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A pandemia e os defensores da ciência


Por Luiz Guedes da Luz Neto em 27/04/2020 | Notícias | Comentários: 0

Tags: ciência, política pública.

A pandemia e os defensores da ciência

“Todos têm direito à própria opinião, mas não a seus próprios fatos”.

Daniel Patrick Moyniham

 

É público e notório que o mundo está passando pela pandemia do COVID-19, o que afetou a dinâmica socioeconômica de diversos países. O vírus existe e está infectando pessoas. Isso não se discute: é fato a existência do vírus.

O desafio maior durante essa pandemia é a resposta das autoridades públicas a esse fato, ou seja, quais medidas devem ser adotadas para minimizar os efeitos da doença e a eficácia dessas medidas.

Ouvimos pela imprensa diversas autoridades públicas dizendo que o vírus é novo e que há muita coisa a ser descoberta acerca da sua dinâmica e dos efeitos produzidos no organismo humano. Diante disso, eles, os governantes, ao redor do mundo, afirmam que buscam resposta baseados na ciência. E, com essa argumentação, de forma contraditória, negam espaço ao amplo debate de especialistas (aparentemente só convidam para as suas equipes cientistas que defendem teorias simpáticas ao pensamento do governante, sem formar equipes com especialistas que pensam de forma diversa entre si) sobre o assunto, defendendo as medidas adotadas como se fossem dogmas. E a ciência, que, segundo os governantes, está sendo a base das suas decisões, não admite dogmas.

Para compreendermos o que afirmei acima, importante compreendermos o que é o conhecimento científico. Não apresentarei nenhum tratado de epistemologia aqui, mas sim os principais pontos que caracterizam o conhecimento científico.

O conhecimento científico é sistemático, verificável e falível.

Sistemático porque consiste em um saber ordenado, que adota uma metodologia para a elaboração de teoria. Além disso, é um conhecimento verificável, isto é, há necessidade de verificar se a teoria apresentada pelo pesquisador é válida ou não, se pode ser comprovada cientificamente, com possibilidade de reprodução do estudo proposto pelo cientista defensor da tese. E, por último, porém não menos importante, é o requisito falibilidade. O conhecimento científico é falível, não é definitivo. Uma teoria hoje aceita pode ser derrubada no futuro, com a apresentação de outro estudo científico que tenha rigor metodológico. Significa que aquela tese tida como válida hoje pode ser derrubada mais à frente, não se tornando, desta forma, tal tese um dogma que não pode ser questionado. São esses critérios que permitem o avanço científico.

Dito isso, realmente as decisões adotadas pelos governantes são calcadas em conhecimento científico, ou na ciência?

Tenho minhas dúvidas, a começar pela proibição de questionar a tese que fundamentou as medidas governamentais, o que infringe uma das características do conhecimento científico, qual seja, a possibilidade de verificação. Se eu não posso questionar a validade de determinado conhecimento, esse conhecimento está mais para um dogma do que para conhecimento científico.

Ora, se as medidas adotadas pelos governos, que no geral restringem os meus direitos fundamentais, são, aparentemente, fundadas em conhecimento científico, por que não posso questionar esse conhecimento científico? Quando se propõe a verificação dessas teorias, os governantes e seus partidários ficam furiosos e tacham[1] o questionador de obscurantista, que não se submete ao “conhecimento científico”. Ora, a ciência é feita a partir de perguntas, ou seja, do problema de pesquisa e pôr a hipótese (resposta ao problema de pesquisa) em dúvida para verificar a sua validade é uma das características fundamentais da ciência. Se isso não for possível, não é ciência.

Então, como é possível afirmar que uma decisão governamental é fundada em ciência se não é possível verificar tal conhecimento de forma sistemática? Tudo indica que os governantes não estão preocupados com a ciência, mas sim em parecer que tomam decisões fundamentadas na ciência e em prol do bem comum.

