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Contrato de Sociedade

Elementos preventivos que podem assumir papel fundamental na preservação da sociedade


Por Tania Siqueira em 27/11/2019 | Direito Civil | Comentários: 0

Contrato de Sociedade

 

De acordo com o Código Civil a sociedade é constituída por instrumento escrito, público ou particular (art. 997), que estabelece regras concernentes às relações internas (sócios x sociedade) e externas (sociedade x terceiros), conectadas com a comunhão de interesses e escopo da pessoa jurídica, a quem é outorgada personalidade jurídica pelo registro (art. 985, CC). O contrato reflete, portanto, as declarações obrigacionais entre duas ou mais pessoas, sejam físicas ou jurídicas. Ou seja, a sociedade resulta de um contrato do qual derivam direitos e obrigações para todos os participantes. Estamos nos referindo, logicamente, às sociedades regidas pelas normas do Código Civil que, inclusive, prevê o conteúdo mínimo obrigatório do contrato, assunto ao qual dedicamos estas breves linhas que se voltam, com exclusividade, para o ato constitutivo de sociedade limitada, tipo mais comum entre os empreendedores.

De imediato, necessário lembrar a importância de um contrato social bem estruturado que reflita os valores e o perfil da sociedade. Trata-se de um documento estratégico que não merece ser padronizado, mas modelado para o segmento específico de negócios, levando em conta as características da atividade a ser desempenhada pela sociedade. O cuidado em pensar criteriosamente o conteúdo do contrato social tem a ver com a prevenção e mitigação de eventuais futuros conflitos entre os sócios, o que muitas vezes repercute na manutenção da própria empresa. Nesse sentido, o contrato de sociedade deve ser visto também como mecanismo de governança corporativa, alinhando o fluxo de interesses que decorrem das relações internas e externas, não merecendo, portanto, ter seu conteúdo limitado às cláusulas essenciais previstas em lei. Segue daí o destaque para cláusulas ditas facultativas, que assumem papel relevante na regulação (i) das declarações dos sócios quanto às obrigações que reciprocamente estão estabelecendo e que cada um está assumindo com a sociedade; (ii) da dinâmica do ambiente de negócios; (iii) das vicissitudes a que todos estão sujeitas ao longo do tempo, sem ignorar a natural incompletude do contrato de sociedade por ser impossível prever todas as circunstâncias, mudanças e riscos que venham a incidir sobre o quanto pactuado.

Considerando este cenário, vejamos primeiramente as cláusulas de inserção obrigatória no contrato social indicadas pelo Código Civil, começando pela identificação dos sócios e sua qualificação (art. 997, I). Em se tratando de sociedade do tipo limitada, objeto da presente análise, os sócios podem ser pessoas naturais ou jurídicas.

De acordo com o inciso II do art. 997, deve o contrato obrigatoriamente informar a denominação (isto é, o nome empresarial); o objeto (a atividade econômica a ser explorada pela sociedade); a sede (o lugar onde funciona a diretoria, a administração) e o prazo de duração da sociedade (se determinado ou indeterminado). Conforme dispõe o Manual de Registro da Sociedade Limitada, divulgado pelo DREI, o objeto social poderá ser descrito por meio de código integrante da estrutura da Classificação Nacional de Atividades Econômica – CNAE.

O capital social, que deve ser expresso em moeda corrente nacional e que corresponde ao valor total das contribuições dos sócios para o início das operações da sociedade, é outro elemento essencial a ser identificado no contrato, conforme determina o inciso III do art. 997. Em correlação à contribuição para a formação do capital social, cada sócio recebe uma quota (ou quotas) desse capital, informação que necessariamente deverá estar retratada no contrato, segundo dispõe o inciso IV do art. 997, inclusive a forma pela qual cada um irá aportar esse capital (se em dinheiro, bens ou créditos) e o prazo para integralização.

O inciso VI do art. 997 impõe a indicação da pessoa natural (ou pessoas) que estará incumbida da administração, podendo ser sócio ou não. Os poderes e atribuições do administrador devem estar discriminados no contrato, conforme texto do inciso VI, cuja relevância se justifica pela premissa de que a sociedade se obriga pelos atos de seus administradores. Entretanto, apesar da clareza da norma, o próprio Código Civil prescreve que a sociedade limitada poderá nomear administrador no contrato social ou em ato separado (art. 1.060), documento que, logicamente, deverá instruir o ato constitutivo quando levado ao registro competente.

Quanto aos poderes e atribuições do administrador, apesar da relevância do seu detalhamento, especialmente no tocante a eventuais restrições para fins de apuração de condutas realizadas com excesso de poder, caso o contrato social se omita quanto aos limites, prevê o Código Civil a flexibilidade para a prática dos atos pertinentes à gestão da sociedade, isto é, para agir com vistas a realizar o objeto social, com as responsabilidades próprias do administrador (arts. 1.015 a 1.017).

