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Marés de mudanças como tsunamis legislativos em prol da desburocratização e do empreendedorismo


Por Andréa Silva Rasga Ueda em 23/07/2019 | Advocacia | Comentários: 0

Marés de mudanças como tsunamis legislativos em prol da desburocratização e do empreendedorismo

 

Como já dito, os novos tempos de governo, seja para atender a promessas de campanha, seja para, efetiva e realmente, dar espaço para as economias empreendedoras e os novos negócios, têm se mostrado pródigos em trazer para o campo legislativo projetos de lei, consultas públicas para discussão de marcos legais ou propostas de rearranjo administrativo e setorial que se mostram recheados de ideias há tempos discutidas, relacionadas à redução de incidências fiscais, agilidade procedimental para o nascimento formal de sociedades que desempenhem atividades inovadoras e geradoras de renda e postos de trabalho, criação de novos formatos de sociedades (mais simplificadas e com vocacionadas ao desempenho de atividades que visam a atender aos novos empreendedores) ou, simplesmente, ajustes procedimentais.

Ocorre que na ânsia de inovar (sim, o governo entende como inovação temas que são debatidos há décadas), ainda que objetivos nobres (em especial jogar para dentro de uma economia formal milhares de pessoas que se encontram ou encontravam à margem da geração regular de renda e emprego), a profusão de criação de legislações e propostas legislativas, do dia para a noite (sejam PLs, MPs, Leis complementares e marcos regulatórios) pode e vai trazer muita confusão, e não apenas para os que atuam dando suporte na constituição dessas sociedades e na gestão administrativa, fiscal, contábil e jurídica das mesmas mas, antes de mais nada, no próprio empreendedor que, uma vez mais, terá que, obrigatoriamente, ter um suporte, desde o início, para entender a colcha legislativa de retalhos, para evitar cometer erros ou falhas que lhe causem eventual dor de cabeça.

E aqui, meus colegas advogados e administradores/empreendedores, de forma alguma estou dizendo que, ainda que em condições normais de pressão e temperatura, com uma ambiência legislativa natural, escorreita, com lógica sequencial e didática, que se interligue de forma ajustada, seria desnecessário o suporte desses profissionais das áreas financeira, contábil e jurídica para a formatação e a colocação em prática de novos modelos de corporações e negócios. De forma alguma! O empreendedor deve, sempre, se valer dessa mão amiga, sejam no formato de associações, investidores anjos, ou, mesmo, contratação de empresas de consultoria e aconselhamento.  

No entanto, apesar de amar e atuar com vocação e empenho na geração de novos negócios, e ser uma entusiasta da tecnologia que congrega inovação, agilidade e novos horizontes para toda a sociedade e economia de qualquer país, em especial o nosso, tão sobrecarregado de “burrocracias”, cedo àqueles que, em certa medida, pedem cautela: cautela não para inovar, empreender, desburocratizar mas, sim, para legislar, papel de grande relevância (talvez alguns julguem que não), pois, com uma legislação promulgada de forma atabalhoada, podemos gerar mais malefícios do que os benefícios que se propõe.

Aqui, com destaque, me refiro às mudanças que temos presenciado, nos últimos meses, simploriamente, desde a MP da liberdade econômica (881/2019),[1], que traz uma série de mudanças em corpos legislativos robustos (tais como o Código Civil, a lei de propriedade intelectual e a lei das sociedades anônimas), perpassando pela Consulta Pública para o Marco Legal de Startups e Empreendedorismo Inovador[2], aberta para que qualquer cidadão se manifeste até 23.06.2019 e que, dentre outros, traz proposta para mudança da tributação do SIMPLES para as startups, e chegando à promulgação da atual Lei Complementar 167, de 24.04.2019, esta dispondo sobre a Empresa Simples de Crédito (ESC) e alterando a Lei 9.613/1998 (que trata da Lavagem de Dinheiro), a Lei 9.249/1995 (que trata do IRPJ e da CSLL) e a Lei Complementar 123/2006 (Lei do Simples Nacional), disciplinando um novo regime fiscal para as Startups (Inova Simples)[3], criado na Seção II da referida Lei e conceituando Startup em seu §1º do art. 65-A[4].

Poderíamos ter aguardado um momento único para, por meio de um PL, a ser denominado de Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo, como está na CP, ou algo similar, compendiar todas as ideias esparsas que essas propostas traziam, de forma a, conjugando esforços da sociedade civil, dos legisladores e dos demais agentes públicos, criarmos algo realmente agregador para o momento atual do país, trazendo não apenas melhorias, agilidades e eficácia aos sistemas fiscais, processuais e societários mas, acima de tudo, trazendo mais paz e segurança jurídicas, que, por um viés ou outro, infelizmente, acabam sendo prejudicados em prol da ânsia legislativa.

O conceito legal de Startup (para o qual, num primeiro momento, fui contra a criação, pois a terminologia startup já traz uma carga significativa de empreendimento no nascedouro, seja ele qual for) agora está na LC 167/2019 e deverá ser realocado para o Marco Civil a se criar para essa modalidade de empreendimento. O mesmo se diga a respeito do regime tributário, que está na LC 167 e deverá ser replicado ou alterado, com as necessárias alterações legais aplicáveis.

