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A regulação estatal é sempre melhor do que a não regulação?


Por Luiz Guedes da Luz Neto em 13/03/2020 | Aperfeiçoamento Profissional | Comentários: 0

Tags: Regulação, Direito regulatório, Regulação Econômica.

A regulação estatal é sempre melhor do que a não regulação?

Fomos treinados a pensar que a regulação estatal é o melhor meio para organizar uma atividade, colocando ordem e protegendo a parte mais vulnerável, pois deixar o fornecedor do bem ou do serviço livre seria deixar o consumidor desprotegido. Para evitar isso, existe a regulação promovida pelo poder público, que, em regra, representa a vontade geral, do povo, que deve sempre prevalecer sobre a vontade individual.

Diante disso, não se costuma questionar, na graduação de direito, a eficiência e os efeitos produzidos pela regulação estatal, pois, conforme pré-estabelecido, a regulação estatal sempre é a melhor opção, ou seja, melhor ter a regulação pelo ente público do que não tê-la.

Para testar a hipótese acima apresentada (e largamente defendida nos bancos das faculdades de direito)[1], nada melhor do que analisar algumas regulações estatais. Acredito que a pesquisa no direito precisa ter utilidade. É necessário que seja possível verificar as hipóteses apresentadas com os dados da realidade, contribuindo, desta forma, a ciência jurídica para o desenvolvimento da sociedade.

Vejamos o exemplo da regulação do uso dos patinetes elétricos pela Prefeitura Municipal de São Paulo. Foi expedido o Decreto nº 58.750, de 13 de maio de 2019, que continha as normas regulatórias provisórias do serviço de compartilhamento e do uso dos equipamentos de mobilidade individual autopropelidos etc., acionados por plataformas digitais.

A justificativa principal (a expressa pela Prefeitura de São Paulo) para o referido decreto era gerar mais segurança para os usuários. Impunha várias obrigações para as empresas prestadoras do serviço, entre elas:

I – promover campanhas educativas a respeito do correto uso e circulação dos equipamentos de mobilidade individual nas vias e logradouros públicos;

II – fornecer aos usuários ou condutores aplicativo/programa (software) para celulares com finalidade de utilizar o serviço;

III – fornecer pontos de locação fixos e móveis que poderão ser identificados por meio do aplicativo ou sítio eletrônico;

IV – disponibilizar no aplicativo oferecido ao usuário, manual de condução defensiva, contendo informações sobre a condução segura dos veículos;

V – comprovar a contratação de seguro de responsabilidade civil para cobrir eventuais danos causados a terceiros ou ao patrimônio público decorrentes do uso dos equipamentos de mobilidade individual;

VI – recolher os equipamentos de mobilidade individual que estiverem estacionados irregularmente, sob pena de apreensão por agentes da Subprefeitura;

VII – arcar com todos os danos decorrentes da prestação do serviço, ainda que gerados por caso fortuito, força maior, dolo ou culpa de usuários;

VIII – manter a confidencialidade dos dados dos usuários;

IX – fornecer os dados dos usuários/condutores aos órgãos municipais ou de segurança pública, sempre que solicitados em virtude de questões envolvendo crimes, contravenções ou acidentes;

X – compartilhar os dados de geolocalização dos equipamentos com as Secretarias Municipais de Mobilidade e Transportes e das Subprefeituras;

XI – informar à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes, mensalmente, o número de acidentes registrados no sistema. (art. 3º, incisos I a XI, do Dec. 58.750/2019).

No art. 4º do referido decreto ficava estabelecido que é de responsabilidade das empresas operadoras fornecer os equipamentos de segurança individual dos usuários.

O art. 5º do mencionado decreto afirma que é de responsabilidade da empresa as reparações de eventuais danos ao município, aos usuários ou a terceiros, devendo a empresa prestadora do serviço (compartilhamento de veículos autopropelidos) obedecer às normas e cautelas pertinentes, cabendo-lhe orientar usuários sobre o cumprimento das normas. Ademais, era obrigatória a contratação de seguro pela empresa, devendo esta informar, no ato da contratação, ao usuário, as coberturas estipuladas na apólice do seguro contratado.

Qual o efeito prático decorrente da publicação e aplicação do Decreto nº 58.750/2019, na cidade de São Paulo?

