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Compliance e Pequenos Negócios


Por Tania Siqueira em 24/06/2019 | Gestão de negócios jurídicos | Comentários: 0

Compliance e Pequenos Negócios

 

O papel de destaque que as empresas de pequeno porte [1] desempenham no cenário socioeconômico nacional é incontestável. Segundo dados do SEBRAE, as micro e pequenas empresas responderam por 27% do PIB nacional e têm se mostrado fundamental no processo de geração de empregos. [2]

Apesar da lenta recuperação da economia brasileira, ainda bem abaixo da média mundial, o crescimento da renda e emprego encontra nas micro e pequenas empresas seu forte aliado. Portanto, a tendência é no sentido de as pequenas empresas manterem seu dinamismo, especialmente no segmento de serviços, e desse movimento decorre a consolidação dos negócios e o natural avanço sobre novos mercados, tanto no setor privado como público. Assim, inevitavelmente estarão (ou melhor, já estão) envolvidas com o tema “compliance” ou conformidade. A propósito, não podemos perder de vista que programas de compliance são recomendados tanto para grandes, médias como pequenas empresas. Em reforço à tal afirmação, basta a consulta ao Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União onde se constata o expressivo número de condenações de pequenas empresas com base na Lei da Empresa Limpa. Mas, afinal, no que consiste o programa de compliance ou programa de integridade?

Em primeiro lugar, vale lembrar que a expressão compliance representa a conformidade da empresa com normas internas e externas, isto é, com leis, tratados, regulamentos, códigos, instruções, procedimentos, etc. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, no entanto, adverte que conformidade transcende a ideia de cumprimento da legislação por mera obrigação ou para reduzir penalidades que eventualmente tenham sido impostas em face de infrações. Nessa linha, aponta a distinção entre estar em compliance com ser compliant, ou seja, cumprir consciente e deliberadamente a legislação e políticas internas da empresa, “guiado pelos princípios e valores que compõem a identidade da organização, visando sua longevidade.”[3]

O envolvimento das atividades nesse ambiente empresarial cada vez mais engajado com a ética, transparência e com a prevenção de possíveis práticas contrárias às normas legais e de mercado, dá o novo tom ao padrão de atuação das empresas cuja governança pretenda perenizar os negócios. E nessa toada vem a implantação de uma política de compliance a ser desenvolvida a partir de determinadas premissas que, no caso das pequenas empresas, advém das recomendações da Controladoria-Geral da União – CGU – que, inclusive, disponibiliza uma Cartilha com sugestões de medidas que podem ser adotadas na estruturação do programa de integridade das empresas [4].

O sistema de compliance logicamente será desenvolvido a partir da análise do perfil de riscos a que cada empresa está sujeita, não podendo ser esquecido que, direta ou indiretamente, todas interagem com o setor público, ainda que tão somente para obter um alvará ou licença.

De acordo com a Cartilha da GCU, identificar os riscos está associado à identificação dos aspectos de vulnerabilidade da empresa que precisam ser protegidos. Propõe-se buscar respostas para as seguintes perguntas: “Existe a possibilidade de que funcionários tenham atitudes antiéticas, como oferecer ou pagar propina? Será que minha empresa já cometeu ou cometerá fraudes em licitação? A empresa tem condições de cumprir com os orçamentos e os acordos? Conheço bem meus funcionários e meus parceiros de negócios?”

O programa de compliance é estruturado, portanto, segundo o perfil de cada empresa e se comporá de mecanismos e procedimentos capazes de identificar e, assim, prevenir, a ocorrência de irregularidades. Requer planejamento, implementação, monitoramento contínuo e aperfeiçoamento a partir de ajustes que se mostrem necessários. Trata-se, na verdade, de autorregulação, ou seja, uma maneira de o ente privado autodisciplinar a condução das suas atividades. Assim, com a ressalva de cabe à cada empresa estruturar o seu programa de compliance de acordo com sua realidade e área de atuação, há algumas diretrizes básicas que acabam servindo de roteiro, como (A) identificação das normas legais e regulatórias aplicáveis à atividade desenvolvida pela empresa; (B) identificação dos riscos de não conformidade; (C) elaboração de um código de ética e conduta; (D) treinamentos periódicos de divulgação das normas internas, disseminando a cultura organizacional; (E) construção de procedimento disciplinar para apurar infrações legais e às condutas contrárias aos valores e princípios da empresa; (F) a definição da instância responsável pela aplicação das medidas disciplinares; (G) realização de auditorias; (H) registro das irregularidades identificadas para posterior saneamento; (I) monitoramento contínuo do programa de integridade.

