alt-text alt-text

Redefinição do conceito de subordinação: necessidade de ampliação da sua abrangência?


Por Paula Jaeger da Silva em 31/10/2019 | Direito do Trabalho | Comentários: 0

Tags: Direito do Trabalho.

 

Resumo: A pesquisa apresenta um breve histórico da interpretação dada ao conceito da subordinação enquanto elemento caracterizador e distintivo da relação de emprego. A partir da compreensão da natureza jurídica da subordinação tal como se conhece atualmente, se demonstra que o conceito se encontra em crise, tendo em vista fenômenos atrelados a evolução da sociedade, como por exemplo a alteração dos modos de produção, globalização, inovação tecnológica, etc. Assim, o questionamento que se objetiva responder é: As novas formas de prestação de trabalho devem ser abrangidas pela relação de emprego através da ampliação do conceito da subordinação jurídica? Para responder ao problema se utiliza do método hipotético-dedutivo e se percorre um caminho apresentando algumas teorias modernas que visam a alteração da conceituação da subordinação com o objetivo de abranger um número maior de trabalhadores para a relação de emprego. Em contrapartida, se apresentam novas figuras jurídicas criadas nos ordenamos italiano e espanhol com o fito de albergar trabalhadores que prestam atividades que não se encaixam nos conceitos tradicionais de trabalho subordinado, tampouco de trabalho autônomo, criando novas espécies de trabalho, denominadas “semi-autônomos”. Por fim, conclui-se que em um cenário globalizado a tendência é de criação de novas figuras laborais e para manter o país competitivo economicamente se deve acompanhar o desenvolvimento de forma que se permita construir um ordenamento jurídico que comporte múltiplas formas de trabalho, protegendo estas modalidades conforme a realidade de cada uma, ao invés da tentativa de proteção apenas na seara da relação de emprego.

 

1. INTRODUÇÃO

O trabalho assalariado surge na Idade Moderna, inaugurando uma relação de trabalho baseada na liberdade e na autonomia da vontade do trabalhador, adentrando na era do contratualismo.

Surgiu então, o Direito do Trabalho com o objetivo de equilibrar as forças entre os empregadores e os empregados, estes considerados hipossuficientes da relação. Destaca-se que a abrangência da proteção trabalhista celetista delimita seu objeto no trabalho subordinado, deixando de fora de sua tutela os trabalhadores que estão enquadrados em outras espécies de trabalho, como por exemplo, os trabalhadores autônomos.

Assim, para fazer a delimitação dos trabalhadores protegidos a Consolidação das Leis Trabalhistas estabeleceu alguns critérios, sendo um deles a presença da subordinação que, sem dúvidas, é um dos critérios mais problemático e passível de discussão, tanto é assim que ao longo dos anos o conceito da subordinação passou por diversas interpretações, conforme se demonstrará na pesquisa.

O contexto socioeconômico e o nível tecnológico da época do surgimento do Direito do Trabalho propiciaram a identificação da subordinação jurídica na obediência do trabalhador às ordens emanadas pelo tomador dos serviços. Assim, o trabalhador despendia sua força braçal de trabalho em troca de salário e em contrapartida o empregador usufruía do trabalho, pagava o salário e era o responsável por emanar às ordens e organizar a produção, de modo que era possível aplicar sanções (previstas em lei) em caso de descumprimento das ordens.

Naquela época o sistema de produção vinculava seu funcionamento ao controle direto e intenso dos serviços prestados pelo trabalhador. O fordismo e a teoria da administração científica inaugurada pelo taylorismo revelavam um modelo de produção que atrelava o lucro à eliminação dos tempos ociosos do trabalhador, o que só seria possível através de um controle rígido e intenso dos serviços prestados.

Desta forma, cabia ao Direito do Trabalho prestar proteção ao trabalhador hipossuficiente que estava diretamente sujeito às ordens diretas do tomador dos serviços, sendo alvo de um controle rígido de horário e de uma disciplina hierárquica marcante.

As lógicas produtivas foram alteradas e se passou prestigiar também uma prestação de serviços que revela maior autonomia em sua execução e diante dessa realidade socioeconômica a subordinação encontrou entraves de aplicação. Registra-se que não se está dizendo que não existe mais o trabalho subordinado sob os meios de produção mais remotos onde há intensa subordinação, mas sim, que ganhou espaço na sociedade outra forma de produzir, onde a fiscalização se dá de forma mais horizontal e que as responsabilidades são mais divididas, fazendo com que todos trabalhem em conjunto e consequentemente as ordens já não são dadas da mesma forma.

Sendo assim, não tendo sido a subordinação jurídica clássica pensada e preparada para a realidade socioeconômica, tecnológica e globalizada vivida atualmente, o conceito encontra-se em um cenário de crise, fazendo com que diversas teorias surjam no sentido de redefinir o conceito.

Diante do cenário descrito de mudança de sociedade e de dificuldade de aplicação do conceito da subordinação criado no século passado às novas relações de trabalho que surgem a todo momento em ritmo frenético, com o impulsionamento tecnológico, o problema da presente pesquisa que se estabelece é: As novas formas de prestação de trabalho devem ser abrangidas pela relação de emprego através da ampliação do conceito da subordinação jurídica?

Para responder o problema primeiramente se faz a apresentação do conceito da subordinação em sua versão clássica demonstrando que a própria natureza jurídica do conceito já sofreu diversas alterações até se estabelecer a subordinação jurídica tal como se conhece atualmente.

