licitas (Álcool e cigarro) são mais deletérias para saúde coletiva do que a própria maconha, contudo  não se cogita a proibição do consumo. Segundo esse raciocínio, apesar de haver uma queda significativa nos últimos anos, o Cigarro figurou por muitos anos dentre as drogas mais consumidas, igualmente ao álcool, a questão é, diante dos malefícios dessas drogas licitas será que há em verdade interesse na proteção da saúde público.

Feito o cotejo dos elementos epidemiológicos, disponibilizados pela SENAD (orgão público) é possível afirmar que as drogas atualmente licitas são mais deletérias à saúde coletiva e decorre disso marcante incongruência no sistema de disseminação da atual “guerra às drogas”.  A tese defendida por este signatário, apresenta-se agasalhada pela melhor doutrina, há de se notar o posicionamento do STF, em  total corroboração ao acima expendido, que preconiza, de rigor as preocupações com a saúde pública, principal objetivo do controle de drogas, assume posição secundária em relação às políticas de segurança pública e à aplicação da lei penal, ainda, conforme pontifício de Min. Barroso:

“a criminalização de condutas relacionadas ao consumo promove a exclusão e a marginalização dos usuários, dificultando o acesso a tratamentos” evidentemente em razão do estigma construído a qual foi alinhavado no tópico retro. Como bem assinalou o antropólogo Rubem César Fernandes, diretor do Viva Rio citado no voto de Min. Barroso: “O fato de o consumo de drogas ser criminalizado aproxima a população jovem do mundo do crime”.[10] 


À vista de tais e tantas circunstâncias, resta acompanhar piamente a constatação exposta pelo eminente Ministro Barroso, vez que a via proibicionista proporciona alto custo para coletividade, bem como o aumento de indivíduos no sistema carcerário e violência decorrente da discriminação.

Consoante inserto no voto de Min. Barroso, em suma, não há dúvida de que:

““(…)O aumento do encarceramento por infrações relacionadas às drogas de 9% para 27% após vigência da atual lei de drogas, inclusive aproximadamente, 63% das mulheres que se encontram encarceradas o foram por delitos relacionados às drogas, assentado outrossim, que, 1 em cada 2 mulheres e 1 em cada 4 homens presos no país estão atrás das grades por tráfico de drogas.”[11]

          

​​​​​​​16. Populismo Penal e a incidência de iniquidades em saúde.

Acreditamos que de fato há um ranço cultural e paradigma construído fim de viabilizar o encarceramento sistêmico em massa de pobres e negros, tendo como instrumento operacional essa irracional  criminalização da posse de drogas para consumo pessoal.

Em suma, falece razão a manutenção de alguns tipos penais de mera conduta, dada a subjetividade e seletividade penal. Nesse  diapasão, além de inconstitucional, em verdade a  via proibicionista afasta a ideia de bem comum ou de proteção à saúde coletiva, em especial, proíbe a luta pela vida e fere a dignidade da pessoa humana, daqueles que buscam na extração de óleo da cannabis, amenizar os efeitos de enfermidades degenerativas.

De rigor inexiste tipicidade material na conduta do cidadão que busca superar doença por meio da utilização de planta medicinal, e disso decorre que a manter criminalização é ato absolutamente inadequado ao Estado. 

A corroborar o exposto acima, insta transcrever o entendimento do renomado BARROS FILHO (BARROS FILHO apud MENDES VEIGA, 2020), repisando texto prefácio à 1ª edição de nossa obra Direito Penal do Inimigo, que preleciona, “ad litteram”: 

“(...) Para tanto, urge vitória sobre os vieses arbitrários da vontade bem como frente aos escapes temerosos da imaginação. Reconciliação com o mundo que cobra ajuste pleno com seus tempos e espaços (…) Abrir-se para o universo - em relação franca e genuína - cobra trocar os programas consagrados de existência pelo respeito encantado ao inédito, virginal e irrepetível. E tão agudo esforço só se revelará compensador pela angústia do desencontro. A fragilidade louca de viver dentro e fora. De estar sem estar. De atravessar a vida breve em quimera fosca de fuga covarde, na fissura rachada do que poderia ter sido” (BARROS FILHO, apud MENDES VEIGA, 2020, p.29). [12] (GN)


Enfim, nossa vivência nas funções de conciliador, advogado e procurador, nos fez crer piamente acerca da necessidade de disseminar essa ideia erigida por BARROS FILHO, pois:

“(...) “o homem se aproxima de Deus, no sentido de ser um pouco como ele, toda vez que pensa, usa a inteligência, articula ideias. Naturalmente que esta aproximação será ainda maior se o uso da razão for adequado, qualitativo, inteligente.” (BARROS FILHO, apud MENDES VEIGA, 2020, p.29) [13].


