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Os adicionais de periculosidade e insalubridade como forma de proteção ao trabalho da mulher e à maternidade

Percepção durante o afastamento da Gestante/Lactante


Por Flávio Antas Corrêa em 06/11/2019 | Direito do Trabalho | Comentários: 0

Os adicionais de periculosidade e insalubridade como forma de proteção ao trabalho da mulher e à maternidade

1. INTRODUÇÃO   

O presente artigo visa, exclusivamente, abordar a situação salarial da gestante/lactante, que receba adicional de insalubridade ou de periculosidade, durante o afastamento das funções, seja por usufruir da licença ou em razão da gravidez/lactação.

Apesar de se fazer um breve mapeamento histórico sobre o tema e uma rápida abordagem sobre a legislação, o cerne da questão será a situação salarial; ou seja, a trabalhadora grávida ou que esteja amamentando receberá ou não os adicionais de insalubridade ou periculosidade quando for afastada das suas funções corriqueiras?

2. BREVÍSSIMO RELATO HISTÓRICO

A preocupação com o trabalho da mulher e sua saúde surgiram no início do século XIX, após o início da primeira Revolução Industrial, em razão da sua condição biológica diferenciada, relacionada tanto à força física, quanto ao fato da mulher ser geradora de vida.

Veja-se que a mulher já trabalhava antes, exercendo atividades que, hoje, podemos entender como penosas, em razão da precariedade (além dos afazeres da casa e o cuidado com a prole, trabalhos em lavouras, na pecuária, em casas de famílias expostas às diversas sujidades e materiais biológicos, etc); todavia, logo que iniciou seu trabalho nas fábricas, a novidade da Revolução Industrial, verificou-se quão nociva para a saúde da mulher algumas atividades mostravam-se.

A partir de então, observou-se que, além de penosas, ante a falta de uma jornada de trabalho decente e compatível, a mulher exercia atividades insalubres ou perigosas, sendo exposta aos ambientes mais desfavoráveis à sua compleição física e, muitas vezes, moral.

Em “O Livro dos Espíritos”[1], publicado em abril de 1857, na pergunta 822, a), Allan Kardec retrata, por meio de resposta atribuída aos espíritos, que a “lei humana, para ser equitativa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher. Todo privilégio a um ou a outro concedido é contrário à justiça. A emancipação da mulher acompanha o progresso da civilização. Sua escravização marcha de par com a barbaria. Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles. Devem, por conseguinte, gozar dos mesmos direitos.”

Há que se perceber, portanto, que a preocupação não estava restrita ao mundo do trabalho, mas à sociedade como um todo.

Apesar da legislação protetiva para o menor ter como marco inicial o ano de 1802, com o Moral and Health Act, a proteção à mulher só surgiu em 1905, na Conferência de Berna, onde “se incluía a proibição do trabalho noturno às mulheres[2].

Portanto, 103 anos se passaram até que a mulher tivesse a primeira proteção efetiva ao seu trabalho.

Buscando as origens da proteção e saltando para os dias de hoje, Alice Monteiro de Barros[3] leciona:

Se outrora o trabalho da mulher e do menor possuíam conotações semelhantes que os levaram a ser disciplinados, conjuntamente ou no mesmo capítulo, como regimes especiais, hoje não mais se justifica essa regulamentação conjunta, pois o regime jurídico da mulher deverá ser o mesmo que o do homem, nos termos do art. 372 da CLT, reduzindo-se a proteção ao essencial, ou seja, à gravidez e à maternidade, sob pena de se restringir suas possibilidades de contratação”. – GRIFOS ORIGINAIS       

Consequentemente, como este artigo visa tratar exclusivamente sobre os adicionais de insalubridade e periculosidade, relacionados ao trabalho da mulher, a afinidade entre eles e a proteção essencial mais do que se justifica.

3. DA PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHER

A legislação específica tem por escopo garantir a proteção à mulher, seja ela trabalhadora ou aspirante ao mercado de trabalho.

A Constituição Federal, trouxe a isonomia entre homens e mulheres, garantindo a ambos os mesmos direitos, excetuando os próprios de cada sexo, relacionados com a maternidade que, por uma questão lógica só pode ser prerrogativa feminina. No demais, os direitos básicos fincados na Carta Política prestam-se a beneficiar ambos os sexos.