Em um segundo momento inicia-se a abordagem da crise do Direito do Trabalho e consequentemente do conceito da subordinação clássica fazendo um contraponto com a análise do novo contexto histórico em que está inserida a sociedade moderna. Após, apresenta-se algumas teorias que sugerem uma modernização do conceito da subordinação de forma que amplie o objeto do Direito do Trabalho, e por fim, pontua-se que a legislação estrangeira também verificando a questão de declínio do trabalho subordinado inaugura algumas figuras com o fito de ter um “meio termo” entre a dicotomia tradicional do trabalho autônomo x trabalho subordinado, que podem ser denominadas de “semi-autônomos”.

Utiliza-se na pesquisa do método hipotético-dedutivo e se objetiva apresentar uma visão que tenta conciliar tanto o cenário protetivo do Direito do Trabalho como também o cenário empresarial, que precisa sobreviver em um mundo globalizado e com competitividade acirrada, para assim, elevar o patamar socioeconômico do país, proporcionando crescimento industrial, de produção, de trabalho e de renda para os cidadãos.

2. A subordinação como elemento caracterizador da relação de emprego: histórico e visão clássica

O Direito do Trabalho surge no período pós Revolução Industrial (a partir do século XVIII) com o objetivo de proteger os trabalhadores em face de eventuais abusos dos empresários, garantindo um patamar mínimo de condições de trabalho, através, por exemplo, de limitação de jornadas de trabalho e de garantia de uma remuneração mínima pelo trabalho desempenhado.

Destaca-se que o Direito do Trabalho possui abrangência de aplicação apenas a uma parcela dos trabalhadores da sociedade, que são aqueles cidadãos sujeitos de uma relação de emprego. Esclarece-se que o trabalho é considerado gênero, pois engloba qualquer atividade que despende força humana laboral, seja para fins de subsistência, de hobby, etc., do gênero trabalho decorrem diversas espécies de trabalho, sendo uma delas o emprego, podendo ser citado também o trabalho autônomo, o trabalho voluntário, etc.

No Brasil, a relação de emprego protegida pelo Direito do Trabalho foi consagrada através da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, promulgada em 1973, onde ficou estabelecido quem é o empregador e quem é o empregado nos artigos 2º e 3º, respectivamente, e a partir destas normas se extraem os elementos da relação empregatícia.  

Assim, da leitura conjugada dos referidos artigos, cinco elementos essenciais podem ser extraídos, o primeiro,  encontra-se logo na parte inicial da definição de empregado, no art. 3º, da CLT: “Considera-se empregado toda pessoa física...”; o segundo, a pessoalidade, acha-se mencionado na parte final do art. 2º: “...prestação pessoal de serviço”; o terceiro é a habitualidade, pois o texto do artigo 3º faz menção aos serviços “de natureza não eventual”; o quarto elemento é a onerosidade e está consagrada nos dois dispositivos, ora pela menção ao empregador como sendo quem “assalaria” (artigo 2º), ora pela alusão ao empregado como aquele que trabalha “mediante salário” (art. 3º); por fim, o quinto elemento é a subordinação, que também é mencionada em duplicidade, no art. 2º com a referência ao empregador como o que “dirige” a prestação de serviços, e no art. 3º, com a identificação do empregado como sendo quem trabalha sob a “dependência” do tomador de serviço.

O elemento caracterizador da relação de emprego que causa maior discussão sem dúvida é o da subordinação, objeto deste estudo, pois trata-se de um pressuposto definidor da relação de emprego que delimita a abrangência do Direito do Trabalho.

Gize-se que o conceito da subordinação é bastante controvertido e sofreu diversas modificações ao longo do tempo, por isso, Vilhena (2005. p. 513). ao enfrentar a temática adverte que:

“não se tem a menor dúvida de que a subordinação, tal como a vê o jurista em seu tempo, é um desprendimento de fundo histórico e corresponde ao pensamento jurídico dominante no modo de equacionar as forças jurídicas conflituais de uma época.”

Para Amauri Mascaro Nascimento (2010, p. 209) a “teoria da subordinação nasceu do direito italiano clássico, com a contribuição doutrinária de Ludovico Barassi, para distinguir o trabalho do operário da indústria europeia da locação de serviços das teorias civilistas da época”.

Embora a CLT não traga especificamente o termo subordinação no seu texto, mas sim o vocábulo dependência, a doutrina acabou por consagrar expressão subordinação, segundo a concepção clássica, estava evidenciada na relação quando o empregado estivesse sujeito às ordens do seu chefe, podendo, inclusive, serem aplicadas punições disciplinares quando da infringência de alguma norma (dentro dos limites legais).  

Assim, a subordinação era explicada como um dever do empregado de se submeter às ordens ditadas pelo empregador, possuidor do poder diretivo e limitado ao contrato de trabalho, sendo que quando essas ordens eram descumpridas, o empregador poderia fazer o uso do seu poder e aplicar sanções (previstas em lei). Desta forma, Mannrich (1998, p. 120) refere que “há uma relação de dever e poder, onde o dever de obediência submete-se a um poder de comando: eis a essência da dependência jurídica, ou seja, a subordinação”.