Os agentes públicos são formadores de opinião, consequentemente com papel impar e essencial nessa modernidade e sociedade tecnológica. À mesa, é evidente a capacidade (poder) de inspirar nova rapaziada para o engajamento de ações e novos movimentos. Portanto, é preciso trilhar para inspirar, outrossim, consoante semeou há tempos, Helen Keller: 

“(...) Somente sou um, mas sou um. Tudo não posso fazer, mas fazer algo, posso. Não me negarei a fazer o que posso fazer”  (KELLER, Helen, apud. GOMES 2017,). [14]


Finalizo esse tópico, estribando-se do pontifício de saudoso LFG (BOLEN,2014, apud GOMES,2017, P.15), o qual assevera:

“a conduta de uma espécie muda quando um número critico de seus indivíduos aprende a fazer algo novo (...) Quando uma massa crítica de pessoas adota algo novo, uma ideia ou um comportamento novo, eles se convergem em uma norma nova”. [15]


​​​​​​​17. Atipicidade material do uso medicinal da cannabis

Feito o cotejo de elementos, sobretudo aqueles careados na melhor doutrina e recente posição da suprema corte, questiono a deletéria manutenção da tipicidade da conduta de cultivo e extração de óleo medicinal da cannabis sativa, alinhado o fato, que são inúmeros os casos de pacientes cujo uso de remédios convencionais são inacessiveis, e, que, vislumbram no uso medicinal da Cannabis artesanal, a oportunidade de pugnar em terapia diante de quadro nada agradável.

Do ponto da ética e da moral, é incongruente admitir a ideia de tipicidade de conduta a qual o cidadão pugna por uma nova esperança, face de doenças com grau elevado de complexidade, ao passo que “as drogas legais” “de farmácia” se apresentam inacessiveis a maioria diante dos altos valores de importação.

Ora, creio que endossar à ideia de criminalizar alguém que busca tratamento e sobrevivência, além de inconstitucional é imoral. Pontifico que aquiescer piamente essa despicienda cláusula no pacto social, emporcalha e mácula o ofício daqueles empossados no dever constitucional de agir contra as injustiças sociais.

Enfim, avoco a função constitucional de Procurador de um ente federativo, para  refutar essa discrepância, consignando que em nosso modo de pensar há de fato atipicidade material do tipo penal que criminaliza a plantação e cultivo de cannabis para fim de tratamento médico.


​​​​​​​18. Eficiência e direito de usar cannabis medicinal

Nesse rumo, inúmeros são os artigos científicos especializados  em vários cantos do mundo, que atestam a eficácia de Cannabis medicinal ao tratamento de inúmeras  doenças graves, cito: diabetes, Aids, epilepsia refratária, demência, Parkinson, ansiedade, depressão, pânico, insônia, Câncer, dor crônica, doenças imunológicas dentre outras.

Todavia, incide o problema quando embora haja orientação médica para tratamento com a cannabis, a rigor os pacientes encontram pelejas burocráticas e entraves jurídicos, podendo inclusive ser presa a pessoa que cultive o necessário para produzir óleo terapêutico, o que viola direito constitucional à saúde.

Em outras palavras a pessoa pode ser conduzida ao cárcere pelo Estado em razão de buscar o tratamento, tudo isso em razão da omissão e inercia praticada pelas autoridades (União e Anvisa e câmara dos deputados que demora colocar em pauta votação de texto que regulamente essa questão).

Inclusive, temos que dizer que é um direito constitucional a saúde e à autonomia dos pacientes de doenças graves. Ora, em nossa carta política há princípios preceituados que estabelece a garantia do  direito à saúde.

Ocorre que, porém, diante de enfermidades graves, muitos acabam por não ter acesso ao tratamento convencional indicados pelos grandes laboratórios, e quiçá, esses pacientes os portadores de Parkinson, demência, convulsões refratárias, aguardam e um processo vegetativo, sem ter melhora e alguns casos marcados pela sensação de ineficácia à vista de medicamentos que produzem efeitos colaterais com resultados ínfimos. Inobstante a tudo, isso insurge inúmeros casos de pacientes que ao ser-lhes aplicadas doses do óleo da Cannabis, como tratamento alternativo (THC\Cannabidiol e outros canabinoides, têm se demonstrado profícuos resultados.


​​​​​​​19. Construção de jurisprudência

Além da recente manifestação parcial da Suprema Corte Brasileira, por meio de Min. Gilmar Mendes, Edson Faccin, em especial o Histórico voto proferido pelo Min. Luís Roberto Barroso, é todo oportuno assinalar que juízes de primeiro grau tem deferido salvo conduto em favor pacientes com orientação médica para uso de cannabis em tratamento.

Não é outra a fundamentação emitida na Justiça Federal do Rio Grande do Norte, em que houve a autorização (22/07\2020) para que uma mulher que sofre com graves crises de enxaqueca possa importar sementes, cultivar Cannabis e produzir o óleo que trata os efeitos da doença crônica.  Oportunamente, O MM. Juiz Francisco Eduardo Guimarães Farias, da 14ª Vara Federal da JFRN, Concedeu Liminar em HC a qual impede que as autoridades policiais adotem “qualquer medida voltada a cercear a liberdade de locomoção da paciente, por ocasião da importação de sementes, produção e cultivo do vegetal Cannabis sativa e Cannabis indica, com fins exclusivamente medicinais suficientes para cultivo de seis plantas”.