Consta do artigo 5º, I, e artigo 7º, XVIII, XX e XXX, da Constituição Federal, além do art. 10, b), dos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

1. b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. (Vide Lei Complementar nº 146, de 2014)

Esses são os indicadores legais que determinam a igualdade entre homens e mulheres e a proteção à gravidez e maternidade, preconizada por Alice Monteiro de Barros.

Adalberto Martins[4], assenta, no que concerne ao trabalho da mulher, que a “proteção legal reside na condição física da mulher, devendo ser respeitadas as suas peculiaridades, no que respeita ao próprio organismo”, mas não apenas às questões relativas aos trabalhos que demandem força física, mas também, àqueles que a expõe a ambientes perigosos e insalubres, justamente, pelo que ele próprio explica depois:

revela-se necessária a proteção à maternidade, assegurando emprego e afastamento por determinado período à empregada gestante[5]

Especificamente, no que concerne à proteção ao trabalho da mulher, na legislação infraconstitucional, o Capítulo III, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que trata da proteção do trabalho da mulher, insculpe em seu artigo 372, que os “preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho feminino, naquilo em que não colidirem com a proteção especial instituída por este Capítulo”.

Logo, quando se falar em adicionais, a mulher terá direito à percepção daqueles, por medida de lídima equiparação com o homem mas, sem que se olvide da necessária proteção à maternidade, apesar da proibição de seu trabalho em ambientes insalubres e perigosos ter caído em 1989, quando o artigo 387, da CLT foi revogado.

Entretanto, o artigo 394-B, introduzido pela chamada “Reforma Trabalhista”[6], tão combatida por retrógrados profissionais que militam na área do Direito do Trabalho e sindicalistas, assegurou à mulher gestante/lactante o afastamento das atividades no ambiente insalubre, dentro das especificidades ali elencadas sem, contudo, indicar se para ambientes perigosos a orientação seria a mesma.

E tal situação gera dúvidas na hora da aplicação da norma no ambiente laboral, visto que a lei assegura o pagamento do adicional de insalubridade à mulher gestante/lactante, mesmo afastada do fato gerador (ambiente insalubre), permanecendo silente no que tange ao adicional de periculosidade.

Dúvida gerada, tese criada.

4. PAGAMENTO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

Uma vez laborando em ambiente perigoso ou insalubre, o trabalhador terá direito aos adicionais, de acordo com o previsto na Constituição Federal.

O artigo 7º, XXIII, determina que seja pago “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

Com referência ao adicional de penosidade, este não está regulamentado em lei, seja porque ainda não foi devidamente conceituado pela doutrina e não foi positivado em norma regulamentadora, existindo, tão somente, como previsão constitucional, sem qualquer possibilidade de aplicação.

Quanto aos adicionais de insalubridade e periculosidade, a legislação infraconstitucional, no caso, a CLT, disciplina em quais ambientes serão aplicados.

O artigo 189, disciplina a insalubridade, expondo que “serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

Já o artigo 190, determina que o Ministério do Trabalho (hoje Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia) aprove o quadro das atividades e operações insalubres e adote regras “sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes”. 

A Norma Regulamentadora nº 15 (NR-15), elenca as atividades consideradas insalubres, garantindo segurança jurídica aos empregadores e empregados.

Os percentuais de adicional, sobre o salário do empregado, serão pagos de acordo com o tipo de exposição aos agentes insalubres, conforme assentamento do artigo 192, da CLT:

Art. 192 - O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

Apenas a título de observação, durante um certo tempo, vigeu o entendimento, inconstitucional diga-se, da Súmula nº 228, do Tribunal Superior do Trabalho, que determinava como base de cálculo do adicional o salário do empregado e não o salário mínimo, divorciando-se da mens lege e legislando abertamente, trocou o sentido da lei, impondo aos empregadores despesa não prevista na legislação, ofendendo o princípio constitucional de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei[7].

No caso, não caberia interpretação extensiva pois a norma falava em salário mínimo, taxativa, não salário do empregado; a letra da lei, nesse diapasão, estava clara, apresentou um sentido (que era o indexador a servir de base ao cálculo) e quando isso ocorre, não há interpretação[8] e, no caso em tela, não havia nenhuma proteção constitucional que estivesse em xeque.

Felizmente, o Supremo Tribunal Federal corrigiu esse erro, por meio da decisão contida na Reclamação nº 6275/SP[9][10], da lavra do Ministro Ricardo Lewandowski, cessando os efeitos da Súmula 228, garantindo que o cálculo fosse efetuado na forma da Lei, conforme a tese elaborada pela reclamante.