Então, compreendido o conceito de subordinação, na sua acepção clássica, a doutrina juslaboralista passa a debater a natureza jurídica do critério da subordinação, surgindo algumas teorias:

(i) teoria da dependência econômica, sustenta que a subordinação está configurada quando há uma dependência em termos financeiros por parte do trabalhador em relação ao empregador, fundada na ideia que o trabalhador para viver e garantir a subsistência da sua família depende do salário que é pago pelo empregador. Assim, parte-se do pressuposto de que o trabalhador possui inferioridade econômica em relação ao empregador (RUSSOMANO, 1990, p. 27).

Tal teoria parece não revelar o caráter distintivo da relação de emprego, tendo em vista que, por exemplo, há a possibilidade de um empregado possuir outra fonte de renda que não advenha da relação de emprego, assim, ele não estaria dependendo economicamente daquela relação. Além da possibilidade de pluralidade de vínculos laborais a teoria comporta crítica também na hipótese um ganhador da loteria continuar no seu emprego, sendo subordinado do seu chefe, ou seja, aquele trabalhador não deixa de ser empregado por ter maior poder econômico que o empregador.

Como se vê, ao considerar a teoria da dependência econômica como natureza jurídica da subordinação se estaria excluindo da relação de emprego todos aqueles trabalhadores que não dependem exclusivamente do seu salário para sobreviver, além daqueles que venham a ter maior poder aquisitivo que o empregador, e assim, parece não ser este o objetivo do elemento principal na análise da relação de emprego.

(ii) teoria da dependência técnica, defende que a subordinação está presente nas relações em que o trabalhador não pode realizar tarefas de acordo com suas preferências pessoais, mas sim, segundo a determinação ou preferências do empregador (RUSSOMANO, 1990, p. 27).

 Visualiza-se que a dependência técnica tentou demonstrar que a direção técnica da atividade do empregado pelo empregador seria o elemento capaz de configurar a subordinação. Entretanto, esta teoria não se sustenta, afinal, as empresas podem contratar empregados experts que possuem conhecimentos específicos que não necessitem obedecer às ordens do empregador referente a atividade realizada (sendo que este pode até não ter o conhecimento da atividade do empregado). Assim, esta linha de subordinação parece, inclusive, não abranger na relação de emprego os trabalhadores intelectuais, como por exemplo o advogado. 

(iii) teoria da dependência social, segundo Russomano (1990, p .28), essa teoria representa o último dos esforços dos defensores do critério da dependência econômica para a caracterização da subordinação, pois, defendem que há relação de emprego subordinado quando se criar, para o trabalhador, ao mesmo tempo, uma situação de dependência econômica e hierárquica, ou excepcionalmente, só econômica ou só hierárquica.

Alguns autores ainda chegaram a afirmar que a subordinação estava presente quando o empregado estivesse em posição social inferior ao empregador, por ser este o titular do empreendimento, porém, tal situação não é exigida no contrato de trabalho, assim, tal teoria não teve grandes adeptos.

(iii) teoria da dependência hierárquica (como foi chamada por Russomano (1990, p. 29)), mais conhecida como subordinação jurídica, apresenta como conceito de subordinação as ideias da jurisprudência francesa do início do século XX, sendo clássica a definição de Paul Colin (COLIN apud CATHARINO, 1965, p. 39):

“Por subordinação jurídica entende-se um estado de dependência real criado por um direito, o direito do empregador de comandar, dar ordens, donde nasce a obrigação correspondente para o empregado de se submeter a essas ordens. Eis a razão pela qual se chamou de subordinação jurídica, para opô-la à subordinação econômica e à subordinação técnica que comporta também uma direção nos trabalhos do empregado, mas direção que emanaria apenas de um especialista.”

Assim, na doutrina trabalhista o conceito de subordinação jurídica acabou se sobrepondo às noções de dependência econômica, técnica e social e foi compreendida como decorrente de um contrato de trabalho, sendo que nele se encontraria seu fundamento e limites. Por decorrer de um contrato de trabalho que é um instrumento jurídico, foi denominada de subordinação jurídica. Então, quando um trabalhador firma um contrato de trabalho com uma empresa fica a ela subordinado quanto às ordens e à direção do serviço, em contrapartida recebe uma remuneração.

Dessa forma, a dependência do empregado é o resultado de um ato de sua livre vontade, manifestado através do contrato de trabalho (expresso ou tácito) e que decorre da própria organização empresarial, ou seja, passou-se a admitir a natureza contratual da subordinação jurídica estando os poderes diretivos do empregador limitados ao contrato de trabalho através do qual o empregado se compromete a prestar sua força laboral em favor do empregador, que tem poder de dirigir e comandar a prestação do serviço. 

Essa possibilidade de poder diretivo do empregador que está atrelada à subordinação jurídica se justifica pela alteridade, que representa a assunção dos riscos da atividade por parte do empregador (art. 2º da CLT). Assim, o empregador assume os riscos do empreendimento e em contrapartida possui o direito legítimo de dispor de toda unidade técnica de produção, onde está incluída a força de trabalho dos empregados (SUSSEKIND, 2005, p. 245).  

Desta forma, o empregador utiliza-se da força do empregado para o interesse do empreendimento no qual assumiu os riscos e o empregado obriga-se a deixar-se ser dirigido em conformidade com os fins que este se propõe a alcançar na atividade econômica.

Assim, é possível afirmar que a subordinação jurídica possui fundamento na existência de um contrato de emprego, do qual decorre a natureza jurídica tanto da subordinação, como do poder diretivo e dos riscos da atividade econômica, sendo que esta relação é o que Alan Supiot (2016, p. 133-134) refere ser a pedra angular do Direito do Trabalho, que tem como objetivo essencial limitar o exercício do poder detido pelo empregador, que se translada para a relação através de determinações do tempo e do modo de prestação do serviço por parte do obreiro.