Outra cláusula apontada como essencial – inciso VII - é aquela que estabelece a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas, ou seja, que explicite como se dará a partilha dos resultados tanto positivos como negativos, considerando a possibilidade de os sócios ignorarem o critério da proporcionalidade da participação de cada um no capital social. O contrato social deve traçar alguma regra: afinal, a partilha de resultados da sociedade observará a participação de cada sócio no capital social ou não? Essa é mais uma particularidade, assim como o detalhamento das atribuições e poderes dos administradores, capaz de conferir estabilidade ao vínculo, proteção à pessoa jurídica, e segurança não só aos sócios como àqueles que contratam com a sociedade.

É inegável a importância da adequada regulação dos direitos e obrigações decorrentes do vínculo societário, o que justifica a inclusão de outras cláusulas indispensáveis à necessária composição de interesses.

Antes, porém, de percorrer este caminho, forçoso lembrar das orientações contidas no Manual de Registro das Sociedades Limitadas, publicado pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI, material de consulta indispensável para compreensão dos elementos e requisitos exigidos para o arquivamento do contrato social. Aliás, de acordo com o referido Manual, são também cláusulas obrigatórias (i) a data de encerramento do exercício social, quando não coincidente com o ano civil; (ii) o foro competente.

Enfim, para concluir esta parte, podemos assim resumir as cláusulas que, segundo previsão legal, deverão obrigatoriamente estar presentes no contrato da sociedade limitada: (a) nome e qualificação dos sócios; (b) denominação, objeto, sede e prazo; (c) capital social; (d) a discriminação da quota de cada sócio e o modo de realiza-la; (e) a indicação das pessoas incumbidas da administração, suas atribuições e poderes; (f) a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas.

Voltemos agora o olhar para outras cláusulas a serem estabelecidas pelos sócios com a finalidade de melhor modelar as relações entre si e de cada um com a sociedade, relembrando o quanto já dito sobre a importância de o contrato discriminar os poderes e restrições do administrador e o critério de partilha dos resultados da sociedade, ressaltando a pertinência de prever-se retenção de certo percentual dos resultados positivos para a constituição de um fundo de reserva a ser destinado para investimentos, por exemplo. Assim, vejamos:

CESSÃO DAS QUOTAS

As regras envolvendo a transmissão dos direitos patrimoniais e pessoais de sócio, por ato entre vivos, merece ser refinada no contrato social, inclusive para efeito de inserção do direito de preferência de outros sócios na sua aquisição de acordo com o percentual de participação no capital social (solução que poderia conferir equilíbrio na oferta aos remanescentes interessados) ou mesmo a vedação da livre cessão a outro sócio sem a anuência dos demais. O texto legal em vigência permite a livre cessão das quotas a qualquer dos sócios independentemente do consentimento dos demais, o que, em tese, pode acolher ajustes entre determinados sócios para alcançar o controle. Possível, ainda, uma cláusula que oriente a oferta da cessão para a própria sociedade.

Tudo vai depender da convergência de interesses dos sócios que, naturalmente, devem priorizar a preservação da empresa, valendo sempre lembrar que a regulação do assunto previne aborrecimentos e futuros conflitos.

FALECIMENTO DE SÓCIO

Outro ponto de destaque fica para a cláusula que aborde a sucessão em caso de falecimento de algum sócio. Em oposição à automática liquidação das quotas do sócio falecido, possibilita a lei tratamento diverso previsto no contrato social. Assim, podem os sócios pactuar a continuidade da sociedade com os sucessores do sócio falecido, afastando a regra da liquidação das quotas com a redução do capital social operada pelo pagamento dos haveres. Aliás, os sócios podem optar até mesmo pela previsão de dissolução da sociedade em caso de falecimento de determinado sócio.

RETIRADA DE SÓCIO

Aproveitando o tema “resolução da sociedade em relação a um sócio”, expressão utilizada pelo Código Civil, outra questão importante diz respeito ao recesso que venha a ser exercido por sócio que não concorde com alguma modificação do contrato social, ou seja, que manifeste a intenção de se retirar da sociedade por divergência quanto a alguma alteração do contrato, mediante o reembolso de seus haveres. Aliás, para diluir qualquer controvérsia acerca da possibilidade de sócio de sociedade limitada contratada por prazo indeterminado exercer o direito de retirada imotivadamente, convém dispor o contrato social quanto a esta possibilidade, explicitando-se, inclusive, a forma pela qual serão apurados os seus haveres.