Em notável decisão o eminente magistrado também autorizou “o transporte dos vegetais in natura entre a residência da paciente e o Instituto do Cérebro da UFRN, para parametrização com testes laboratoriais com a finalidade de verificação da quantidade dos canabinoides presentes nas plantas cultivadas, qualidade e níveis seguros de utilização dos seus extratos”.  Embora R. decisão tenha sido exarada em juízo singular, entretanto é cristalina a tendência que se forma, e que está em completa assonância a tudo que foi exposto até aqui, agiu com acerto o Juiz Federal concedeu o profícuo remédio constitucional (HC) com espeque de que: “Proibição não é uma medida razoável”. O juiz federal alinhavou que a posologia indicada para o tratamento da paciente é de 8 em 8 horas. “Contudo, o preço do medicamento disponível nas farmácias brasileiras é superior a R$ 2 mil”. Nesse particular, é oportuno salientar fundamentação de r. decisão do juiz federal:

“Verifica-se que a proibição do cultivo destinado ao tratamento de moléstia, preceituado por um médico, não é medida razoável diante dos benefícios potenciais à saúde dos pacientes. Não se há de esquecer que a criminalização do uso de substância entorpecente significa punição da autolesão, o que não é razoável”, destacou o juiz Francisco Guimarães Farias.


No caso em tela, há que se destacar que  Exmo. Juiz Federal, bem observou que apesar de a ANVISA ter retirado a Cannabis de lista drogas proibidas, havia incoerência, vez que órgão autoriza apenas a importação dos medicamentos ou aquisição em farmácia. “Desse modo, a compra do óleo fica restrita a um público limitado, não possibilitando a todos o exercício do mesmo direito”, concluiu Juiz Federal.

           

​​​​​​​20. STF acena à regulamentação de cultivo da cannabis

A criminalização de posse para consumo pessoal se afigura completamente inadequada vez que se estriba em recru espeque de proteção da saúde pública. Todavia, em 2015 a Suprema Corte Brasileira foi invocada para se manifestar sobre o assunto, através de julgamento de um caso concreto na questão de porte de drogas para consumo pessoal. Votaram o Min. Gilmar Mendes. Min. Edson Fachin e o Min. Luís Roberto Barroso no recurso Extraordinário - RE 635.659. 

Conforme irrefragável voto do Min. Barroso:

 os resultados da atual política de combate as Droga têm sido pífios e aumento constante do consumo. Em suma, nos ensina que por ausência de lesividade a bem jurídico alheio, por inadequação, discutível sobretudo, pelo custo elevado em troca de benefícios irrelevantes, à criminalização não é a forma mais razoável e proporcional de se lidar com o problema.[16]


Nesse aspecto convirjo e aponho na integra ao voto do eminente Min. Barroso, confessando que torço para que os votos dos demais Ministros siga o mesmo raciocínio da profícua tendência global, outrossim, que nossa casa legislativa (câmara dos deputados) aprove com urgência o projeto de lei que tramita visando suprir lacuna existente no arcabouço legal vigente. 


​​​​​​​21. ALESP aprova PL que autoriza o fornecimento de  CBD pelo SUS

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, aprovou no último dia 21/12/2022, o projeto que visa garantir fornecimento gratuito pelo Sistema Único de Saúde, de medicamentos à base da cannabis.

Atualmente o medicamento só é concedido via decisão judicial com todo o desgaste da contenciosidade. Inobstante,  a ALESP avançou aprovando PL 1.180 / 2019, que visa institui a política Estadual de fornecimento gratuito do CBD (cannabidiol).

Nesse contexto, aludido projeto de lei 1180/2019, foi para apreciação do Governador Tarciso de Freitas, o qual sancionou LEI Nº 17.618, DE 31 DE JANEIRO DE 2023, Institui a política estadual de fornecimento gratuito de medicamentos formulados de derivado vegetal à base de cannabidiol, em associação com outras substâncias canabinoides, incluindo o tetrahidrocanabidiol, em caráter de excepcionalidade pelo Poder Executivo nas unidades de saúde pública estadual e privada conveniada ao Sistema Único de Saúde – SUS.

Nessa esteira, se faz mister assinalar que embora o Governador Tarciso de Freitas tenha sancionado o projeto, nada obstante, ocorre que, foi sancionado com inúmeros vetos, (vetados os artigos 3º, 4º, 6º, 7º, 8º e 9º) da propositura, asseverando o mandatário de São Paulo, que, a negativa de sanção integral ao projeto, não compromete os objetivos em que se fundamenta a lei em tela. 

Em razões do veto, o Governador de São Paulo destacou que se afigura sensível a realidade dos pacientes e familiares que encontram na terapêutica canábica derradeira via para tratamento de determinadas enfermidades, consoante o disposto no parágrafo único do artigo 5º, se compromete a urgente criação de grupo com o objetivo de apresentar proposta de regulamentação da lei acolhida parcialmente.  

Nessa quadra, com aprovação de LEI Nº 17.618/2023 a terra dos Bandeirantes deverá contemplar as hipóteses e o procedimento para o fornecimento de medicamentos e produtos à base de cannabis, para fins medicinais, como excepcional alternativa terapêutica, baseando-se nas melhores evidências científicas sobre o tema.

