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Nova lei de Franquia: o que mudou?

Notas preliminares sobre as principais alterações na normatização da franquia empresarial


Por Tania Siqueira em 31/12/2019 | Empresarial | Comentários: 0

Tags: Franquias, Direito Empresarial.

Nova lei de Franquia: o que mudou?

 

A franquia é, sem dúvida alguma, um fenômeno de sucesso no setor de varejo e serviços, ocupando relevante espaço no cenário econômico global. Configura poderoso modelo de negócio responsável pela expansão estratégica de organizações em diversos setores da economia, promovendo maior circulação de riquezas. De acordo com a Associação Brasileira de Franchising – ABF – o setor de franquias registrou em 2019 expressivo crescimento com faturamento que supera R$ 47 bilhões, considerando mais de 160 mil unidades de franquias listadas, e com tendência de expansão. [1] Segundo dados também da ABF, o maior número de franquias brasileiras estabelecidas em território estrangeiro encontram-se nos Estados Unidos, país apontado pela literatura como o precursor do sistema a partir da Singer Sewing, empresa do ramo de máquinas de costura que por volta de 1850 concedeu a utilização do nome Singer e a comercialização de seus produtos por vendedores independentes. Esse arranjo foi amplamente difundido adentrando na Europa como técnica de escoamento de produtos e serviços em regime de colaboração entre empresários. A partir daí, e das transformações mercadológicas que reforçaram a necessidade da adoção de mecanismos de distribuição eficazes o suficiente para sustentar a competitividade, as franquias se consolidaram como estratégia empresarial e modelo de estruturação em rede.

Enfim, trata-se de um sistema que está em constante evolução envolvendo os mais diversos segmentos de negócios: moda, construção, serviços educacionais, saúde e beleza, hotelaria, informática, alimentação, entretenimento, etc. Entre franqueador e franqueado estabelece-se uma relação onerosa de colaboração para exploração da atividade econômica, compreendendo benefícios para ambas as partes: enquanto o franqueador amplia sua rede de distribuição, o franqueado assume o risco do investimento mas na qualidade de proprietário do seu negócio, embora sujeito aos padrões estabelecidos pelo franqueador.

Importante deixar claro que o relacionamento entre franqueador e franqueado é um dos aspectos-chave do sistema de franquia, a ser esculpido sobre o equilíbrio contratual [2], não refletindo interesses antagônicos das partes. Há mais pontos de convergência de interesses do que de oposição, conforme destaca a doutrina: (a) o franqueador transfere o custo dos investimentos ao franqueado, já que este fica responsável pela montagem e manutenção do ponto de venda. Com isso beneficia-se pela difusão da marca de sua titularidade e ganhos de escala, angariando remuneração por isso; (b) o franqueado, por sua vez, tem a perspectiva de êxito do seu negócio pelo uso de uma marca de prestígio, integrando uma rede com produtos conhecidos e aceitos pelo mercado e, assim, desfrutando da clientela preexistente ou potencialmente existente para aquela marca. [3]

Embora a temática admita críticas e enseje calorosas discussões, como a relacionada ao controle externo do franqueador perante o franqueador, indene de dúvidas que a franquia empresarial desempenha expressivo papel no fluxo de postos de trabalho e distribuição de produtos e serviços, potencializando ganhos competitivos para as empresas atuantes em rede.

O primeiro texto normativo que disciplinou a franquia no Brasil foi a Lei nº 8.955/94 recentemente revogada pela Lei nº 13.966, publicada em 27.12.2019, com entrada em vigor em março de 2020. Em conformidade com o art. 1º da atual lei, o sistema de franquia empresarial é aquele “pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.”

Vê-se que a opção legislativa foi deixar clara a configuração da franquia como atividade empresarial, explicitando que a relação entre franqueador e franqueado não é de consumo e não gera vínculo empregatício (ainda que no período de treinamento), aspectos que se alinham com a autonomia e com a colaboração a ser estabelecida entre as partes contratantes. Assim, o art. 1º da atual lei inova: (i) ao evidenciar o franchising como sistema, isto é, a conjugação de elementos como a licença de uso de marcas e outros objetos de propriedade intelectual, fornecimento de bens, prestação de serviços como treinamentos, marketing, etc, todos conectados pelo interesse econômico único; (ii) ao ampliar ao requerente dos direitos de propriedade intelectual ou àquele autorizado pelo titular, a possibilidade de transmitir, por meio de contrato, o uso das marcas e outros objetos de propriedade intelectual; (iii) ao acertar a impropriedade jurídica contida na Lei 8.955/94 que falava em “cessão de marca” e não em “autorização de uso” em caráter temporário.

Temos, pois, que a lei faz referência tanto ao (i) modelo tradicional de franquia, através do qual o franqueador concede o direito de uso da marca de sua titularidade para comercialização dos produtos por ele desenvolvidos (ou os serviços) recebendo em contrapartida a taxa inicial de franquia e os royalties, como  também ao (ii) modelo que se denomina “franquia do negócio formatado” ou Business Format Franchising, caracterizado por um sistema estruturado para transmitir também, e principalmente, know how, treinamento, apoio operacional, marketing cooperado, planejamento na implantação e organização do estabelecimento a ponto de torná-lo apto a integrar a rede de franqueados e, assim, expandir a identidade do franqueador no mercado de consumo.