Registra-se que Romita (1979, p. 60) refere que a subordinação jurídica pode ser averiguada na relação de emprego sob duas vertentes: “a) para o empregador, no poder de dirigir e fiscalizar a atividade do empregado; b) para o empregado, na obrigação correspondente de se submeter às ordens do empregador”.

Ainda dentro de uma visão clássica da subordinação jurídica, Nascimento (2005, p. 603) refere: “A subordinação significa uma limitação à autonomia do empregado, de tal modo que a execução dos serviços deve pautar-se por certas normas que não serão por ele traçadas”, assim, identifica-se que o empregado entrega o comando da sua atividade ao empregador e este, por sua vez, dirige, controla e orienta a prestação de serviço do empregado.

Destaca-se que esse conceito de subordinação jurídica era facilmente identificado no período de surgimento do Direito do Trabalho, em que os empregados estavam no interior das fábricas típicas do início da industrialização séculos XVIII e XIV e se destacava o modelo de produção taylorista e fordista, onde o patrão ditava o tempo e o modo de produção que acontecia dentro empresa sob a supervisão deste.  

Porém, inegável as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e na própria forma de organização deste, resultando no surgimento de novo sistema de produção, o Toyotismo, marcado pelo que Antunes (2003, p. 53) chama de “acumulação flexível”, pois o trabalho desenvolve-se em uma estrutura produtiva mais flexível, recorrendo a desconcentração produtiva, à novas técnicas de gestão da força laboral, que divide as esquipes em times, que requer o “envolvimento participativo”, a “substituição” do empregado pelo colaborador, ou seja, trata-se de estrutura mais horizontalizada.

3. Crise da subordinação jurídica e novas propostas da subordinação

O Direito do Trabalho enquanto ramo autônomo da ciência jurídica nasce com o objetivo de proteger os empregados que estão em uma relação de vulnerabilidade, pois, são considerados parte hipossuficiente em relação ao empregador, detentor dos meios de produção.

Gize-se que as normas protetivas previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943 foram pensadas pelos legisladores para a realidade em que se vivia no século XX e vale destacar que os meio de produção eram diferentes dos atuais, os trabalhadores em sua maioria estavam lotados dentro das fábricas onde exerciam atividades braçais e repetitivas, e, então, cabia ao Direito do Trabalho estabelecer os limites para duração de jornada, remuneração mínima, férias, etc.  

Ocorre que desde então a sociedade como um todo foi se transformando e obviamente essa mudança perpassa pelas relações de trabalho.  Como já referido, um dos fatores de evolução social foi a alteração dos meios de produção, onde há praticamente um abandono do modelo de organização taylorista, caracterizado pela divisão do trabalho em tarefas específicas, o aumento da produtividade e grande nível de subordinação e também do modelo fordista, onde se visualizava uma padronização dos produtos, produção em grande escala, uso de linhas de montagem e divisão do trabalho em pequenas tarefas,  para uma maior adoção do modelo toyotista, que preza pela produção diversificada, eliminação de desperdício, autonomia e trabalhadores com múltiplas tarefas (ANTUNES, 2003, p. 29).

Outro fator de inegável mudança foi ocasionado pela globalização ao promover as integrações das economias mundiais, impondo a necessidade de uma redução na atuação estatal, inclusive na seara trabalhista, para que se tenha um mercado mais competitivo mundialmente. Então, com o baixo crescimento econômico e a crise política brasileira, o Estado é posto em xeque e a autonomia privada ressurge com força e apela por um Estado menos interventivo para que se tenha liberdade de negociação para alavancar a economia do país.

Além da reestruturação do sistema produtivo e da globalização a sociedade atravessa um período de grande intervenção tecnológica que afeta diretamente os postos de trabalho. Na era da internet e das Tecnologias da Informação (TICs) os conceitos de jornada de trabalho, de local onde se presta serviço, de intervalos de descanso, etc, passam a ser mais “turvos” pois estas questões não estão visíveis com tanta objetividade nas relações trabalhistas como antes, afinal, atualmente é comum trabalhar em regime de teletrabalho, ter contato com o empregador e colegas de trabalho via redes sociais após jornada de trabalho, de escolher a jornada que melhor se encaixa na sua rotina, de prestar serviço para uma empresa sem nunca ter conhecido ser chefe, etc.

Todo esse contexto gerou uma crise no Direito do Trabalho, apontada pela professora Maria do Rosário Palma Ramalho de forma didática juntamente com as fases anteriores ao qual o Direito Trabalhista atravessou: a da consolidação na década de 1920; da publicização, no período corporativista; do relançamento, ocorrida entre os anos de 1950 e 1970 e por fim, a da crise, a partir da década de 1970 até a atualidade (RAMALHO, 2005, p. 48).