Em São Paulo existe luz no fim do túnel, e quiçá, à vista da LEI Nº 17.618/2023 se devidamente aplicada, há possibilidade de se reduzir enxurrada das ações judiciais, posto que os pacientes ora elencados poderão ter acesso ao CBD sem necessidade de requerer a tutela judicial.


​​​​​​​22. Recentes decisões no Tribunal de Justiça de São Paulo

O Judiciário Bandeirante vem reiteradamente decidindo a favor do direito constitucional à saúde pelos cidadãos. Ante despicienda ausência de regulamentação, partilho pesquisa granjeada em registros do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tal qual colhe-se que há inúmeras decisões assentes em nosso arcabouço jurisprudencial, demonstrando a higidez de teses alinhavadas aqui, veja-se:

TJ-SP PJE n.º 1001451-24.2022.8.26.0050

Classe/Assunto: Remessa Necessária Criminal/Perigo para a vida ou saúde de outrem

Relator(a): Sérgio Coelho

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 27/07/2022

Data de publicação: 27/07/2022

Ementa: Reexame necessário. Decisão concessiva de Habeas Corpus. Cultivo de Cannabis Sativa (maconha) para fins de extração de óleo medicinal. Pretendida expedição de salvo conduto em favor da recorrida, para impedir sua prisão em flagrante e apreensão das plantas pela prática, em tese, de delito da Lei de Drogas. Possibilidade. Excepcional necessidade da recorrida, que se vê acometida por inúmeras doenças, sendo o referido óleo recomendado por médicos face seus resultados efetivos. Alto custo do medicamento industrializado que é incompatível com a realidade financeira da recorrida, que também não logrou seu fornecimento pelo SUS. Capacidade técnica para extração doméstica do óleo demonstrada. Conduta que, dentro dos limites autorizados, não vulnera o bem juridicamente tutelado pela Lei nº 11.343/2006. Recurso oficial improvido.


TJ-SP PJE n.º 2129565-17.2022.8.26.0000

Classe/Assunto: Habeas Corpus Criminal/Fato Atípico

Relator(a): Jucimara Esther de Lima Bueno

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 14/07/2022

Data de publicação: 14/07/2022

Ementa: HABEAS CORPUS PREVENTIVO - Pretendida a concessão de salvo-conduto para a produção doméstica de cannabis sativa (maconha), para uso medicinal. Admissibilidade. Paciente com dores crônicas, sequela de acidente. Uso de cannabis sativa por prescrição médica. Autorizado o cultivo de 20 (vinte) mudas fêmeas, conforme requerido na inicial. Ficam as autoridades constituídas proibidas de procederem a prisão ou detenção do paciente pela produção da referida droga. O paciente deverá manter prescrição médica atualizada anualmente, a qual, em eventual abordagem policial, deverá ser exibida juntamente com o salvo-conduto. Ordem concedida."


TJ-SP PJE n.º 1000219-70.2022.8.26.0019

Classe/Assunto: Remessa Necessária Criminal/Posse de Drogas para Consumo Pessoal

Relator(a): Freddy Lourenço Ruiz Costa

Comarca: Americana

Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 14/05/2022

Data de publicação: 14/05/2022

Ementa: REMESSA NECESSÁRIA. Habeas Corpus. Salvo Conduto. Autorização para extração de óleo de canabidiol para tratamento de Câncer. Comprovada a necessidade do medicamento e a inviabilidade de sua importação. Ordem concedida em caráter personalissimo. Atendido o principio da dignidade da pessoa humana. Precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça. Manutenção da ordem concedida. Recurso ex-officio não provido.


TJ-SP PJE n.º 2294114-78.2021.8.26.0000

Classe/Assunto: Habeas Corpus Criminal/Posse de Drogas para Consumo Pessoal

Relator(a): Jayme Walmer de Freitas

Comarca: Campinas

Orgão julgador: 3° Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 17/05/2022

Data de publicação: 17/05/2022

Ementa: HABEAS CORPUS - PLEITO PARA QUE O PACIENTE SEJA BENEFICIADO COM SALVO-CONDUTO, VISANDO QUE AS AUTORIDADES ENCARREGADAS SEJAM IMPEDIDAS DE PROCEDER A PRISÃO E PERSECUÇÃO PENAL DO PACIENTE PELA PRODUÇÃO ARTESANAL E USO CONFORME PRESCRIÇÃO MÉDICA DE CANNABIS SATIVA, VEDANDO-SE, AINDA, A APREENSÃO OU DESTRUIÇÃO DAS PLANTAS EM QUESTÃO, CULTIVADAS PARA FINS DE TRATAMENTO MEDICO-ATESTADO MÉDICO JUNTADO AOS AUTOS QUE CONSTATA O RESULTADO TERAPEUTICO POSITIVO PARA O QUADRO CLINICO DO FILHO DO PACIENTE CONDUTA, TODAVIA PREVISTA COMO CRIME POSSÍVEL RISCO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO-NECESSARIA CONCESSÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS-ORDEM CONCEDIDA.