Retomando, o artigo 191, da CLT, indica as formas de minimização ou eliminação dos riscos, fechando a questão relativa à insalubridade.

Quanto à periculosidade, o norte vem do artigo 193, da CLT, inclusive no que concerne ao percentual do adicional:

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela Lei nº 12.740, de 2012)

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)

§1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

(...)

§4o São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta. (Incluído pela Lei nº 12.997, de 2014)

Observe-se que no caso do adicional de periculosidade, o percentual é sobre o salário do empregado, não sobre o salário mínimo como no caso da insalubridade.

Por fim, o artigo 195, da CLT, aponta que a “caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.

Ainda, o trabalhador que porventura tenha direito aos dois adicionais, terá de fazer a opção entre um e outro, de acordo com o artigo 193, § 2º, da CLT, já que não há como acumular ambos os adicionais.

Importante ressaltar que algumas decisões do Tribunal Superior do Trabalho possibilitaram o pagamento de ambos os adicionais a alguns trabalhadores; todavia, divorciando-se completamente da lei que, diga-se, é clara, não precisando de qualquer interpretação.

O argumento é que os dois adicionais dizem respeito a fatos geradores diferentes, o que não caracterizaria pagamento em duplicidade. Cite-se ainda a Convenção 155 da OIT, que determina a análise dos riscos decorrentes da exposição simultânea do trabalhador a diversas substâncias e agentes.

No entanto, essa ainda é uma posição minoritária, pois é expressamente contrária ao texto do artigo 193, §2º da CLT e do artigo 7º, XXIII da Constituição Federal, que proíbe a cumulação.[11]

Esses posicionamentos, não se coadunam com o Direito positivo, pois desrespeitam o espírito da lei, arvorando os julgadores em legisladores, merecendo, por conseguinte, a crítica feita na nota de rodapé acima.

A Norma Regulamentadora nº 16 (NR-16), indica as atividades consideradas perigosas, garantindo segurança jurídica aos empregadores e empregados.

Nessa senda, a Consolidação das Leis do Trabalho, em concomitância com as Normas Regulamentadoras, baixadas pelo antigo Ministério do Trabalho, hoje Secretaria do Trabalho ligada ao Ministério da Economia, regulamenta a percepção dos adicionais de periculosidade e insalubridade aos trabalhadores regidos por aquela norma, desde que não cumulativos. As dúvidas devem ser sanadas no sítio eletrônico da Secretaria do Trabalho.

5. PROTEÇÃO À MATERNIDADE: A GESTANTE/LACTANTE E A PERCEPÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

A essência deste artigo é indicar se é possível a gestante/lactante receber os adicionais de insalubridade e periculosidade no período de seu afastamento.

A legislação assegura que a trabalhadora gestante/lactante que recebe o adicional de insalubridade tem o direito de permanecer a recebê-lo, mesmo quando afastada, de acordo com o art. 394-A, § 2º, da CLT.

O caput do artigo, assim como seus incisos I a III, já apresentam o norte que garante o direito à percepção do adicional de insalubridade à gestante/lactante e como deve ser observado o afastamento das funções.

Art. 394-A.  Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)  

II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)

III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)[12]” – DESTAQUES ORIGINAIS

Há que se observar o comando do caput do artigo: “Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada”.

O valor do adicional de insalubridade deve continuar a ser pago à gestante/lactante afastada e o empregador é obrigado a afastá-la, tão logo ela informe sobre o estado gravídico. Portanto, não é opção, mas obrigação legal esse afastamento das funções, devendo a obreira trabalhar em ambiente salubre e, na falta desse ambiente, deverá permanecer fora da empresa até o final da lactação, nos termos do artigo 394-A, § 3º, da CLT[13].

Os incisos que tratavam dos graus médio e mínimos, caíram por força da Ação Direta de Inconstitucionalidade, posto que só garantiam o afastamento se o médico, de confiança da trabalhadora, indicasse a necessidade.

Todavia, corretamente o Supremo Tribunal Federal corrigiu esse deslize do legislador, que se descuidou do princípio de proteção à maternidade, insculpido no art. 6º e 7º, XX e XXII, da Constituição Federal[14].

Assim é que a gestante/lactante, no que respeita ao adicional de insalubridade, tem o direito de recebê-lo, mesmo estando afastada da exposição aos agentes insalubres.