Vamos parar essa sangria de legislações de todos os lados; se a “bola da vez” são as startups (merecidamente), ou empresas nascentes, vamos focar e realinhar essas legislações. Um excelente guia prático e feito por aqueles (empreendedores, investidores e juristas) que já atuam com empresas nascentes é o do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)[5], o qual já destaquei aqui porque é ilustrativo do que um excelente trabalho, didático e focado, pode fazer em prol da sociedade e da economia.

A própria proposta de lei nacional da liberdade econômica, que visa a reforma das bases jurídicas da regulação e de sua governança nos âmbitos municipal, estadual, distrital e federal, elaborada pelo Grupo Público da FGV Direito SP em conjunto com a Sociedade Brasileira de Direito Público - SBDP [6], é um grande exemplo de trabalho da sociedade civil e da academia, que andou em paralelo com o grupo que elaborou a MP da liberdade econômica, mas que não se falaram, mais uma vez, por conta da ânsia legislativa.

Ainda há tempo de revermos isso; ainda há tempo de não deixarmos que a sociedade sofra com baciadas legislativas sem conexão entre si.

Sabemos que o papel da Ordem dos Advogados do Brasil, por seu Conselho ou Seção Federal, não é de se imiscuir nos poderes legislativos dispostos na Constituição Federal, mas entendo que, na medida em que cuida de uma classe – advogados – que deve zelar pela proteção dos direitos de todos, deve se movimentar e se articular com outras tantas associações, com a academia e outras entidades similares, de maneira legítima e legal, de modo a, junto a um interlocutor público igualmente legítimo, criar organização e procedimentos para mudanças, via propostas legislativas, que se falem e criem segurança jurídica para a sociedade como um todo.

Enquanto isso, neste momento, nosso papel é de ajudar na unificação de conceitos, no alinhamento de entendimentos e na interpretação mais assertiva em prol dos empreendedores e da economia brasileira.

 

 

Notas:

[1] <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm>. Acesso em 02.06.2019. Está aguardando instalação da Comissão Mista -14/06/2019 em diante (Art. 9º da Res. 1/2002-CN combinado com o art. 62 da CF), conforme < https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/136531>. Acesso em 02.06.2019.

[2] <https://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/salaImprensa/noticias/arquivos/2019/05/Ministerio_da_Economia_e_MCTIC_abrem_consulta_publica_sobre_Marco_Legal_de_Startups.html>. Acesso em 02.06.2019.

[3] Art. 65-A. É criado o Inova Simples, regime especial simplificado que concede às iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem como startups ou empresas de inovação tratamento diferenciado com vistas a estimular sua criação, formalização, desenvolvimento e consolidação como agentes indutores de avanços tecnológicos e da geração de emprego e renda. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp167.htm>. Acesso em 02.06.2019.

[4] § 1º Para os fins desta Lei Complementar, considera-se startup a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva.<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp167.htm>. Acesso em 02.06.2019.

[5]<https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/24050/IBGC%20Segmentos%20-%20%20Governan%C3%A7a%20Corporativa%20para%20Startups%20&%20Scale-ups.pdf>. Acesso em 02.06.2019.

[6]<https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/proposta_de_lei_nacional_de_liberdade_economica_-_sbdp__fgv_direito_sp.pdf>. Acesso em 02.06.2019.

 

**Publicado originalmente na minha página no LinkedIn em 02.06.2019.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Andréa Silva Rasga Ueda

Bacharel (1993), Mestre em Direito Civil (2009) e Doutora em Direito Civil (2015), todas pela USP, atuando como advogada desde 1994, tendo atuado até 2006 em escritórios próprio e de terceiros (médio e grande portes), com grande experiência no consultivo e contencioso civil (especialmente em contratos), comercial, societário (elaboração de atos societários de Ltdas. e S.As, de capital aberto e fechado; participação em M&A, IPOs, Private Placement), bem como em transações imobiliárias e questões envolvendo mercado de capitais e compliance. De 2007 até 2018 criei e gerenciei departamentos jurídicos de empresas nacionais e transnacionais. Atualmente atuo como consultora jurídica corporativa e como diretora jurídica na startup de geração distribuída Sunalizer, com atuação nacional e internacional. Forte experiência no regulatório de energia e GD, de 2007 a 2012 e 2018-atualmente, de mercado de capitais e de construção de torres para suporte às antenas de empresas de telecomunicações (desde 2013). Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA-SP), entre 2001 e 2002, na matéria de Prática em Processo Civil, bem como assistente de professor na matéria Direito Privado I e II, na Faculdade de Direito da USP, durante o ano de 2007. Especializações: Consultivo civil/empresarial (Contratos) e societário; M&A e atuação em estruturações de operações financeiras; mercado de capitais; regulatório de energia e telecomunicações. Meu site é: deaalex.wordpress.com. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/6450080476147839


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