Em paralelo com a crise do Direito do Trabalho está a crise da subordinação jurídica clássica, pois este é um dos pilares ao qual está assentada a legislação trabalhista. A proliferação de novas formas de trabalho consideradas atípicas, onde não se consegue visualizar a autonomia tampouco a subordinação, deixou dúbio o cenário laboral:

"Neste modelo atual a subordinação é diluída. A fábrica mínima, estrutura ideal da produção pós-fordista requer um novo perfil de trabalhador. Chefias e gerências são substituídas, sempre que possível, pela responsabilização de cada um dos trabalhadores pela tarefa a ser desenvolvida. A subordinação passa de um controle direto, presente, efetivo, para uma atribuição de responsabilidade sutil e frequentemente cobrada pelo empregador." (Alves, 2004, p. 78)

Assim, se no âmbito do modelo taylorista e fordista de produção era fácil identificar o trabalhador empregado, afinal as empresas eram as detentoras dos fatores de produção e optavam por exercer um controle direto e intenso sobre os trabalhadores, tal realidade não se verifica nas diversas formas de trabalho existentes atualmente, que sequer se encaixam nas diretrizes na relação de emprego.

Nas novas formas de prestação de labor a maioria das empresas não exercem direta e intensamente o poder diretivo, que acaba sendo internalizado pelo trabalhador, as ordens ocorrem de maneira mais horizontalizada, de responsabilidade de todos os envolvidos, não se consegue mais, através do critério da subordinação jurídica clássica, identificar precisamente que é empregado e quem não é.

Romita (1979, p. 82) no fim da década de 70 já sinalizava que a subordinação jurídica era objeto de discussão, especialmente pela sua abrangência de proteção e cita a existência de corrente doutrinária que buscava a ampliação do objeto do Direito do Trabalho. Tal discussão tem ganhado força ao longo dos anos, pois o critério subjetivista que considera a existência da subordinação a partir das ordens de direção, da fiscalização, do poder de mando e obediência já não são suficientes para albergar as relações atuais existentes.

Se no período pós Revolução Industrial e pós promulgação da Consolidação das Leis Trabalhistas o cenário do mercado de trabalho brasileiro caminhava na direção de abrangência dos trabalhadores pelo emprego formal a realidade atual mudou, pois, conforme demonstra pesquisa publicada em  janeiro de 2018 pelo IBGE (Pesquisa Pnad, fonte IBGE, 2018) ficou demonstrado que os trabalhadores sem carteira assinada e “por conta própria” (conforme classificação do órgão pesquisador) superaram o número de empregados com vínculo empregatício em 2017, pela primeira vez na história.

Tal pesquisa demonstra o fenômeno de mudança da sociedade que se está referindo ao longo deste trabalho, afinal, a partir dessa análise, o que se percebe é que a relação de emprego, como trabalho subordinado previsto no século passado vem perdendo força no mercado de trabalho, ao revés, as demais modalidades de trabalho, também chamado de contratos atípicos vêm ganhando espaço, inclusive superando o emprego, como aconteceu recentemente.

Assim, não resta dúvidas de que o significado do conceito de subordinação da atualidade não corresponde com do século passado, “é inquestionável o fato de que, no contexto das transformações, o contrato de trabalho ressentiu-se e está sendo substituído por outras formas contratuais, umas atípicas, outras inteiramente novas e algumas pensadas pelos juristas para atender às necessidades inadiáveis tanto do empregado quanto do trabalhador” (BORBA, 2004, p. 233).

Na tentativa de atualização do conceito da subordinação, alguns juristas se propuseram a pensar no sentido de dilação do objeto do Direito do Trabalho, com o fito de albergar maior número de trabalhadores. Algumas teorias surgiram como propostas para uma mudança no conceito da subordinação jurídica e serão brevemente abordadas.

Romita (1979, p 81), propõe a subordinação objetiva, por entender que que o critério tradicional subjetivista e personalista, que considera a subordinação pelo prisma da direção e fiscalização, do poder de mando do empregador e dever de obediência do empregado, mostra-se insuficiente.

 Na concepção subjetivista da subordinação jurídica o poder de direção ocorre sob a pessoa do empregado, então, o autor defende a ideia de que a subordinação jurídica deve ser identificada a partir do poder de direção da atividade do trabalhador e não da sua pessoa, mas pondera referindo a não isenção de conotações pessoais:

A subordinação gravita em torno da atividade. Exercita-se, porém, sobre comportamentos de recíproca expressão, que se definem pela integração da atividade do empregado na organização empresarial. É certo que a própria pessoa do trabalhador está envolvida a relação de trabalho, mas é a atividade do empregado que se insere na organização da empresa. A relação de trabalho, caracterizada pela subordinação, é uma relação intersubjetiva (por isso, não isenta de conotações pessoais), mas o vínculo de subordinação é o de ordem objetiva, pois visa à atividade do empregado. (ROMITA, 1979, p. 81)

Então, considerando a acepção objetiva da subordinação jurídica, Romita propõe o conceito de subordinação:

Fixando o conceito objetivo de subordinação, chega-se à assertiva de que ela consiste em integração da atividade do trabalhador na organização da empresa mediante um vínculo contratualmente estabelecido, em virtude do qual o empregado aceita a determinação, pelo empregador, das modalidades de prestação de trabalho. (ROMITA, 1979, p. 82)

Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena (2005, p.256), na mesma ideia de Romita, vai defender a subordinação atrelada à integração da atividade na organização do empregador: “Tem-se, pois, conceitual e objetivamente, a subordinação como a participação integrativa da atividade do trabalhador na atividade do credor de trabalho”. Percebe-se nesta teoria que a integração do trabalhador e o seu labor aos objetivos empresariais é o elemento essencial para verificação da subordinação.

Maurício Godinho Delgado (2017, p. 328), por sua vez, encampa no Brasil a tese da subordinação estrutural e a define pela “inserção do trabalhador na dinâmica do tomador dos seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente sua dinâmica de organização e funcionamento”.

