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A Responsabilidade de sócios e administradores nas startups


Por Andréa Silva Rasga Ueda em 07/08/2019 | Empresarial | Comentários: 0

A Responsabilidade de sócios e administradores nas startups

 

Analisando-se a Consulta Pública, aberta pelos Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o da Economia (ME) para discussões a respeito do Marco Legal de Startups e Empreendedorismo Inovador[1], para que qualquer cidadão se manifeste até 23.06.2019 (“CP”), particularmente a proposta de alteração legislativa nas Lei Complementar nº 123/06[2], com a alteração do §5º ao art. 9º, e Lei 11.598/07[3], com a introdução do §2º-A ao art. 7º, cuja justificativa é a de “afastar interpretações dúbias, reforçando-se o entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudência, na direção da excepcionalidade das hipóteses de responsabilização solidária de sócios e administradores”, uma vez mais o legislador cai em armadilhas redacionais criadas na ânsia de se fazer pretensas melhorias legais “indispensáveis”.

Para entender a confusão legislativa na proposta apresentada e a desnecessidade da sua sugestão, importante entendermos os atuais dispositivos legislativos para os quais se propõem as mudanças.

O caput do art. 9º da Lei Complementar 123/06 dispõe que “o registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão dos 3 (três)  âmbitos de governo ocorrerá independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem, sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos titulares, dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção.”.     

E o §5º desse dispositivo busca ressalvar que “a solicitação de baixa do empresário ou da pessoa jurídica importa responsabilidade solidária dos empresários, dos titulares, dos sócios e dos administradores no período da ocorrência dos respectivos fatos geradores.”.

Apesar de a proposta na CP supracitada justificar que há uma interpretação conflitante entre tais dispositivos, porque se faria uma equiparação das hipóteses de extinção regular de pessoa jurídica com débitos tributários em aberto às hipóteses de dissolução irregular de sociedade, atribuindo, em ambos os casos, a responsabilidade solidária entre a sociedade, os sócios e administradores, entendo que essa alegada dubiedade não existe.

Respaldo minha posição justamente nos já existentes artigos 134 e inciso III do 135 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25.10.1966), que o legislador proponente traz como sugestões de melhorias, nos quais resta evidenciado que, respectivamente: (i) os sócios responderão solidariamente com o contribuinte (no caso da Lei Complementar 123/06, o empresário individual ou o micro ou pequeno empresários, dentro dos tipos societários de sociedade empresária, sociedade simples, EIRELI ou empresário individual[4]) “nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis” e (ii) “os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado serão pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto” de tais contribuintes.

Na verdade, o que a Lei Complementar 123/06 fez nada mais foi de tentar trazer para esses contribuintes de pequeno porte a mesma responsabilização que o CTN já havia disposto há muito tempo, ainda que em época onde não se tinham empresários individuais ou micro e pequenas empresas legalmente reconhecidas.

Assim, empresário deve ser lido, nesse contexto, como o empresário individual, que se assemelha à sociedade ou contribuinte do art. 134 do CTN, e que responderá pelas obrigações fiscais, haja encerramento regular ou não. Já os sócios, ou titulares ou empresário num sentido mais amplo e menos técnico podem ser entendidos como sinônimos, e que responderão nas situações de irregularidades.

No que tange à figura dos administradores, estes responderão, nos termos do art. 135 do CTN, quando agirem com excesso de poderes ou em flagrante violação ao quanto pactuado no contrato social ou estatuto social (se sociedade empresária sob a forma de sociedade anônima, o que é, de fato, possível).

Apenas a título de complementação, o art. 1.016 do Código Civil ainda dispõe que “os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”, o que se aplica à sociedade simples, às empresárias limitadas e à EIRELI, no que aplicável, na medida em que para as sociedades anônimas, o administrador responderá “civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; ou com violação da lei ou do estatuto (art. 158 e incisos I e II, da Lei nº 6.404/76).

Relativamente à Lei 11.598/07, que instituiu o REDESIM e é aplicável a todos os empresários (leia-se, individuais) e quaisquer pessoas jurídicas, o art. 7º-A e seu § 2º têm redações idênticas às do caput do art. 9º e de seu §5º da Lei Complementar 123/06, motivo pelo qual, o quanto acima já analisado, em termos de responsabilidades, servem e igualmente se aplicam a tais dispositivos.