Já para as atividades perigosas, o artigo 194 assegura que o trabalhador que for afastado do ambiente, perderá o direito ao adicional.

Art.194 - O direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física, nos termos desta Seção e das normas expedidas pelo Ministério do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

No Capítulo III, da CLT, temos a proteção ao trabalho da mulher e, em sua Seção V, trata sobre a proteção à maternidade. Nele, não se fala em manutenção do adicional de periculosidade, apenas do adicional de insalubridade, motivo pelo qual, de partida, é possível dizer que, aparentemente, a gestante/lactante não fará jus à percepção do adicional de periculosidade, tão logo seja afastada de suas funções.

Por outro lado, a legislação obreira não determina a necessidade da gestante/lactante ser afastada de suas funções, quando exposta aos agentes perigosos; entretanto, considerando o preceituado na Constituição Federal (art. 6º), a proteção à maternidade é cláusula pétrea e, tendo em vista o risco de vida que corre em ambientes perigosos, a mulher precisaria ser afastada desse ambiente tão logo descobrisse a gravidez.

Num primeiro momento, para resolver a questão, é possível observar-se que o legislador não andou bem, pois garantiu proteção à gestante/lactante que trabalha em condições insalubres, mas ficou silente quanto à periculosidade, dando margem ao uso da equidade pretoriana pelos Tribunais e demais intérpretes da Lei.

Pode-se dizer que o artigo 194, da CLT é taxativo ao dizer que “O direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física”?

Não; pois quando esse artigo é confrontado com o artigo 394-A, da CLT e artigo 6º da Constituição Federal, fica explícito que a gestante/lactante, estará correndo um risco maior.

Para aclarar essa ideia sobre a interpretação legal, ensina André Franco Montoro[15]:

As leis são formuladas em termos gerais e abstratos, para que se possam estender a todos os casos da mesma espécie.

Passar do texto abstrato ao caso concreto, da forma jurídica ao fato real, é tarefa do aplicador do direito, seja ele juiz, tabelião, advogado, administrador ou contratante.

Nessa tarefa, o primeiro trabalho consiste em fixar o verdadeiro sentido da norma jurídica e, em seguida, determinar o seu alcance ou extensão.

É o trabalho de interpretação, hermenêutica ou exegese.

Desta feita, para o caso em apreço, faz-se necessária a interpretação extensiva da norma contida no artigo 394-A, da CLT e artigo 6º, da Carta Política, sendo necessário pedir o auxílio da jurisprudência para garantir o tratamento igual às gestantes/lactantes, pois no caso, a proteção não é para a mãe, mas para o nascituro ou da criança que está sendo amamentada, e esse direito é indisponível.

No caso em comento, o juiz não estará a legislar, mas estará cumprindo o preceito do artigo 5º, caput, da Carta Magna[16] face à falta de tratamento equânime a pessoas na mesma situação e condição, não com relação aos adicionais que têm natureza e sentido diversos um do outro, mas sim porque está em evidência a gravidez ou lactação; ou seja, em ambos os casos o estado biológico é idêntico.

E novamente o mestre André Franco Montoro[17] leciona brilhantemente, quando fala sobre a interpretação extensiva.

A interpretação é extensiva quando o intérprete conclui que o alcance da norma é mais amplo do que indicam os seus termos. Diz-se que o legislador, nesse caso, escreveu menos do que queria dizer (‘minus scripsit quam voluit’), e a lei deve aplicar-se a determinadas situações não previstas expressamente”.

6. CONCLUSÃO

Sem dúvidas, por medida de justiça e para o cumprimento do preceitua pétreo constitucional, entendo que a gestante/lactante deve ser afastada tanto do ambiente perigoso quanto do insalubre e ambas deverão receber na integralidade do salário, mantendo o adicional de periculosidade ou de insalubridade.

A bem da verdade, a norma relativa à percepção do adicional de insalubridade está clara, mas a falta de uma regulamentação positiva para que a gestante/lactante que recebe o adicional de periculosidade fará com que a proteção à maternidade, nesse pormenor, tenha de ser resolvida pelos Tribunais.

Para tanto, como medida paliativa, sugere-se aos sindicatos, que seja inserido esse direito nas Convenções e Acordos Coletivos, caso ainda não façam parte de seu elenco, pois é uma forma de proteção à maternidade em sua plenitude.

