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Criptoativos e sua mineração.

A disrupção nos meios produtivos


Por Andréa Silva Rasga Ueda em 02/09/2019 | Aperfeiçoamento Profissional | Comentários: 0

Criptoativos e sua mineração.

 

CVM

Foi divulgado no site do Banco Central do Brasil[1] que: "o Comitê de Estatísticas de Balanço de Pagamentos”, que é o “órgão consultivo sobre metodologia das estatísticas do setor externo ao Departamento de Estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI), recomendou classificar a compra e venda de criptoativos”, com destaque para “aqueles para os quais não há emissor, como ativos não-financeiros produzidos”, na medida em que a atividade de mineração é tratada com uma cadeia de produção de uma mercadoria ou um bem com valor econômico, no contexto macroeconômico.

Com isso, os criptoativos, que são um ativo que mescla propriedade monetária, mercadoria e ativo intangível passarão a integrar a conta de bens do balanço de pagamentos.

A recomendação foi formalizada no texto Treatment of Crypto Assets in Macroeconomic Statistics[2] (“Paper”) no qual, dentre outras conclusões, indicam que as negociações com tal ativo devem ser monitoradas de perto, sendo que todas as condições e análises que estão em tal documento (e, por óbvio, outras tantas que venham a ser lançadas) deverão ser revistas no futuro, sempre que as condições sobre as quais as mesmas foram emitidas tenham sido alteradas.

Fica ratificado, ainda, que, ainda após a elaboração de tal documento, sequer o próprio International Accounting Standards Board (IASB) conseguirá ter conferido um tratamento contábil a tal ativo e, portanto, ainda não existe um conceito internacional padrão e não há harmonia regulatória a respeito.

O reflexo que o Banco Central evidencia por conta dessa declaração ou desse relatório é que, “por serem digitais, os criptoativos não possuem registro aduaneiro, mas as compras e vendas por residentes no Brasil implicam a celebração de contratos de câmbio”, sendo que “as estatísticas de exportação e importação de bens passam a incluir [portanto] as compras e vendas de criptoativos”. E como “o Brasil tem sido importador líquido de criptoativos”, tal fato “tem contribuído para reduzir o superávit comercial na conta de bens do balanço de pagamentos".

As novas ferramentas do mundo digital foram criadas justamente para darem maior flexibilidade aos negócios, assim, as tentativas de as enquadrarem em conceitos regulatórios ou legais predefinidos, certamente as danificará e fará com que percam o sentido real e eficaz de sua criação algorítmica. Não podemos encaixar um hexágono num compartimento quadrado sem que as pontas ou arestas sejam danificadas. É isso que se quer fazer com os criptoativos ao se tentar enquadrá-los nos modelos legais atualmente vigentes.

Não há ainda categorização pronta, pré-definida para os criptoativos, pois correspondem a uma ferramenta disruptiva que deve, sim, receber regulação, ainda que mínima, para que existam as seguranças econômica e jurídica nas transações nas quais estejam envolvidos, mas que deverá ser criada e trabalhada com cautela e muitas sugestões e ajustada aos novos tempos e aos novos casos.

Nesse aspecto, as atividades que se propõem a atuar no formato de sandbox regulatório se encaixam perfeitamente nas necessidades surgidas da criação e aplicabilidade dos criptoativos, na exata medida em que permitem, num ambiente criativo, de testes e pivotagens, de erros e acertos, que se alcancem as regulações aplicáveis, sem se corromper o seu formato e o seu conteúdo inovadores.

Os criptoativos são ferramentais usados em novas modelagens de negócio, que contêm inovações tecnológicas e visam a trazer desenvolvimentos aos mercados e benefícios para os clientes, os investidores e as demais partes interessadas e envolvidas em tais cadeias produtivas. Por detrás disso tudo há o interesse em facilitar o comércio, agilizar os negócios, ampliar o grau de confiança entre as partes e reduzir custos de tempo e dinheiro. A ideia é a agilidade.

Assim, na esteira de buscar encontrar os melhores e mais ajustados caminhos regulatórios, temos o exemplo da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), que lançou uma Audiência Pública SDM nº 05/19 (”AP”)[3], com prazo de apresentações de sugestões e comentários até 27.09.2019, e cujo objeto é a discussão de uma minuta de instrução que dispõe sobre as regras para constituição e funcionamento de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório), justamente com vistas a que essa autarquia possa emitir autorizações temporárias para pessoas jurídicas que estejam desenvolvendo negócios inovadores “em atividades regulamentadas no mercado de valores mobiliários” e que, portanto, exigem que os testes sejam feitos com segurança.