Para o processo de franqueamento, sempre foi exigido dos franqueadores a elaboração e divulgação de um documento chamado Circular de Oferta de Franquia – COF - aos candidatos interessados em integrar a rede de franquia, assegurando maior transparência frente aos franqueados, aqueles que investirão seus recursos financeiros nos sistemas desenvolvidos pelos franqueadores. A não entrega da COF no prazo mínimo de 10 dias anteriores à assinatura do contrato ou do pré-contrato de franquia, ou do pagamento de qualquer taxa pelo franqueado ao franqueador, gera a anulabilidade do contrato de franquia. Ao abordar o conteúdo da Circular de Oferta de Franquia, a Lei nº 13.966/2019 inclui várias obrigações ao franqueador não previstas na Lei nº 8.955/94, dentre elas:

 (i) a inserção de relação completa dos franqueados, subfranqueados ou subfranqueadores que tenham se desligado da rede nos últimos 24 meses (e não 12 meses como constava no texto da lei revogada) – inciso X;

(ii) a indicação da política de concorrência territorial (definindo-se a área de atuação e eventual exclusividade) praticada entre as unidades próprias e as franqueadas, assim como as regras de não concorrência entre franqueado e franqueador e entre os próprios franqueados – incisos XI e XXI;

(iii) a estimativa dos aportes e investimentos, e a descrição do valor da taxa inicial de filiação, excluindo-se a caução a ser prestada pelo franqueado, prevista no texto da Lei nº 8.955/94;

(iv) a especificação da possibilidade (ou não) de transferência do contrato de franquia, bem como a disciplina para o caso de sucessão – inciso XVII;

(v) a informação quanto ao prazo de vigência do contrato (se por prazo determinado ou indeterminado); as condições e requisitos a serem atendidos para sua renovação e as situações que poderão gerar a aplicação de penalidades em caso de descumprimento das obrigações contratuais;

(vi) em caso de obrigatoriedade de aquisição de quotas mínimas, deverá a COF indicar o montante e em quais condições poderá o franqueado recusar – inciso XIX;

(vii) a indicação da existência de conselhos ou associações que representem os interesses dos franqueados – inciso XX;

Outra inovação de relevo diz respeito ao ponto comercial, aquele que servirá para instalação da unidade franqueada e que, como todos sabem, pode ser do franqueador como pode ser do franqueado. A norma atual, preocupando-se com o investimento aplicado na instalação do empreendimento, passou a disciplinar a hipótese de o ponto comercial estar na posse do franqueador que o subloca ao franqueado. Dispõe o art. 3º que a renovação do contrato de locação poderá ser exercida não só pelo locatário/sublocador (o franqueador, no caso) como pelo sublocatário (o franqueado) que somente deixará de deter a legitimidade para pleitear a renovação do vínculo locatício caso tenha descumprido alguma obrigação disposta no contrato de franquia. Ainda prevê o art. 3º, em seu parágrafo único, a possibilidade de o aluguel pago pelo sublocatário ser superior ao aluguel pago pelo locatário/sublocador ao proprietário do imóvel, desde que a Circular de Oferta de Franquia informe tal situação e que não implique em excessiva onerosidade ao franqueado/sublocatário. O dispositivo encontra suporte, mais uma vez, na transparência que deve prestigiar a relação entre as partes e também na liberdade contratual.

Por fim, disciplina a lei que contrato internacional de franquia é “aquele que, pelos atos concernentes à sua conclusão ou execução, à situação das partes quanto a nacionalidade ou domicílio, ou à localização de seu objeto, tem liames com mais de um sistema jurídico” (art. 7º, § 2º) prevendo a obrigatoriedade de a parte domiciliada no exterior constituir procurador ao qual deverão ser outorgados plenos poderes, inclusive para receber citação, quando da opção pelo foro de domicílio de um dos contratantes.

No que diz respeito à solução de eventuais controvérsias, prevê a lei a possível submissão das partes à arbitragem (art. 7º, § 1º). Já quanto à língua do contrato, deverá ser observada a língua portuguesa em se tratando de contrato de franquia cujos efeitos se produzam no território nacional (art. 7º, I). O mesmo idioma deverá ser observado no texto dos contratos de franquia internacional, admitindo-se, no caso, a tradução certificada para a língua portuguesa custeada pelo franqueador.

Importante, ainda, consignar que, embora a lei preveja que a franquia pode ser adotada por empresa estatal (art. 1º, § 2º), o artigo que explicita o procedimento a ser adotado pelas empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 6º e seus parágrafos) foi vetado pelo Presidente da República sob argumento do descompasso da norma com a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016). A matéria será agora deliberada pelos senadores e deputados em sessão conjunta, nos termos do art. 57, § 3º, IV, da CF.

À guia de remate, conclui-se que o texto da atual lei que disciplina o sistema de franquia foi capaz de trazer expressivas inovações ao instituto, delineando a necessária transparência na relação jurídica que se estabelece entre franqueador e franqueado, em prestígio à autonomia das partes para deliberar quanto ao conteúdo do contrato a ser por elas cumprido. O foco não parece ser outro senão acompanhar a franca ascensão do instituto da franquia o que impõe, cada vez mais, garantir segurança jurídica aos agentes econômicos.  

 

Notas:

[1] Dados disponíveis em www.abf.com.br. Acesso em 30.12.2019

[2] BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising & Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.33

[3] RIBEIRO, Maria de Fátima. O Contrato de Franquia. Coimbra: Almedina, 2001, p. 18-23

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Tania Siqueira

Especialista em Direito Econômico pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas - GVLaw. Especialista em Direito Contratual pela Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial


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