TJ-SP PJE n.º 0001065-15.2021.8.26.0642

Classe/Assunto: Recurso em Sentido Estrito / DIREITO PROCESSUAL PENAL

Relator(a): Sérgio Mazina Martins

Comarca: Ubatuba

Órgão julgador: 12 Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 22/02/2022

Data de publicação: 03/03/2022

Ementa: Recurso em sentido estrito. Tratamento medicinal. Salvo conduto. O âmbito de intervenção incriminador da Lei 11.343/06 não visa aqueles que, comprovadamente, precisam cultivar drogas para fins estritamente medicinais no combate de doenças próprias e peculiares, notadamente quando positivada a inexistência de risco algum à saúde pública.


TJ-SP PJE n.º 1000751-45.2021.8.26.0224

Classe/Assunto: Remessa Necessária Criminal/ DIREITO PROCESSUAL PENAL

Relator(a): Andrade Sampaio

Comarca: Guarulhos

Orgão julgador: 1ª Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 03/03/2022

Data de publicação: 03/03/2022

Ementa: Reexame necessário, Juízo a quo concedeu a ordem em Habeas Corpus preventivo para deferir a expedição de salvo conduto à paciente a fim de que possa cultivar 15 pés de maconha para extração de medicamento a seu filho portador de autismo severo e epilepsia. Possibilidade. Necessidade de uso do cannabidiol devidamente comprovada pelo laudo médico juntado aos autos. Existência de autorização da ANVISA para importação de remédio a base de cannabidiol de alto custo e que impede o seu acesso pela paciente. Precedentes dessa C. Câmara Criminal e desse E. Tribunal de Justiça. Decisão mantida em sede de reexame


TJ-SP PJE n.º 1018724-84.2020.8.26.0050

Classe/Assunto: Remessa Necessária Criminal/ DIREITO PROCESSUAL PENAL

Relator(a): Claúdia Fonseca Fanucchi

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 5 Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 02/12/2021

Data de publicação: 13/12/2021

Ementa: Reexame Necessário - Habeas corpus preventivo - Concessão de salvo-conduto em favor da paciente, para que não seja presa em decorrência do plantio, cultivo e produção artesanal de cannabis sativa em sua residência, para fins exclusivamente medicinais - Ordem concedida em caráter personalíssimo, fundamentada e ancorada em vasta documentação médica e na inviabilidade financeira da parte interessada de custear a importação da substância autorizada pela ANVISA, sobrepondo-se, ainda, em face das particularidades do caso concreto, a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde - Inexistência de regulamentação especifica acerca da matéria a justificar a excepcional intervenção do Poder Judiciário - Precedentes - Recurso de oficio desprovido.


TJ-SP PJE n.º 1007461-21.2021.8.26.0050

Classe/Assunto: Remessa Necessária Criminal/DIREITO PROCESSUAL PENAL

Relator(a): Osni Pereira

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 16 Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 06/10/2021

Data de publicação: 05/10/2021

Ementa: REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL Cultivo de Cannabis Sativa ("maconha") para fins estritamente medicinais - Expedição de salvo-conduto para que, livres do risco de prisão, os pacientes (que são responsáveis pela saúde e bem-estar da idosa Maria Izilda Rodrigues da Silva) possam semear e cultivar, na residência desta, a referida planta, cujo óleo dela extraído se revela eficaz aos fins medicinais de que Maria Izílda necessita para o tratamento das enfermidades que a acometem [Neoplasia Maligna de Cólon (CID10-C18.9), ESTÁGIO III, em tratamento paliativo e com Insônia Severa (CID10 F51.0) e Inapetência (CID10 R63.3) - Cabimento - Indicação médica para uso da substância, com autorização, inclusive, de importação do produto pela ANVISA-Decisão de caráter personalíssimo que fixou a quantidade máxima de plantas a serem cultivadas [30 (trinta) em floração] e estabeleceu prazo de 06 (seis) meses para que os pacientes apresentem relatório médico atualizado da idosa a quem a medicação é destinada e que contenha a expressa indicação da necessidade de continuação do tratamento, a fim de obter a renovação do salvo- conduto - Precedentes do TJSP em casos análogos - Salvo-conduto corretamente concedido - RECURSO IMPROVIDO.


TJ-SP PJE HC n.º 0011944-38.2019.8.26.0000

Classe/Assunto: Remessa Necessária Criminal/DIREITO PROCESSUAL PENAL

Relator(a): Des. Nelson Fonseca Junior

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 11 Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 09/19/2019

EMENTA: Habeas corpus - CULTIVO MEDICINAL DA CANNABIS SATIVA L (maconha) - pretensão de expedição de salvo-conduto ao paciente a fim de garantir que ele efetue o plantio de "Cannabis Sativa" em sua residência para a extração artesanal do óleo da planta que se mostra eficaz aos fins medicinais que necessita, livre do risco de prisão- Liminar deferida-Indicação médica para uso da substancia com autorização, inclusive, de importação do produto pela ANVISA - Ordem concedida.