Por meio desses testes em ambiência controlada e observada de perto pelo próprio regulador, na qual os empreendedores têm espaço para o exercício e o desenvolvimento pleno de suas atividades disruptivas, testando, desenhando e ajustando as modelagens negociais, é que se poderá avaliar e testar se a regulação existente é aplicável ou se necessária sua adequação aos novos casos, alcançando, assim, uma redução na incerteza regulatória e a inclusão de novos negócios financeiros e de valor .

Por meio do sandbox regulatório, portanto, a CVM poderá avaliar se um determinado criptoativo, a ser usado por um novo negócio, se enquadrará como algo que realmente ainda não seja oferecido no mercado de valores mobiliários, ou, já existente, mas que venha a promover ganhos de eficiência, e/ou redução de custos e/ou ampliação do acesso do público em geral a produtos ou serviços do mercado de valores mobiliários tende.

Assim, poderão existir criptoativos que, sob a configuração de assets tokens(dentro do gênero de digital tokens), representem valores mobiliários dentro da cadeia produtiva de um determinado novo negócio e que, dessa forma, passarão a ser regulados pela CVM, quer pela modelagem regulatória existente quer por outra que tenha que ser criada, a depender das inovações que venham atreladas.

É certo que a instrução normativa nº 1888, de 03.05.2019, da Receia Federal do Brasil (“RFB”)[4], em seu art. 5º, conceituou o criptoativo, para fins de disciplinar a obrigatoriedade na prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos, como sendo a “representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

Apesar de o próprio Paper do FMI deixar evidenciado que ainda não existe convergência de conceitos sobre os criptoativos, o que importa é que, no Brasil, já existem indícios de que os mesmos são bens ou ativos e, como tais, poderão ser configurados como valores mobiliários a depender dos negócios em que estiverem envolvidos e, por isso, tão relevante a iniciativa da CVM com a sua Audiência Pública, de modo a preservar o avanço da criação de novos modelos de negócios relacionados a valores mobiliários, sem que os seus empreendedores caiam em uma armadilha regulatória por desconhecimento ou por ausência de linhas de conduta predefinidas.

O uso dos criptoativos é ferramenta importante e imprescindível frente as mudanças sociais, econômicas e negociais céleres e, ante as novidades que carrega, e, portanto, não pode ser usado dentro das modelagens legais e regulatórias pré-existentes sem que se façam testes de aplicação e adaptabilidade, sob pena de algo que nasceu para revolucionar e alavancar negócios de forma ágil e lastreada na confiança acabar sendo esmagado e comprimido em padrões não aplicáveis, perdendo as características da disruptividade no seu propósito.

 


 

Notas:

[1] Disponível em <https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticassetorexterno>. Acesso em 27.08.2019.

[2] Disponível em https://www.imf.org/external/pubs/ft/bop/2019/pdf/Clarification0422.pdf. Acesso em: 27.08.2019.

[3] Disponível em <http://www.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2019/sdm0519.html>. Acesso em: 30.08.2019.

[4] Disponível em <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/instrucao-normativa-rfb-1888-2019.htm>. Acesso em: 30.08.2019.

 


 

*Originalmente publicado no site do Jus Brasil, em 01.09.2019. Disponível em <https://andreaueda.jusbrasil.com.br/artigos/751028467/criptoativos-e-sua-mineracao?ref=feed>

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Andréa Silva Rasga Ueda

Bacharel (1993), Mestre em Direito Civil (2009) e Doutora em Direito Civil (2015), todas pela USP, atuando como advogada desde 1994, tendo atuado até 2006 em escritórios próprio e de terceiros (médio e grande portes), com grande experiência no consultivo e contencioso civil (especialmente em contratos), comercial, societário (elaboração de atos societários de Ltdas. e S.As, de capital aberto e fechado; participação em M&A, IPOs, Private Placement), bem como em transações imobiliárias e questões envolvendo mercado de capitais e compliance. De 2007 até 2018 criei e gerenciei departamentos jurídicos de empresas nacionais e transnacionais. Atualmente atuo como consultora jurídica corporativa e como diretora jurídica na startup de geração distribuída Sunalizer, com atuação nacional e internacional. Forte experiência no regulatório de energia e GD, de 2007 a 2012 e 2018-atualmente, de mercado de capitais e de construção de torres para suporte às antenas de empresas de telecomunicações (desde 2013). Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA-SP), entre 2001 e 2002, na matéria de Prática em Processo Civil, bem como assistente de professor na matéria Direito Privado I e II, na Faculdade de Direito da USP, durante o ano de 2007. Especializações: Consultivo civil/empresarial (Contratos) e societário; M&A e atuação em estruturações de operações financeiras; mercado de capitais; regulatório de energia e telecomunicações. Meu site é: deaalex.wordpress.com. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/6450080476147839


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