Segundo Delgado, não importa que o trabalhador esteja ou não atrelado aos objetivos empresariais, tampouco que receba ordens diretas dos seus chefes, sendo fundamental para a subordinação estrutural que este trabalhador esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa do tomador de serviços.  O autor completa referindo que as três dimensões da subordinação jurídica (clássica, objetiva e estrutural) não se excluem, mas sim, se complementam com harmonia permitindo que se adeque o conceito jurídico, pela via interpretativa, às mudanças da realidade e renovando o expansionismo do ramo juslaborativo (DELGADO, 329-330).

Já Lorena Vasconcelos Porto propõe que conjuntamente com a subordinação clássica se conjugue o que ela chama de subordinação integrativa, que nas que nas palavras da autora “faz-se presente quando a prestação de trabalho integra as atividades exercidas pelo empregador e o trabalhador não possui uma organização empresarial própria, não assume verdadeiramente os riscos de perdas ou ganhos e não é proprietário dos frutos do seu trabalho” (PORTO, 2009, p. 253).

As teorias sobre as novas conceituações da subordinação não se esgotam nas que foram aqui referidas e esta “multiconceituação” se reflete na jurisprudência, que se utiliza do livre convencimento dos magistrados para, na prática, conseguir enquadrar os fatos na norma jurídica referente à subordinação para a caracterização ou não de uma relação de emprego, conforme se observou nos artigos 2º e 3º da CLT.

Veja-se que a jurisprudência não é uníssona ao se deparar com a análise do pressuposto da subordinação. Como exemplo, cita-se abaixo dois julgados envolvendo o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego por motorista de aplicativo e que a análise da subordinação se deu sob fundamentos diferentes, a primeiro decisão foi baseada nas teorias modernas que buscam abranger o objeto do Direito do Trabalho e a segunda decisão baseia-se na concepção da subordinação jurídica clássica:

[...] Por isso, o exame das demandas judiciais que envolvem os novos modelos de organização do trabalho deve se dar à luz das novas concepções do chamado trabalho subordinado ou parasubordinado, especialmente considerando o avanço da tecnologia. [...] (TRT – 2ª REGIÃO, PROCESSO nº 1000123-89.2017.5.02.0038 (RO), RECORRIDAS: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., UBER INTERNATIONAL B.V. E UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V ORIGEM: 38.ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO RELATORA: BEATRIZ DE LIMA PEREIRA, DATA 24/08/2018).

[...] Existe subordinação do empregado ao empregador quando evidenciado o poder de direção e comando deste último em relação ao primeiro, interferência efetiva no modo de desempenho de atividade e de tempo a ela dedicado, o que se comprovou não ter havido entre as partes. A subordinação não se revela apenas por orientações dadas diretamente ao motorista ou pela internet. [...] (TRT-3ª REGIÃO – 9ª TURMA, PROCESSO nº 0011359-34.2016.5.03.0112 (RO), RECORRENTE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., RECORRIDO: RODRIGO LEONARDO SILVA FERREIRA, RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA STELA ÁLVARES DA SILVA CAMPOS, DATA 23/05/2017).

Apesar de parte da doutrina brasileira defender a ideia de flexibilizar o critério da subordinação com o fito de ampliar o objeto do Direito do Trabalho, acredita-se que esse caminho não se mostra compatível com os rumos que a sociedade e em especial o trabalho em nível mundial tem tomado.

A revisitação do Direito do Trabalho se mostra imprescindível, sob pena de ficar obsoleta, pois, conforme mostram as pesquisas, cada vez menos trabalhadores estão albergados pelo regime celetista. A migração de trabalhadores para outras modalidades de trabalho por si só não pode ser considerada uma precarização, conforme já dito, o emprego é apenas uma espécie de trabalho ao lado de outras espécies que também vão permitir uma vida digna ao trabalhador, tanto é assim que a Constituição Federal no inciso IV do artigo 1º da Constituição Federal refere o direito ao trabalho, o que não é idêntico ao direito do trabalho. O primeiro está inserido tanto no âmbito dos direitos humanos quanto no âmbito dos direitos fundamentais sociais, já o direito do trabalho está apoiado em normas constitucionais e infraconstitucionais, que estabelecem um padrão de regulação ao assalariamento, de proteção à saúde do trabalhador, limite de jornadas de labor, etc.

Ao se identificar a crise no conceito da subordinação decorrente da crise do Direito do Trabalho não significa dizer que este não deve existir ou deve ser mitigado, mas sim, deve ser revisitado e adequado a realidade do mundo atual:

Crise indica ruptura no funcionamento de um determinado sistema, podendo ainda sugerir a revisão de valores e de princípios fundantes de uma determinada ciência. A expressão crise do Direito do Trabalho parece indicar mudança profunda ou revisão das bases que deram sustentação e autonomia a essa ciência jurídica. Em outras palavras, parte-se do pressuposto de que certas bases sobre as quais se assentava determinado sistema, no caso o Direito do Trabalho, devem ser revisitadas, repensadas ou até abandonadas, em face das novas realidades e diferentes concepções de valores. (MANNRICH, 2018, P. 206)

E uma atualização da legislação laboral não significa necessariamente trazer mais trabalhadores para a relação de emprego, afinal a vida real demonstra que o movimento tem sido reverso, ou seja, a maior parte da população ativa que despende força de trabalho no Brasil não se encontra protegida pelo Direito do Trabalho.

