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Instituto da desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC


Por Stephanie Barcelos em 05/11/2019 | Processo Civil | Comentários: 1

Instituto da desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC

A desconsideração da personalidade jurídica é um meio de repressão à frustração da atividade executiva, caracterizado pela decretação da inoponibilidade do limite patrimonial da pessoa jurídica.

Qual a importância da desconsideração da personalidade jurídica na ótica do Novo CPC

A pessoa jurídica é capaz de direitos e deveres, independentemente dos membros que a compõem. Em geral, seus componentes somente responderão por débitos dentro dos limites do capital social, salvaguardando, dessa maneira, o patrimônio individual de cada sócio. Contudo, há hipóteses em que o contrário também pode ocorrer: é o caso da desconsideração da personalidade jurídica.

A criação da personalidade jurídica acaba por isentar as pessoas físicas, responsáveis pela pessoa ficta, dos atos praticados em seu nome, dependendo, é claro, do tipo societário adotado.

Em regra, a responsabilidade dos sócios, no que tange às dívidas sociais, será sempre subsidiária. Assim sendo, primeiramente, será extinto o patrimônio da pessoa jurídica, e tão somente após seu exaurimento, é que os bens particulares do sócio começarão a ser atingidos.

Ademais, existem alguns casos, em que as pessoas jurídicas são operadas com o objetivo de cometer ilegalidades, vindo a causar danos a terceiros, e a pessoa jurídica é utilizada na tentativa de manter seus responsáveis supostamente protegidos, sem que possam ser responsabilizados patrimonialmente.

Nestes casos, será possível desconsiderar a personalidade jurídica para atingir o patrimônio dos sócios, que foram, na realidade, os verdadeiros causadores dos danos, ou seja, visando coibir os abusos praticados pelos responsáveis pela pessoa jurídica, nasce no direito, um novo instituto jurídico: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou teoria da penetração na pessoa física (disregard of the legal entity).

1. O que é a desconsideração da personalidade jurídica?

Quando utilizada a desconsideração da personalidade jurídica, então, será viável alcançar o patrimônio de seus responsáveis, que em verdade, praticaram os atos indevidos, e se fizeram valer da separação entre seu patrimônio e o da pessoa jurídica, para escapar das sanções patrimoniais que lhes seriam imputadas.

Nas sábias palavras de Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo, portanto:

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser conceituada como um meio de repressão à frustração da atividade executiva, caracterizado pela decretação da inoponibilidade (ineficácia relativa) do limite patrimonial da pessoa jurídica, permitindo que sejam atingidos os bens de seus sócios, ex-sócios, acionistas, ex-acionistas, administradores, ex-administradores e sociedades do mesmo grupo econômico; ou, ainda, que seja, atingidos os bens da pessoa jurídica por obrigações contraídas por eles, no caso da chamada “desconsideração inversa da personalidade jurídica. [1]

Quanto à pessoa física que terá o patrimônio atingido caso ocorra a desconsideração da personalidade jurídica, contudo, não existe no ordenamento pátrio, uma única previsão, cada um dos dispositivos que trata sobre o tema, dispõe de maneira distinta, quanto ao terceiro que terá seu patrimônio atingido.

2. Desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil, no CDC e na legislação em geral

O art. 50 do Código Civil de 2002 expressa que podem ser afetados os bens “particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica”. Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 28, dispõe apenas que as “sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas” e as “sociedades consorciadas”, nada informando, assim, quanto aos sócios ou administradores das sociedades.

Já o art. 14 da Lei Anticorrupção, prevê os “efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração”.

A Lei de Crimes Ambientais, por fim, não especifica quem poderá ser responsabilizado, prevendo tão somente que “Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.

2.1. Quem pode ser responsabilizado pelos atos da sociedade

Portanto, em uma interpretação geral dos dispositivos que sistematizam a desconsideração da personalidade jurídica na legislação brasileira, é possível concluir, que poderão ser responsabilizados:

  1. sócios com poderes de administração;
  2. administradores, como os prepostos, empregados, diretores, gerentes e representantes da sociedade; ou
  3. outras sociedades que integram o mesmo grupo econômico.

Ainda neste sentido, resta claro, que os atos que levaram à desconsideração da personalidade jurídica podem ter sido praticados por uma pessoa que já não mais figura no corpo da pessoa jurídica.

Caso isso ocorra, então, haverá a possibilidade de se atingir o patrimônio dos ex-sócios, ex-administradores, etc., bastando para tanto, que este tenha exercido significativo papel para a prática do ato lesivo.

Desse modo, não importa que o comando da pessoa jurídica foi transferido a outrem, haja vista que será responsabilizado aquele que veio a cometer o ato lesivo. Isso porque, a própria transferência da sociedade pode caracterizar uma fraude em si, a fim de evitar a punição do real responsável pelo ato.

2.2 Inexistência de bens penhoráveis

Outra hipótese será o caso em que o atual sócio não possui bens passíveis de penhora, mas o fato que gerou a desconsideração da personalidade jurídica tenha ocorrido antes da transferência das cotas ou ações para o atual sócio/administrador.