TJ-SP PJE HC n.º 1000732-94.2018.8.26.0563

Classe/Assunto: Remessa Necessária Criminal

Relator(a): Des. Luiz Fernando Vaggione

Comarca: São Bento do Sapucaí

Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 29/16/2020

EMENTA:  REEXAME NECESSÁRIO. Cultivo medicinal de Cannabis Sativa L (maconha). Pleito de salvo-conduto aos pacientes a fim garantir o plantio artesanal, em suas residências, para fins medicinais, livre de risco de prisão. Admissibilidade. Necessidade comprovada por indicação médica para uso de medicamentos à base de Cannabis sativa com autorização de importação do produto pela ANVISA. Nega-se provimento ao reexame necessário.


TJ-SP PJE HC n.º 2053254-53.2020.8.26.0000

Classe/Assunto: Remessa Necessária Criminal

Relator(a): Des. Laerte Marrone.

Comarca: Campinas

Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 17/06/2020

EMENTA: Concederam a ordem, para ratificar a liminar concedida e autorizar aos pacientes o cultivo domiciliar de Cannabis Sativa única e exclusivamente para o tratamento medicinal de seus filhos Arthur e Otávio, nos termos de suas prescrições médicas, vedando-se sua apreensão enquanto medida de persecução penal. Determinaram a expedição de salvo-conduto. V.U, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão


​​​​​​​23. Com o deletério populismo penal incide iniquidades na saúde

Muito se fala da necessidade de se criar novas leis penais para combater à criminalidade, como por exemplo: pena de morte, prisão perpétua, redução da maioridade penal, liberação geral do porte de arma, endurecimento ao tráfico de drogas e tantas outras. Essas manifestações insurgem no senso comum, nas diversas plataformas de interações digitais, redes sociais, funcionando como uma alienação sistémica, sem qualquer embasamento.

Nesse contexto, vivenciamos um quadro nada agradável, vez que alguns tipos além de eleitos por meio da seletividade penal, são definidos pela cleptocracia administrada por plutodelinquentes, onde a “res publica” fica em segundo plano. Recobertos com um manto de névoas, a nação Brasileira esteve sob a gestão de boçais desqualificados, despiciendos e verdadeiro signo da barbaria.

Tudo ponderado, emergem ponderações concernente a tangencia entre o poder de punir estatal muitas vezes legítimo, e direitos individuais não menos legítimos e inolvidáveis (BARROS FILHO, apud MENDES VEIGA, 2020, p.29) [17].

Ensejo, nosso ordenamento é marcado pelo primado da constituição sobre os demais instrumentos normativos, inobstante, devido aos princípios do Estado democrático de direito, a teoria constitucionalista do direito penal constitui, sem dúvida forte ferramenta para a  limitação do poder punitivista do Estado, também chamado de populismo penal.  

Nesse diapasão, a liberdade do cidadão é um bem jurídico de extrema importância, portanto só pode ser obstada nas situações em que o agente, de fato, venha causar  lesão a um bem jurídico de igual relevância. Disso decorre, que a responsabilização penal deve incidir escudada em preceitos constitucionais.

Hoje no Brasil, são inumeras situações de total desrespeito aos direitos e garantias fundamentais face de pequenos fatos, e, que, não chegam a causar danos à bens juridicamente protegidos.

É sobremodo importante assinalar que a definição de crime trazida pela teoria constitucionalista do delito, surge, então, como um  deslinde mais adequado para um estado democrático de direito, pois entre outras teorias é a que apresenta a maior razoabilidade.

À guisa de exemplificação, urge esclarecer que não se pode definir como delito, qualquer conduta que o legislador queira criminalizar, ou seja, o etiquetamento de um delito como tal, não pode se originar de um ato vazio e arbitrário, isso se afigura como afronta grave à função garantista do direito penal, assim sendo, se faz mister que a norma penal busque efetiva proteção de bens tidos como essenciais.

Nessa quadra, para a existência do crime não basta a simples adequação do fato à norma, da desobediência dos enunciados, é necessário também a violação concreta do bem protegido.

Seria temerário dizer que a magna carta não tenha o condão de frear eventuais abusos de governantes autoritários. É bem verdade que a teoria constitucional do delito, é o limite da barbaria e do gestor desprovido de escrúpulos, sobretudo, essa teoria refuta os excessos dos poderes punitivista do estado ou populismo penal que deve ser limitado.

Com efeito, a teoria constitucional do delito deve  prevalecer à luz da axiologia juridica e da justiça comutativa. Feito o cotejo de tais elementos, inadequado seria esquecer que o estado age de modo evasivo, quando através do direito penal, submete seus cidadãos a esse imbróglio jurídico (inércia na aprovação do projeto de lei 399/2015), especialmente, aos pacientes, os quais com mister orientação de um médico, oportunamente buscam tratamento estribando-se no uso terapêutico da cannabis sativa.

Ressalte-se que, mercê de translucida base teórica à mesa, o direito penal na condição de controlador social, deve incidir quão somente nos casos mais necessários, onde os outros ramos do direito são incapazes de atuar, e, pensar em sentido diverso, com isso abriríamos espaço para o desequilíbrio sistémico da ordem constitucional, ao populismo penal e o descalabro da barbaria.  