Assim, acredita-se que conjugando a situação econômica, que não pode ser desconsiderada, afinal, sem economia não se tem trabalho e somada as questões tecnológicas e de globalização, a necessidade é de se pensar em formas de valorização e de proteção das outras modalidades de trabalho e até mesmo o surgimento de novas espécies laborais, que estimulem o empreendedorismo, o crescimento econômico, a renda do brasileiro, etc.

Na linha de modernização das relações de trabalho, a doutrina estrangeira tem criado figuras jurídicas intermediárias para abranger as novas formas de trabalho, são figuras que estão posicionadas entre o trabalho autônomo e o trabalho subordinado e tem sido chamada pela doutrina de “semi-autônomos”.

 Um exemplo de trabalhado “semi-autônomo” é o trabalho parassubordinado, inserido no ordenamento italiano com a Lei Biaggi, e que possui como elementos constitutivos, segundo entendimento firmado pela doutrina a continuidade da relação, a natureza preponderantemente pessoal da prestação e, especialmente, a existência de uma colaboração ou ligação funcional entre a atividade do prestador de serviços e aquela de seu tomador (SILVA, 2004, p. 104).

Sobre o tema, Otávio Pinto e Silva (2004, p. 104) afirma que "para o conceito de trabalho parassubordinado assume relevância a ideia de coordenação, no sentido de uma peculiar modalidade de organização da prestação de serviços".

Após a criação do trabalhador parassubodinado a jurisprudência e doutrina italiana buscam evoluir a figura desta espécie de trabalho discutindo os direitos a eles alcançados, bem como a limitação de quem poderiam ser esses sujeitos, e então, é instituído o Decreto Legislativo 276/2003 que cria um novo elemento caracterizador das relações de parassubordinação: o projeto, programa ou fase deste e por isso se chamou de “lavoro a progetto”.

De acordo com a nova dicção legal, todas as relações de colaboração continuativa e coordenada deverão, a partir da promulgação do decreto, contemplar um projeto específico em sua configuração; caso contrário, serão consideradas relações de trabalho subordinado por tempo indeterminado desde a data de sua constituição.

Além das figuras desenvolvidas na Itália a partir da ideia da parassubordinação, o ordenamento espanhol criou a figura do autônomo economicamente dependente (Lei nº 20 em 11 de julho de 2007), que são os trabalhadores que realizam uma atividade econômica profissional a título lucrativo e de forma habitual, pessoal, direta e predominantemente para uma pessoa física ou jurídica, denominada cliente, de quem depende economicamente por perceber, ao menos, 75% de seus rendimentos de trabalho e de atividades econômicas profissionais.

Aos trabalhadores enquadrados na espécie de economicamente dependente a legislação assegura alguns direitos em medida diversa do empregado subordinado clássico, cita-se como exemplo a garantia da jornada de trabalho, prevendo o direito à interrupção anual das atividades por 18 dias úteis, sem prejuízo de condição mais favorável prevista em contrato individual ou coletivo; dispõe que por meio de contrato individual ou acordo de interesse profissional será determinado o regime de descanso semanal e dos feriados, a quantia máxima de jornada e sua distribuição, ou seja, trabalhador tem direito à férias na proporção estipulada, bem como descansos semanais e nos feriados e previsão de fixação da jornada de trabalho.

Outra garantia referente à jornada laboral é a de que a realização de atividade por tempo superior ao pactuado contratualmente será voluntária, não podendo exceder o incremento máximo estabelecido em acordo de interesse profissional ou, na ausência deste, o percentual de 30% do tempo ordinário de atividade individualmente acordado. Tem-se, também, a garantia de que o horário da atividade procurará se adaptar a rotina do trabalhador, buscando permitir que este consiga conciliar a via pessoal, familiar e profissional.

Esses são alguns exemplos de figuras jurídicas criadas para englobar a realidade dos contratos de trabalho atípicos existente e que surgem como uma necessidade de atualização das novas formas de labor impostas pela sociedade globalizada e tecnológica em que se vive atualmente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que o surgimento do Direito do Trabalho no século passado estabeleceu seu objeto de proteção àqueles trabalhadores que preenchiam certas características estabelecidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas tendo em vista a realidade das formas de prestação de trabalho que se vivenciava.

Assim, na ótica legislativa da época os trabalhadores, pessoas físicas, que prestavam serviço de maneira pessoal, onerosa, com habitualidade e subordinada, ou seja, os empregados, precisavam ser protegidos legalmente para se estabelecer a igualdade de forças perante o empresário.

Ocorre que vigorava no país outros sistemas de modo de produção, o fordismo e depois taylorismo, então, os empregados estavam em sua grande maioria estritamente vinculados às ordens dos seus superiores, realizando atividades sob o comando direto destes que eram os responsáveis por pensar, organizar e administrar toda a produção.

Assim, ao pactuar um contrato de trabalho, de livre consentimento, as partes estavam acordando que o trabalhador despenderia sua força laboral em troca de salário e para isso se submetia à subordinação em relação ao seu chefe, nos limites contratados, prestando obediência no que se refere a execução de serviço, ou seja, horário da jornada, intervalo, salário, férias, etc.

Com o passar do tempo, muito a doutrina já discutiu sobre o elemento da subordinação na relação de emprego, provavelmente, por ser a linha mestra desta espécie de trabalho, que essencialmente a diferencia do trabalho autônomo, e como foi visto ao longo do trabalho, se estabeleceu que a subordinação jurídica seria considerada a natureza da relação.  