No caso de confusão patrimonial, pode haver também, a responsabilização da empresa pelas dívidas dos sócios, havendo, assim, a chamada desconsideração inversa ou invertida da personalidade jurídica.

Para Alexandre Flexa, Daniel Macedo e Fabrício Bastos:

Daí a chamada consideração da personalidade jurídica, ou seja, a responsabilidade por danos deve recair sobre a pessoa jurídica, nada obstante o fato causador do dano ter sido praticado por uma pessoa física, eis que esta agiu em nome daquela. No campo processual, propor ação judicial em face da pessoa física que praticou o ato acarretaria ilegitimidade passiva para a causa, por ser a pessoa jurídica a responsável e, consequentemente, a legitimada para o polo passivo da demanda. [2]

Cumpre ressaltar, que antes da vigência do Código de Processo Civil de 2015, não havia no Direito Brasileiro quanto ao procedimento a ser aplicado para a desconsideração da personalidade jurídica, não havendo sistematização legal para utilização do instituto jurídico em diversos ramos do Direito, lacuna que foi sanada com a vigência do atual código.

3. Requisitos da desconsideração da personalidade jurídica

No que tange aos requisitos a serem observados para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, nota-se que estes possuem previsão no campo do Direito Material, e, de forma acertada, o Novo CPC, dispõe que o pedido de desconsideração deverá observar os pressupostos previstos em lei.

São exemplos de artigos do direito material que preveem a aplicação do instituto, o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e o art. 50 do Código Civil de 2002.

O artigo da legislação consumerista orienta que será desconsiderada a personalidade jurídica nos casos em que houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, ou mesmo, na hipótese de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica que sejam provocados por má administração.

Já o artigo do Código Civil de 2002 prevê que pode haver a desconsideração da personalidade jurídica “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

3.1. Teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica

A melhor doutrina, no tocante à desconsideração da personalidade jurídica, esclarece que há duas teorias, a respeito do tema, que são a teoria maior e a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica.

Para a teoria maior, devem ser preenchidos dois requisitos, quais sejam: o abuso da personalidade jurídica e o prejuízo do credor, de certo que essa é a teoria adotada pelo Código Civil de 2002.

3.2. Teoria menos da desconsideração da personalidade jurídica

Já para a teoria menor, basta o preenchimento um único requisito, a ser preenchido é o prejuízo ao credor. O legislador previu a adoção dessa teoria na Lei de Crimes Ambientais e no Código de Defesa do Consumidor.

Insta consignar, que conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não basta o encerramento das atividades da sociedade, ainda que de forma irregular, para que seja desconsiderada sua personalidade jurídica, haja vista, a aplicação da teoria maior.

3.3. Jurisprudência do STJ

Conforme informativo número 0554 de 25 de fevereiro de 2015, da Segunda Seção do STJ que se segue, também deve ser analisado se houve dolo por parte do responsável pela pessoa jurídica, como se segue:

DIREITO CIVIL. LIMITES À APLICABILIDADE DO ART. 50 DO CC.

O encerramento das atividades da sociedade ou sua dissolução, ainda que irregulares, não são causas, por si sós, para a desconsideração da personalidade jurídica a que se refere o art. 50 do CC. Para a aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade social – adotada pelo CC -, exige-se o dolo das pessoas naturais que estão por trás da sociedade, desvirtuando-lhe os fins institucionais e servindo-se os sócios ou administradores desta para lesar credores ou terceiros. É a intenção ilícita e fraudulenta, portanto, que autoriza, nos termos da teoria adotada pelo CC, a aplicação do instituto em comento.

Especificamente em relação à hipótese a que se refere o art. 50 do CC, tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, deve-se restringir a aplicação desse disposto legal a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial. Dessa forma, a ausência de intuito fraudulento afasta o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica, ao menos quando se tem o CC como o microssistema legislativo norteador do instituto, a afastar a simples hipótese de encerramento ou dissolução irregular da sociedade como causa bastante para a aplicação do disregard doctrine.

3.4. Enunciado 282 a Jornada de Direito Civil

O informativo, ainda, continua, em referência ao Enunciado 282 da Jornada de Direito Civil:

Ressalte-se que não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial. Assim é que o enunciado 146, da III Jornada de Direito Civil, orienta o intérprete a adotar exegese restritiva no exame do artigo 50 do CC, haja vista que o instituto da desconsideração, embora não determine a despersonalização da sociedade – visto que aplicável a certo ou determinado negócio e que impõe apenas a ineficácia da pessoa jurídica frente ao lesado -, constitui restrição ao princípio da autonomia patrimonial.

Ademais, evidenciando a interpretação restritiva que se deve dar ao dispositivo em exame, a IV Jornada de Direito Civil firmou o enunciado 282, que expressamente afasta o encerramento irregular da pessoa jurídica como causa para desconsideração de sua personalidade: “O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica”. Entendimento diverso conduziria, no limite, em termos práticos, ao fim da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, ou seja, regresso histórico incompatível com a segurança jurídica e com o vigor da atividade econômica.