​​​​​​​24. O Populismo penal trava a regulamentação do uso medicinal da cannabis

Feito o cotejo de elementos careados na teoria constitucional do delito, nas recentes manifestações dos tribunais superiores (STJ /STF), e, precedentes que vem sendo construindo na jurisprudência pátria, de rigor a inconstitucionalidade da criminalização do plantio, cultivo doméstico da cannabis para uso medicinal, (crime de mera conduta ou de perigo abstrato), consubstanciada em inconteste atipicidade material.

Degustada nossa constituição federal sob o prisma unificador vinculante de pétreas cláusulas, que cobra-se expressa e implícita, conquistas de metas e de objetivos, visando tutelar o direito ao bem-estar de gerações presentes e futuras, principalmente, o direito à saúde que é um direito de todos e um dever do Estado, com o acesso universal, igualitário, com ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação de todos.

Há de fato despicienda inércia e lacuna, esquadrinháveis no imbróglio jurídico e demora na aprovação do projeto de lei 399/2015, outrossim, de outra banda,  existe profícuo compasso extraídos de indicadores científicos  confiáveis, tal qual reafirma-se que razão não assiste à criminalização das condutas elencados por este signatário com paciência beneditina.

Deflui-se de despicienda lacuna normativa da ANVISA, de maneira inolvidável o comportamento doloso daqueles que nada ou pouco fazem para dirimir questão, à vista de interesses privados que tentam desvirtuar a vontade do legislador constitucional.

Questiono, ora,  por que não estimular de oficio aplicação dos precedentes que já vem sendo construído em nossa jurisprudência? Deve o cidadão movimentar toda máquina judiciária para que se obtenham o salvo conduto? Qual a razão da demora para aprovar o projeto de lei n.º 399/2015? Será que existe outros interesses para justificar demora em regulamentação? 

Deve-se devotar zelo ao deslinde coletivo do tema, nada obstante, já nos aproximando do exaurimento desta 2ª edição, tomo a liberdade de gizar reflexões tecidas por Talli e Montoro:  

“Há três reações da pessoa humana numa comunidade: acomodar-se, incomodar, incomodar-se.(…) grandes males da humanidade não vieram das comissões, mas das omissões  (...)Daí a suprema dignidade do trabalho humano. (…)Qualquer que seja o trabalho, qualquer que seja a profissão, pois, não há trabalho que não seja uma atividade conjunta com Deus. Sempre!” (Renato Lárcio Talli) [18]   (GN)


Em outro giro, consoante lição de André Franco Montoro:

O jurista está trabalhando, permanentemente para dar a cada homem o que lhe é devido: “Suum cuique tribuere”. Está defendendo, assim, aquele núcleo interior consciente e livre, e que é fonte das fontes de todo o direito a pessoa humana. Ao lado dos técnicos da cibernética, da Economia, da Administração e dos demais setores, os homens do direito têm a missão insubstituível de fazer com que o desenvolvimento da sociedade se processe em termos de justiça, isto é, de contribuir para que cada homem seja assegurado o respeito aos direitos que lhe são devidos. ” (André Franco Montoro) [19]  (GN)


​​​​​​​25. Conclusões sobre efeitos do populismo penal nas iniquidades em saúde

Nesse diapasão, tudo ponderado, emergem as seguintes considerações. 

Estribo-me nas prerrogativas constitucionais de um procurador de Ente Público (art.37, XXII e art. 132 da C.F.),  para salientar que o exercício da função pública, por si só, não coonesta uma prática arbitraria.

Inobstante, ante lacuna na regulamentação de produção domiciliar de remédio derivado de cannabis sativa, reputo um dever da função dos agentes públicos vinculados aos entes federativos, imiscuir-se com ações favoráveis a esses cidadãos, que buscam na continuidade de tratamento, amenizar quadro nada agradável, mercê de inequívocos pronunciamentos do STF e STJ e jurisprudência que vêm se consolidando. 

Inolvidável que nosso ordenamento é marcado pelo primado da constituição em relação aos demais instrumentos, tal qual é inexoravelmente robusta a indiscrepância de nossa magna carta, relativo ao direito a saúde pelos cidadãos e obrigação do Estado zelar pela sua observância.

Conforme cediço e deletério, é inconteste à violação ao direito de cidadãos que buscam tratamento com uso da cannabis sativa, não havendo na criminalização, qualquer guarida vez que abarcada pela atipicidade material.

Trocando em miúdos, impende imiscuir-se, inculcar, gozar do fenômeno da globalização para erigir essa reflexão acerca de despicienda hipocrisia farisaica (TICÃO apud MENDES VEIGA,2020)[20], de velada incidencia de um direito penal do inimigo à determinados indivíduos mais abastados, mas principalmente, da necessidade de se reestabelecer justiça comutativa, salientando o inolvidável direito à saúde esculpido em Constituição Federal.

O mérito nessa quadra nem é tanto de estar à frente de nosso tempo, mas sim de analisar o problema e sua resolução pragmática. Obtempero pela necessidade de se rever convicções sobre uso medicinal de cannabis sativa.

Ora, enquanto cediço o patrulhamento ideológico ― ou será medo? Ou será “fanatismo de aloprados” ? ― não for superado, nada mudará ao deslinde profícuo da questão.

Consideradas circunstâncias detidas, aliado ao inescusável dever de se imiscuir, de fato, aqui estamos tratando de governança pública,  razoabilidade, equidade nos serviços de saúde, de axiologia jurídica, mas, principalmente da essência de justiça comutativa.