Se o contrato social não contiver regras específicas que definam o modo e critério para apuração e pagamento dos haveres, será imposta à sociedade a liquidação das quotas com base na sua situação patrimonial à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado, para pagamento em dinheiro no prazo de 90 dias após a liquidação (art. 1.031 do Código Civil). A aplicação da regra legal pode comprometer a saúde financeira e patrimonial da sociedade, com reflexo no seu capital social que sofrerá a correspondente redução.

Portanto, recomendável a previsão de cláusula que discipline o assunto e disponha, por exemplo, pela devolução ao sócio retirante do bem que sido entregue à sociedade à título de integralização das suas quotas, se ainda compuserem o acervo patrimonial da sociedade. Outras hipóteses podem ser pensadas, como a exclusão de alguns bens quando do levantamento do valor das quotas do sócio retirante.

EXCLUSÃO DE SÓCIO MINORITÁRIO

A exclusão extrajudicial de sócio minoritário por deliberação da maioria é possível desde que haja autorização no contrato social e justa causa. Segundo o art. 1.085 do Código Civil, a exclusão de sócio minoritário se opera diante da prática de atos de inegável gravidade.

Nesse sentido, conveniente que a cláusula também discrimine quais atos são reputados graves o suficiente para a exclusão, diluindo a indeterminação do conceito de “falta grave” ou “justa causa”. Com isso são mitigadas subsequentes discussões e até demandas judiciais para anulação das deliberações de sócios com fundamento na genérica e flexível interpretação de “atos de inegável gravidade”.

LIQUIDAÇÃO DAS QUOTAS

Um tema comum aos casos acima tratados é a liquidação da quota a partir do rompimento do vínculo de um sócio com a sociedade que terá continuidade com os sócios remanescentes. Conforme já comentado, caso o contrato social não discipline o critério para determinação do valor das quotas, deverá a sociedade promover a liquidação com base na sua situação patrimonial a ser verificada em balanço especialmente levantado, afastando, inclusive, dados constantes em escrituração contábil. O tratamento legal ao tema também implica pagamento em dinheiro e no prazo de 90 dias após a liquidação. Judicialmente a apuração do valor da quota será conduzida por perito que adotará como referência o valor de mercado dos bens que compõem o patrimônio da sociedade no momento do fato.

Portanto, do ponto de vista prático e estratégico aos negócios e à preservação da sociedade, cujos interesses devem ser priorizados, oportuna a inserção de cláusula que estabeleça critérios para a liquidação das quotas do sócio retirante, excluído ou falecido, definindo a forma de avaliação (se com base no valor patrimonial contábil ou valor econômico presente, por exemplo), o modo e tempo de pagamento, isto é, se através de bens ou em dinheiro, parceladamente ou não.

Não se pode perder de vista que, a depender da cifra a que corresponder os haveres apurados, a continuidade da própria sociedade pode se tornar inviável. Não é incomum o enfrentamento de tais situações pelas sociedades.

OUTRAS SITUAÇÕES

Além dos casos já abordados, o Código Civil deixa outros aspectos da relação societária para livre ajuste pelos sócios, segundo sua conveniência, como, por exemplo: (i) a faculdade de o contrato estipular outras causas de dissolução (art. 1.035); (ii) a possibilidade de estabelecer quóruns nas deliberação sociais diversos daqueles dispostos no art. 1.076. Observe-se, todavia, que a flexibilização se aplica somente em relação a algumas matérias constantes do rol do art. 1.076, sendo que nos casos de maioria simples a alteração poderá ser introduzida para majorar e não para reduzir; (iii) o contrato da sociedade limitada também pode estabelecer quórum de instalação de reunião de sócios (art. 1.074) e sua periodicidade (art. 1.078).

Sem pretensão de exaurir o assunto, cite-se, ainda, a possibilidade de o contrato instituir conselho fiscal, órgão com competência para avaliar as práticas e atos dos gestores da sociedade (art. 1.066). A presença de uma cláusula compromissória também é questão de livre ajuste, impondo-se advertir pela necessária reflexão prévia dos sócios à sua efetiva inserção no contrato social, especialmente quanto ao procedimentos e custos.

CONCLUSÃO

A partir do quadro acima delineado, fica a certeza da importância de os sócios pensarem preventivamente o conteúdo do contrato de sociedade, o que lhes é facultado em prestígio à autonomia da vontade, mas com foco prioritário na preservação da sociedade. Para tanto, podem até ser necessárias inserções de cláusulas que sirvam de desestímulo à resolução do vínculo societário, já que a sociedade não está imune a oportunismos ou abuso do exercício de certos direitos pelos sócios. O contrato de sociedade compõe a categoria dos contratos de longa duração o que reforça a necessidade de suas cláusulas serem concebidas a partir de uma visão estratégica. 

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Tania Siqueira

Especialista em Direito Econômico pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas - GVLaw. Especialista em Direito Contratual pela Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial


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