Ocorre que as mudanças na sociedade como a globalização, alteração do modo de produção, avanços tecnológicos, implementação das tecnologias da comunicação e informação alteraram o cenário do mundo do trabalho, fazendo com que novas formas de prestação de labor fossem surgindo.

Essas novas formas de prestação de trabalho começam ser chamadas de atípicas pois não se enquadram nas normas jurídicas existentes, que foram pensadas no século passado, e então, a doutrina começa a se movimentar no sentido de modificar o conceito da subordinação jurídica para que ele fosse mais abrangente e englobasse também esses “novos” trabalhadores, fazendo com que todos estejam sob o manto das regras celetistas.

Todavia, as pesquisas realizadas no âmbito nacional demonstram, conforme visto, que o Direito do Trabalho está em crise, pois nas últimas décadas tem havido um movimento reverso do que se imaginava em 1940 e os trabalhadores brasileiro estão exercendo suas atividades por conta própria, como empresários, autônomos, informais, ou seja, a legislação celetista é um privilégio para poucos.

Por óbvio que essa movimentação também decorre da crise econômica que assola o país e faz com que o número de desempregados cresça, buscando outras formas de sobrevivência. Porém, olhando para as legislações estrangeiras, em especial a italiana e espanhola, que sempre foram modelos inspiradores para o Brasil, parece que a tendência não é de se proteger os trabalhadores apenas no regime celetista, mas sim, atualizar as relações para que se leve algum nível de proteção para fora da esfera empregatícia.

Desta forma, acredita-se que para um desenvolvimento econômico que permita o país estar em nível de concorrência mundial, se necessita atualizar e modernizar as relações de trabalho permitindo que novas espécies surjam e possam ser pensadas, protegidas, reguladas de acordo com a sua realidade.

A subordinação, chave mestre da relação de emprego, não parece existir atualmente de tal forma como existia quando da sua criação. Não se pode negar que a autonomia dos empregados hoje em dia é muito maior, pelo menos em sua maioria, afinal, é comum a possibilidade de flexibilização de jornada, de trabalhar em locais diversos que não sob os olhos do chefe, de se ter vários trabalhos ao mesmo tempo, etc.

Sendo assim, entende-se que se a relação de emprego é baseada na subordinação e nas novas relações laborais existe uma subordinação mitigada ou sequer existe subordinação, deveria ser pensado novas formas de proteção para estes trabalhadores, tal como aconteceu na Itália e Espanha. Isso faz com que se gere mais atrativos financeiros para o país, que mais empresas queiram investir, que o crescimento econômico floresça e consequentemente gere frutos para todos. 

Ressalta-se que não se está dizendo que as novas formas de trabalho devam estar desprotegidas, mas sim, que estejam protegidas de acordo com a sua realidade, especialmente no que tange a proteção em termos de seguridade social, e mais, em casos em que se verifique que subordinação ocorre tal como aduz o conceito da subordinação jurídica somada aos demais elementos caracterizadores da relação de emprego, como tal deve ser considerada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Amauri César. Novo contrato de emprego: parassubordinação trabalhista. São Paulo: LTr, 2004.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2003.

BARROS, Cassio de Mesquita. Passado, presente e futuro do Direito do Trabalho. In Revista de Direito do Trabalho. vol. 110. p. 30 – 45. Abril–junho, 2003.

BULGUERONI, Renata Orsi. Parassubordinação: origens, elementos, espécies e tutela. In MANNRICH, Nelson (Coord.). In Reforma do mercado de trabalho: A experiência italiana. São Paulo: LTr, 2010.

CATHARINO, José Martins. Contrato de emprego. Guanabara: Edições Trabalhistas, 1965.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017.

MANNRICH, Nelson. A modernização do contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 1998.

MANNRICH, Nelson. Tendências atuais relativas ao âmbito pessoal do direito do trabalho em Portugal, Espanha e Brasil. In Revista de Direito do Trabalho. v. 34, n. 130, São Paulo, abril-junho de 2018.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Ordenamento Jurídico Trabalhista. São Paulo: LTr, 2013.

PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho. Uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009.

RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2005, p. 48.

ROMITA, Arion Sayão. A subordinação do contrato de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

SILVA, Otavio Pinto. Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2004.

SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: LTr, 2005.

VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de Emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005.

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Paula Jaeger da Silva

Advogada. Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS. Pós-Graduada em Direito do Trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS. Membro do Núcleo de Pesquisas CNPQ/PUCRS Relações de Trabalho e Sindicalismo e Membro do Grupo de Pesquisas Tecnologia, Processo e Relações de Trabalho. Digital Creator do perfil @hardworkwoman na rede social Instragram.


Cursos relacionados

Expert em recuperação tributária 3.0

Método prático para advogar com recuperação judicial e administrativa de tributos

Investimento:

R$ 3.297,00

Assista agora!

Turma: ERTPER

Código: 762

Mais detalhes

Advogando na Lei do superendividamento

Entenda na prática como atuar e conquistar clientes e honorários!

Investimento:

R$ 397,00

Assista agora!

Turma: SEPER

Código: 772

Mais detalhes

Advocacia de resultado na Lei de Drogas

Método prático e aplicado da Lei de Drogas à advocacia

Investimento:

R$ 997,00

Assista agora!

Turma: ARLDPER

Código: 776

Mais detalhes
Comentários 0

Você precisa estar logado para comentar neste artigo.

Fazer login ou Cadastre-se