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Novas perspectivas do sigilo de prontuário médico no Brasil

Importantes reflexões sobre a Recomendação n. 03/2013, publicada dia 31/05, pelo Ministério Público Federal, que viola princípios médicos de sigilo profissional e direitos fundamentais do paciente


Por Luciana Dadalto em 07/06/2013 | Biodireito | Comentários: 0

Novas perspectivas do sigilo de prontuário médico no Brasil

Dia 31 de maio foi publicada pelo Ministério Público Federal a Recomendação n.3/2013. Em linhas gerais, trata-se de uma recomendação aos diretores de hospitais para que forneçam prontuários médicos dos pacientes falecidos ou que vierem a óbito quando solicitada por ex-cônjuge, ex-companheiro(a), ou sucessor legítimo do paciente morto em linha reta ou colateral até o 4o grau, observada a ordem de vocação hereditária, mediante comprovação do vínculo familiar, independentemente de decisão judicial.

Esta recomendação é um desdobramento da decisão liminar proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 26798-86.2012.4.01.3500, que tramita na 3a Vara Federal Cível de Goiânia/GO, que determinou que o CFM oriente médicos e instituições de saúde a fornecerem, quando solicitado, prontuário médico à família do paciente falecido, além de informarem os pacientes sobre a necessidade destes se manifestarem, de forma expressa, contrários à divulgação de seu prontuário médico após a sua morte.

É preciso perceber que esta decisão relativiza o caráter personalíssimo do direito ao sigilo, indo de encontro às características dos Direitos de Personalidade. Isso porque os direitos de personalidade são indisponíveis e, ao entender que, cabe ao paciente manifestar sua recusa à divulgação de sua intimidade escrita no prontuário, a decisão, agora corroborada com a supracitada resolução, inverte essa lógica.

Veja-se: se os direitos de personalidade são indisponíveis, uma relativização desta indisponibilidade só seria possível se a escolha partisse do paciente. O caso em estudo, todavia, parte da primissa de que o sigilo do prontuário médico é relativo e caberá ao paciente, torná-lo absoluto. 

Ora, sabe-se que a indisponibilidade dos direitos de personalidade já é relativizada. Pessoas públicas abrem mão de sua privacidade, atletas negociam sua imagem com seus clubes e patrocinadores, entre outros exemplos. Todavia, essa relativização sempre parte de uma escolha autônoma do titular do direito e percebe-se que o caso aqui analisado, apesar de possibilitar a manifestação de vontade do titular, esta ocorre apenas com a função de barrar a relativização.

 O artigo 5o, inc. X, da Constituição Federal, dispõe sobre a inviolabilidade da intimidade e da vida privada das pessoas, assegurando o direito a indenização por danos materiais ou morais decorrentes de violação. O Código Penal tipifica dois crimes decorrentes da inviolabilidade dos segredos: o artigo 153 prevê que é crime  alguém divulgar, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem já o artigo 154 prevê que é crime revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.

A resolução no 1.665/2003 do Conselho Federal de Medicina, em seu aritgo 73, proíbe o medico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. No, parágrafo único, permanece a proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

O sigilo médico é inerente à práxis médica e remonta ao juramento de Hipócrates, no qual os médicos se comprometem à conservar em segredo tudo aquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar. Em verdade, conforme afirma o CFM, o sigilo médico resguarda direitos do médico, pois impede que  informações obtidas por ele no exercício da profissão sejam utilizadas para causar prejuízos a pessoas que, já fragilizadas pela condição de doentes, procuram-no para obter alívio dos sofrimentos, a correção de uma situação de anormalidade física ou psíquica ou, ainda mais, a preservação da própria vida  e  do paciente, que poderá ser discriminado, humilhado, explorado, seriamente prejudicado em sua vida profissional e afetiva e agredido na sua dignidade de ser humano com a revelação de sua doença. Ademais, ressalta o CFM que sendo o sigilo regra geral, o médico não precisa decidir em que casos deverá guardar segredo ou poderá tornar público o estado de saúde de um paciente, ou revelar fatos de que teve conhecimento no exercício da profissão.

Sendo assim, percebe-se que a recomendação n. 3/2013 MPF viola os princípios éticos médicos e o direito à intimidade do paciente, descortinando um cenário de violação a direitos de personalidade que não pode ser tolerado.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Luciana Dadalto

Doutoranda em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em Direito Privado pela PUCMinas. Bacharel em Direito pela PUCMinas. Professora de Direito Civil, Direito Médico, Biodireito e Bioética em cursos de graduação e pós graduação em Belo Horizonte e em Ribeirão Preto.Administradora do site www.testamentovital.com.br. Advogada coordenadora do Departamento de Direito Médico, Odontológico e Hospitalar da Ivan Mercêdo Moreira Sociedade de Advogados.


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