Portanto, repisando a questão, é de se entender que a gestante/lactante deve ser afastada dos ambientes de trabalho considerados insalubres ou perigosos, por força do contido no artigo 6º, da Constituição Federal, para que seja exercido o direito de proteção à maternidade devendo, por via de equidade, ser estendido o benefício de manutenção do recebimento do adicional de periculosidade da mesma forma que do positivado adicional de insalubridade.

Para melhor disciplinar essa questão, importante que o Congresso Nacional ou o próprio Chefe do Executivo apresentem projeto-de-lei, para garantir essa extensão da proteção relativa ao afastamento da mulher do ambiente perigoso, e que receba seu numerário de forma completa (incluindo o adicional próprio), da mesma forma que a gestante/lactante que trabalha em ambiente insalubre.

___________________________

7. BIBLIOGRAFIA

Constituição Federal

Consolidação das Leis do Trabalho

Lei Federal nº 13.467/2017

BARROS, Alice Monteiro de. O Trabalho da Mulher na Constituição de 1988. In Constitucionalismo Social: Estudos em Homenagem ao Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. Coordenação: Maria Aparecida Pellegrina, Jane Granzoto Torres da Silva. São Paulo: LTr, 2003.

GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução Guillon Ribeiro, Rio de Janeiro: FEB, 2004.

MARTINS, Adalberto, Manual Didático de Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 310.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 26ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005.

Supremo Tribunal Federal - Reclamação nº 6275/SP

Supremo Tribunal Federal - ADIN 5938

Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região - Insalubridade e periculosidade de frentistas é tema do programa de TV do TRT/CE – Notícia veiculada em 09/04/2014

___________________________

8. NOTAS

[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução Guillon Ribeiro, Rio de Janeiro: FEB, 2004. p. 466/467.

[2] GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 404.

[3] BARROS, Alice Monteiro de. O Trabalho da Mulher na Constituição de 1988. In Constitucionalismo Social: Estudos em Homenagem ao Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. Coordenação: Maria Aparecida Pellegrina, Jane Granzoto Torres da Silva. São Paulo: LTr, 2003. p. 136

[4] MARTINS, Adalberto, Manual Didático de Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 310.

[5]  Idem

[6] Lei Federal nº 13.467/2017

[7] Art. 5º, II, da Constituição Federal

[8] in claris cessat interpretatio

[9] Parte final: “ (...) Isso posto, com base na jurisprudência firmada nesta Corte (art. 161, parágrafo único, do RISTF), julgo procedente esta reclamação para cassar a Súmula 228 do TST, apenas e tão somente na parte em que estipulou o salário básico do trabalhador como base de cálculo do adicional de insalubridade devido.

[10] http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28Rcl%24%2ESCLA%2E+E+6275%2ENUME%2E%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/qg6h3fl - Visitado em 31/10/2019

[11] https://www.blogsegurancadotrabalho.com.br/2016/03/frentista-de-posto-de-gasolina-insalubre-periculo.html: Visitado em 01/11/2019

[12]Ementa: DIREITOS SOCIAIS. REFORMA TRABALHISTA. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À MATERNIDADE. PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER. DIREITO À SEGURANÇA NO EMPREGO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE DA CRIANÇA. GARANTIA CONTRA A EXPOSIÇÃO DE GESTANTES E LACTANTES A ATIVIDADES INSALUBRES.

  1. O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.
  2. A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e o direito à segurança no emprego, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei, e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
  3. A proteção contra a exposição da gestante e lactante a atividades insalubres caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher quanto da criança, tratando-se de normas de salvaguarda dos direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando seu pleno desenvolvimento, de maneira harmônica, segura e sem riscos decorrentes da exposição a ambiente insalubre (CF, art. 227).
  4. A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em apresentar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido.
  5. Ação Direta julgada procedente.

[13] § 3o  Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

[14] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

[15] MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 26ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 429.

[16] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[17] Idem. p. 435.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Flávio Antas Corrêa

Especialista em Direito do Trabalho pela UniFMU Especialista em Governo e Poder Legislativo pela Unesp Especializando em Direito Processual Civil na Escola Superior da PGE/SP Graduado em Direito pela Universidade Paulista - Unip Graduando em História (Licenciatura) na Universidade paulista - Unip Advogado Parecerista e Consultor Palestras relacionas ao Assédio Moral no Ambiente de Trabalho, Enfrentamento ao Tráfico de pessoas e seus Desdobramentos; e Erradicação do Trabalho Infantil.


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