A Portaria Conjunta CGU/SMPE nº 2279, de 09.09.2015, ao estabelecer parâmetros para os programas de integridade das pequenas e micro empresas, reporta a questão ao caput e parágrafo 3º do Decreto 8.420/2015 que, por sua vez, regulamentou a Lei nº 12.846/2013 (conhecida como lei da empresa limpa ou lei anticorrupção). Deixa, todavia, claro que as medidas de integridade das pequenas e micro empresas contarão com menor rigor formal, demonstrando “o comprometimento com a ética e a integridade na condução de suas atividades.” (§ 2º, art. 1º). Em seu Anexo a Portaria indica os seguintes parâmetros de aplicação do programa: (i) o comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, a ser verificado mediante a atuação e postura da direção da empresa em relação aos seus funcionários, o que se comprova através de palestras ou do incentivo a debates. A liderança pelo exemplo (tone from the top) é fator fundamental para o sucesso do programa; (ii) a implementação de padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos; (iii)  treinamentos periódicos sobre o programa de integridade, criando e disseminando uma cultura ética no ambiente da empresa; (iv) registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica, com a observação de que tais medidas ficam comprovadas através de implantação de sistema eletrônico de registro contábil ou registro das transações nos livros oficiais; (v) controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica; (vi) procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público; (vii) medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade, tais como advertência, suspensão e até demissão; (viii) procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações que tenham sido detectadas, investigando as situações inadequadas; (ix) transparência em eventual doação para candidatos e partidos políticos, definindo regras claras sobre as doações a serem declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral. A existência de canais de denúncia sobre irregularidades no âmbito da empresa não é exigida das micro e pequenas empresas, mas não há impedimento à sua implementação, como deixa clara a Cartilha da GCU. Aliás, o § 3º do art. 42 do Decreto 8.420/2015 prevê a redução dos parâmetros para as micro e pequenas empresas.

Um ponto essencial digno de realce diz respeito a efetividade do programa de integridade. Ou seja, o programa deve trazer políticas que passem a integrar todos da organização e os próprios negócios, até mesmo porque, de acordo com o art. 2º da Portaria Conjunta 2279/2015 antes referida, caso se faça necessário avaliar o programa, deverão as pequenas empresas apresentar relatórios de perfil e de conformidade, demonstrando o funcionamento das medidas implementadas e como contribuem para a prevenção, detecção e remediação do ato lesivo objeto da apuração (arts. 3º e 4º).

Enfim, mais do que um diferencial competitivo, estar em conformidade atrai investidores, minimiza riscos e preserva a imagem e reputação da empresa. Não bastasse, é importante mecanismo de inibição às práticas anticorrupção [5]. Não por outra razão a GCU e o SEBRAE criaram o programa da Empresa Íntegra cujo conteúdo aproxima as micro e pequenas empresas do tema “conformidade”, preparando-as para as exigências de um ambiente de negócios mais justo, ético e equânime.

___________________________________

[1] São consideradas microempresa ou empresa de pequeno porte a pessoa jurídica que cumprir os requisitos estabelecidos na Lei Complementar 123/2006 que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Resumidamente, qualifica-se como Microempresa aquela que tem faturamento bruto anual no patamar até R$ 360 mil, e Empresa de Pequeno Porte aquela que tem faturamento bruto anual entre R$ 360 mil e R$ 4.800 milhões.

[2] Agência SEBRAE de Notícias. Disponível em http://www.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/apesar-da-queda-em-marco-pequenos-negocios-lideram-abertura-de-vagas-no-ano,8ded8e14ab65a610VgnVCM1000004c00210aRCRD. Acesso em: 22 de junho de 2019.

[3] Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Compliance à luz da Governança Corporativa. São Paulo: IBGC, 2017 (série IBCG Orienta)

[4] Controladoria Geral da União. Integridade para Pequenos Negócios. Disponível em: www.cgu.gov.br/publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/integridade-para-pequenos-negocios.pdf. Acesso em: 22 de junho de 2019

[5] Importante estar atento ao fato de a lei anticorrupção aplicar-se indistintamente às pessoas jurídicas, independentemente de seu porte. Portanto, a adoção de programa de integridade, expressão utilizada pela Lei nº 12.846/2013 para se referir ao compliance, é assunto que passou a integrar a agenda de boas práticas de gestão também das micro – ME - e empresas de pequeno porte – EPP.

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Tania Siqueira

Especialista em Direito Econômico pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas - GVLaw. Especialista em Direito Contratual pela Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial


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