Apenas um ponto interessante de se ressaltar é que na proposta da CP supracitada o legislador se equivocou, pois ao invés de sugerir nova redação ao §2º do art. 7º-A sugeriu mudança no dispositivo errado, a saber, acrescer §2º-A ao art. 7º, que nada tem a ver com a responsabilidade do contribuinte, de seu sócio e administrador.

Bem, então, se o §5º do art. 9º Lei Complementar nº 123/06 , e o §2º do art. 7º-A da Lei 11.598/07 já bem se aplicam para os empresários individuais, as micro e pequenas empresas, sem necessidade de qualquer alteração e sem se falar em dubiedades, visto que lhes aplicam os dispositivos complementares interpretativos dos arts. 134 e 135 do CTN, qual o motivo de se querer fazer alterações em tais dois dispositivos legais para as startups? A única resposta é a ansiedade legiferante. Não há motivo jurídico algum.

Já escrevi sobre a desnecessidade de se constituir a Sociedade Anônima Simplificada para se albergar os projetos das startups, conforme proposta societária trazida na CP aberta, visto que os tipos societários existentes no nosso ordenamento jurídico já são suficientes. Se esse novo formato societário é despiciendo, mais ainda mudanças na legislação fiscal sobre responsabilização para as startups, sob qualquer dos tipos societários analisados, seus sócios e administradores.

Uma vez mais o legislador perde credibilidade ao querer tentar inovar, aproveitando a chamada onda “disruptiva” do mercado e da sociedade. Não precisa reescrever dispositivos legais já aplicáveis ainda que em diplomas distintos, pois, nessa situação, acaba gerando, sim, ruptura na normalidade legislativa, criando confusão e inocuidade e, com consequência, insegurança jurídica.

 

[1]Disponível em: <https://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/salaImprensa/noticias/arquivos/2019/05/Ministerio_da_Economia_e_MCTIC_abrem_consulta_publica_sobre_Marco_Legal_de_Startups.html>. Acesso em 02.06.2019.

[2] Dentre outras disposições, institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e o Simples Nacional. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp123.htm>. Acesso em 07.06.2019.

[3] Estabelece diretrizes e procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e de pessoas jurídicas, cria a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios - REDESIM; altera a Lei no 8.934, de 18 de novembro de 1994; revoga dispositivos do Decreto-Lei no 1.715, de 22 de novembro de 1979, e das Leis nos 7.711, de 22 de dezembro de 1988, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.212, de 24 de julho de 1991, e 8.906, de 4 de julho de 1994; e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11598.htm>. Acesso em 07.06.2019.

[4] Nos termos do art. 3º da Lei Complementar 123/06.

 

(Publicado originalmente no JusBrasil - https://andreaueda.jusbrasil.com.br/artigos/719479424/a-responsabilidade-de-socios-e-administradores-nas-startups?ref=topbar - em 10.06.2019.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Andréa Silva Rasga Ueda

Bacharel (1993), Mestre em Direito Civil (2009) e Doutora em Direito Civil (2015), todas pela USP, atuando como advogada desde 1994, tendo atuado até 2006 em escritórios próprio e de terceiros (médio e grande portes), com grande experiência no consultivo e contencioso civil (especialmente em contratos), comercial, societário (elaboração de atos societários de Ltdas. e S.As, de capital aberto e fechado; participação em M&A, IPOs, Private Placement), bem como em transações imobiliárias e questões envolvendo mercado de capitais e compliance. De 2007 até 2018 criei e gerenciei departamentos jurídicos de empresas nacionais e transnacionais. Atualmente atuo como consultora jurídica corporativa e como diretora jurídica na startup de geração distribuída Sunalizer, com atuação nacional e internacional. Forte experiência no regulatório de energia e GD, de 2007 a 2012 e 2018-atualmente, de mercado de capitais e de construção de torres para suporte às antenas de empresas de telecomunicações (desde 2013). Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA-SP), entre 2001 e 2002, na matéria de Prática em Processo Civil, bem como assistente de professor na matéria Direito Privado I e II, na Faculdade de Direito da USP, durante o ano de 2007. Especializações: Consultivo civil/empresarial (Contratos) e societário; M&A e atuação em estruturações de operações financeiras; mercado de capitais; regulatório de energia e telecomunicações. Meu site é: deaalex.wordpress.com. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/6450080476147839


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