Exemplos de perguntas que devem ser feitas e refeitas por todos e que os governantes e seus grupos de apoio parecem não quer questionamento: deve-se adotar o isolamento social? Se sim, qual? O isolamento horizontal ou o vertical? Quando se deve diminuir o isolamento social? Quais dados são ou foram utilizados para a adoção das medidas governamentais? Qual a metodologia de análise e tratamento desses dados?, entre outras perguntas. Somente se questionando, com método, é que algo positivo (condutas, procedimentos etc.) pode ser construído e aperfeiçoado em prol da sociedade.

E a doença enfrentada é nova, mais um motivo para se ampliar a discussão, o debate, e não o contrário.

E hoje, em época de redes sociais, essas medidas adotadas supostamente com fundamento na ciência são apresentadas como salvadoras e a sociedade acredita naturalmente nisso, pois precisa de algo concreto a se apegar (como uma espécie de tábua de salvação) e acredita que o governante está cumprindo a sua missão constitucional de zelar pelos interesses da sociedade. Diante disso, repete o mantra governamental sem compreender o que está dizendo: o governo só toma decisões fundadas na ciência.

É compreensível que grande parte da sociedade acredite nisso, já que não sabe o que é o conhecimento científico. Porém, tal conduta é inadmissível vindo de pessoas que trabalham com pesquisa científica. E, infelizmente, tenho constatado isso na internet. Essas pessoas, apesar de ter estudado epistemologia, entram no movimento de manada e não admitem o questionamento das teorias científicas que embasam as decisões governamentais, em total contradição à produção de conhecimento científico.

Se uma teoria não pode ser verificada e é tida como definitiva, transforma-se em dogma, sendo retirada do debate científico. E isso é extremamente prejudicial, pois não contribui para a busca de soluções realmente eficazes, ou na busca de medidas mais eficazes, ou, na verificação da eficácia das medidas já adotadas. Esse tipo de conduta transforma o “conhecimento científico” em absoluto e inverificável, quando tal conhecimento é justamente o oposto a isso.

Assim, o vírus que causou essa pandemia não está matando apenas as pessoas, mas também a possibilidade de se fazer ciência de verdade, isto é, de se questionar as teses adotadas como fundamento de validade das decisões governamentais. Parece que a política tem ditado a ciência e não a ciência balizado a política. E isso não é nada saudável.

Se isso se mantiver, a produção de conhecimento científico morrerá e o que se efetivará será a reprodução e divulgação de dogmas, de verdades tidas como absolutas por um determinado grupo que está no poder estatal ou está junto a este poder, verdades essas que são retiradas da possibilidade de verificação e que recebem o selo de absolutismo, em total oposição à verdadeira ciência.


[1] Tachar: 1.transitivo direto. frm. pôr censura ou crítica em; desaprovar."t. um presente de um admirador". 2. transitivo direto predicativo e pronominal. Pôr tacha em (alguém, algo ou em si próprio), apontar-lhe defeitos; acoimar(-se). "tachou-o de insensível". 3.transitivo direto. ARTES GRÁFICAS. m.q. RISCAR ('passar um traço sobre').

Artigo escrito originalmente no blog Guedes & Braga. Para acessar, clique aqui.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Luiz Guedes da Luz Neto

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001). Mestre em Direito Econômico pela UFPB (2016). Doutorando em Direito na UFPB. Aprovado no Doutorado na Universidade do Minho/Portugal, na área de especialização: Ciências Jurídicas Públicas. Advogado. Como advogado, tem experiência nas seguintes áreas: direito empresarial, registro de marcas, direito administrativo, direito constitucional, direito econômico, direito civil e direito do trabalho. Com experiência e atuação junto aos tribunais superiores. Como professor, lecionou as seguintes disciplinas: Direito Constitucional, Direito Administrativo I, Direito Administrativo II e Direito Agrário. Pesquisador no Grupo de Pesquisa Realismo Jurídico da UFPB.


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