3.5. Abuso de direito

Cumpre ressaltar, que para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica devem ser utilizados os parâmetros do artigo 187 do Código Civil, que prevê o abuso de direito como ato ilícito: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

4. Efeitos da desconsideração da personalidade jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica opera efeitos no plano material e no plano processual. No campo processual, a desconsideração da personalidade jurídica extingue, então, o limite existente entre o patrimônio da pessoa jurídica e o do sócio, permitindo que os bens deste respondam pela obrigação pactuada pela pessoa jurídica.

Pode-se dizer, desse modo, que os efeitos decorrentes da desconsideração da personalidade jurídica, se assemelham aos da decretação da fraude à execução e da procedência da ação pauliana, no sentido de que, os limites dos patrimônios do devedor e do terceiro tornam-se inoponíveis em relação à execução que poderia vir a ser obstada.

O que as diferencia, é que no caso da desconsideração da personalidade jurídica, a responsabilidade por ela gerada não recai apenas sobre um ou alguns dos bens do patrimônio do terceiro, mas sim, sobre a totalidade dos bens, excluídos apenas os bens impenhoráveis, como é o caso do bem de família.

4.1. Impenhorabilidade do bem de família

Quanto à impenhorabilidade do bem de família, no caso de desconsideração da personalidade jurídica, o STJ entende que:

DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. FALÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ARRECADAÇÃO DE IMÓVEL DOS SÓCIOS. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. RECONHECIMENTO. 1. A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/1990 […] não tem como destinatária apenas a pessoa do devedor. Protege-se também sua família, quanto ao fundamental direito à vida digna. Assim, a determinação judicial de que, mediante desconsideração da personalidade jurídica da empresa falida, fossem arrecadados bens protegidos pela Lei n. 8.009/1990 traduz-se em responsabilização não apenas dos sócios pelo insucesso da empresa, mas da própria entidade familiar, que deve contar com especial proteção do Estado por imperativo constitucional (art. 226, caput). 2. A desconsideração da personalidade jurídica, por si só, não afasta a impenhorabilidade do bem de família, salvo se os atos que ensejaram a disregard também se ajustarem às exceções legais. Essas devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo, por analogia ou esforço hermenêutico, apanhar situações não previstas em lei, de modo a superar a proteção conferida à entidade familiar. 3. A arrecadação, no caso, atingiu imóvel adquirido pelo recorrente em 1989, a quebra da empresa foi decretada em 1999, a disregard aplicada em 2005, e levou em consideração apontado desfalque patrimonial tido, no âmbito penal, como insignificante. Portanto, não pode prevalecer a arrecadação, devendo ser protegido o bem de família. 4. Recurso especial provido. (STJ, 4ª turma, REsp 1433636 SP 2012/0113897-2, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/10/2014,  publicado em DJe 15/10/2014)

4.2. Limites da desconsideração da personalidade jurídica

Insta salientar, por fim, que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica alcançam exclusivamente o patrimônio dos sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se beneficiaram de alguma maneira.

Desta forma, os bens destes sócios responderão como se eles próprios tivessem assumido a obrigação com o credor prejudicado pelo ato lesivo.

 

Referências

1. BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias; AMADEU, Rodolpho da Costa Manso Real. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 138.

2. FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS. Novo Código de Processo Civil. Temas inéditos, mudanças e supressões. 3. tiragem. Rio de Janeiro: Jus Podivm, 2015. p. 124.

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Stephanie Barcelos

Advogada, CEO da Campos Advocacia, Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil e Pós-graduanda em Direito Trabalhista e Direito Criminal. Professora, Pedagoga Social, Vice Presidente da ANACRIM NITERÓI, SÃO GONÇALO E REGIÃO METROPOLITANA, colunista do Jornal Arauto dos Advogados, colunista do portal Migalhas e CEO do grupo Start-se. Profissional com carreira desenvolvida na área jurídica, tendo passagem por empresas nacionais de grande porte e escritórios. Vivência com gestão de pessoas, negociação de contratos e processos de aquisição de empresas. Expertise em contecioso cível e trabalhista, elaboração de peças pareceres, teses, e manifestações, realização de audiências, sustenção oral perante os tribunais, elaboração e análise de contratos, realização de defesa e assessoria de PF e PJ. Atuação em audiências de instrução, conciliação e julgamento, na execução de despachos, estruturação de teses, condução de estudos e pesquisas doutrinárias, de legislação e jurisprudência. Conhecimentos em informática. Idiomas: Inglês, Espanhol e Alemão. Militância no Direito há 10 anos.


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Gerhard Waack Braga
GERHARD WAACK BRAGA
Boa tarde Professora! Muitíssimo obrigado pela publicação, simple, clara e bem objetiva. Parabéns!
Stephanie Barcelos
STEPHANIE BARCELOS
Obrigada! Caso tenha algum tema de interesse é só falar!

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