A regulação promovida pela Prefeitura Municipal de São Paulo produziu mais externalidades negativas do que positivas. Gerou um alto custo operacional às empresas que forneciam o serviço de compartilhamento de patinetes elétricos e afins que inviabilizou o fornecimento de referido serviço, forçando a retirada do mercado paulistano de várias empresas, entre elas a Lime e a Grow (esta última deixou de operar nas zonas norte e leste da cidade).

A regulação estatal ainda obrigou que as empresas mantivessem equipamentos em bairros que não geravam demanda suficiente para manter o negócio lucrativo, criando um ônus desnecessário para todo o serviço. Esse tipo de obrigação pode ser considerada como uma intervenção estatal desnecessária e ilegal na livre iniciativa, pois o poder público substitui a vontade empresarial (sem nenhum critério técnico. Obs.: mesmo se tivesse critério técnico, é uma substituição indevida de vontade) de avaliar as oportunidades do mercado, obrigando as empresas a operar em locais que gerarão forçosamente prejuízo, sendo, portanto, essa postura, totalmente desarrazoada.

Importante frisar que o compartilhamento de veículos autopropelidos não se encaixa na definição de transporte público, logo deveria estar fora da regulação estatal municipal. Na verdade, o compartilhamento desse tipo de veículo deve se enquadrar no transporte individual, devendo permanecer na esfera particular, já estando regidos pelo Direito Civil (normas de responsabilidade civil) e pelo Código de Trânsito Brasileiro (exemplo: art. 58, do CTB, que prevê que a bicicleta deve transitar nos bordos da pista de rolamento, na ausência de ciclofaixa, ciclovia, ou acostamento, ou quando estes forem impróprios para o uso).

Esse exemplo de regulação realizado pela Prefeitura de São Paulo serve muito bem para ilidir a hipótese apresentada no início deste texto, de que a regulação estatal é melhor do que a ausência de regulação.

É preferível, para que haja um ecossistema propício para o surgimento de negócios da economia compartilhada, que não exista uma regulação na forma como foi realizada pela cidade de São Paulo em 2019, do que ter uma regulação que crie um ônus excessivo ao fornecedor do serviço, inclusive com intervenção que obrigue o fornecimento do serviço de compartilhamento em áreas da cidade que não demandam suficientemente tal serviço.

Entre ter uma regulação que aniquila a possibilidade da prestação do serviço e a não regulação, é preferível a segunda opção.

O poder público precisa entender a lógica dos serviços de compartilhamento para começar a promover uma regulação que garanta a manutenção de um ecossistema favorável a iniciativas inovadoras, que não gere ônus desnecessários nem interfira na estratégia do negócio.

Antes da regulação, os moradores e visitantes da cidade de São Paulo tinham à sua disposição o serviço de compartilhamento de patinetes elétricos por várias empresas, após o Decreto nº 58.750/2019, as empresas ou se retiraram do mercado ou diminuíram a oferta diante do custo proibitivo gerado pela regulação estatal mal pensada, descolada da nova realidade da economia compartilhada.

Pensemos a respeito e exijamos do poder público (Executivo e Legislativo) que estude melhor a realidade, bem como que faça um estudo sério acerca das externalidades negativas antes de elaborar uma regulação dos serviços de compartilhamento para que a regulação não extinga um mercado nascente e não impossibilite o surgimento de novos produtos e serviços inovadores.

Artigo publicado originalmente no site Guedes & Braga. Para ver a primeira publicação, clique aqui.


[1] Em especial na graduação. Na pós-graduação ensaia-se uma crítica a essa hipótese, porém muito tímida e carecendo, em certos casos, de pesquisa empírica com rigor metodológico.

Leia também esse texto sobre os patinetes elétricos em São Paulo: a lógica brasileira.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Luiz Guedes da Luz Neto

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001). Mestre em Direito Econômico pela UFPB (2016). Doutorando em Direito na UFPB. Aprovado no Doutorado na Universidade do Minho/Portugal, na área de especialização: Ciências Jurídicas Públicas. Advogado. Como advogado, tem experiência nas seguintes áreas: direito empresarial, registro de marcas, direito administrativo, direito constitucional, direito econômico, direito civil e direito do trabalho. Com experiência e atuação junto aos tribunais superiores. Como professor, lecionou as seguintes disciplinas: Direito Constitucional, Direito Administrativo I, Direito Administrativo II e Direito Agrário. Pesquisador no Grupo de Pesquisa Realismo Jurídico da UFPB.


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