No epilogo, sobre deletério etiquetamento de seres humanos, notadamente recobertas por um manto de névoas da seletividade penal, em remate  ― renovo como alinhavado alhures ― penso que se faz mister profligar o proibicionismo e a hipocrisia farisaica erigida pelo populismo penal, os quais, nada de útil proporciona à saúde coletiva, e, que, de outra banda, além de proporcional iniquidades em saude, quão somente enseja inolvidável e despiciendo favorecimento às indústrias farmacêuticas e grandes laboratórios.




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VOLTAIRE, François-Marie Arouet, tradução de BENEDETTI, Ivone Castilho O PREÇO DA JUSTIÇA, São Paulo, Editora Martins Fonte, 2006.

ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal  Brasileiro – Parte Geral. 5. ed. São Paulo/SP: Revista dos Tribunais, 2004.



[1] Dr. Hélio Silva de Vasconcelos Mendes Veiga, Graduado em Ciência Jurídicas e Sociais, Pós Graduado em Direito Público na Faculdade Damásio de Jesus (FDDJ), possuí Especialização em Direito Internacional e Direito Penal Especial, Parecerista, atualmente é  Procurador no Município de Mogi Guaçu - SP, escritor Brasileiro com inúmeras obras publicadas, em 2020 suas práticas foram selecionadas no 17ª Prêmio INNOVARE. – LATTES CNPQ: http://lattes.cnpq.br/1106107571466690

[2]Zaffaroni, Eugenio Raul. MANUAL DE DIREITO PENAL BRASILEIRO– 5ª Edição Revisada e Atualizada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004 pagina. 446

[3]Zaffaroni, Eugenio Raul. Op. Cit. P. 447

[4]Zaffaroni, Eugenio Raul. Op. Cit. P. 447.

[5]GOMES, Patrick Mariano. Discursos sobre a ordem: uma análise do discurso do Supremo Tribunal Federal nas decisões de prisão para garantia da ordem pública. 2013. 210 fl.., Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.  P. 134.

[6] BARROS FILHO, Clóvis, KARNAL, Leandro.  FELICIDADE OU MORTE, 1 ª Edição – Campinas- SP: Editora Papiro 7 Mares, 2016 P.51-52

[7] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – VOTO DE MINISTRO LUIS ROBERTO BARROSO  Julgamento do Recurso Especial RE n. º635.659

[8] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – VOTO DE MINISTRO LUIS ROBERTO BARROSO  Julgamento do Recurso Especial RE n. º635.659.

[9] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – VOTO DE MINISTRO LUIS ROBERTO BARRODO  Julgamento do Recurso Especial RE n. º635.659

[10] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – VOTO DE MINISTRO LUIS ROBERTO BARRODO  Julgamento do Recurso Especial RE n. º635.659

[11] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – VOTO DE MINISTRO LUIS ROBERTO BARRODO  Julgamento do Recurso Especial RE n. º635.659

[12] MENDES VEIGA, Hélio Mendes, DIREITO PENAL DO INIMIGO  INCONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE MERA CONDUTA, Editora Lisbon Press Internacional, 1ª Edição, Lisboa-PT, 2020, P.29

[13] MENDES VEIGA, Hélio,  Op. Cit., 2020. P.29

[14] GOMES, Luís Flávio, O JOGO SUJO DA CORRUPÇÃO, EDITORA ASTRAL CULTURA, BAURU, -SP 2017, P.11

[15] GOMES, Luís Flávio, O JOGO SUJO DA CORRUPÇÃO, EDITORA ASTRAL CULTURA, BAURU, -SP 2017, PAG.15  

[16] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – VOTO DE MINISTRO LUIS ROBERTO BARROSO  Julgamento do Recurso Especial RE n. º635.659

[17] MENDES VEIGA, Helio, DIREITO PENAL DO IMIMIGO, Op. Cit., p. 29. 

[18]TALLI, Renato Laércio, Op. Cit. 2001, pag. 83.

[19] MONTORO, André Franco, FILOSOFIA DO DIREITO,  Op. Cit. PAG.103  

[20] MENDES VEIGA, Helio, DIREITO PENAL DO IMIMIGO Op. Cit., pag. 53. 



As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Helio Mendes Veiga

Nascido na capital paulista onde cresceu e formou suas raízes • Atuou como conciliador e Perito no Tribunal de Justiça do Estado e São Paulo • Formado em ciências jurídicas e sociais •Concluiu Pós graduação em Direito público na FDDJ • Direito Penal e Direito internacional na UNISAL • Tornou-se especialista em educação pela UBC • Atualmente é Procurador no Município de Mogi Guaçu • Escritor • Autor com inúmeras publicações • Em 2017 publicou a Obra Conciliação Bônus de Uma Justiça Célere e Eficaz e em 2020 lançou a 1ª edição do livro Direito Penal do Inimigo • Suas práticas em Procuradoria foram reconhecidas na 17ª edição do PRÊMIO INNOVARE em 2020• Foi conferencista in World Mediation Forum –2022 in Lisboa.


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