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Principais modificações trazidas ao Tribunal do Júri pela Lei nº 11.689/2008


Por Juliana Ladeia Paiva Teixeira em 29/10/2019 | Penal | Comentários: 0

Tags: Tribunal do Jurí, Reforma do CPP, Lei Nº. 11.689/2008.

RESUMO: Aos dez dias do mês de junho do ano de dois mil e oito, o Congresso Nacional publica a Lei nº. 11.689, que oferece nova redação aos dispositivos do Código de Processo Penal no que tange ao Tribunal do Júri. A lei entrou em vigor em agosto desse mesmo ano e promete trazer ao procedimento do Júri um rito novo para a competência desse Instituto. Inspira-se nos ideais de celeridade, simplicidade, eficiência e segurança, contribuindo com uma melhora significativa na efetivação dos casos referentes aos crimes dolosos contra a vida.

PALAVRAS-CHAVE: Tribunal do Júri; Reforma do Código de Processo Penal; Lei nº. 11.689/2008

  1. Introdução.

O Tribunal do Júri é instituto de direito e garantia humana fundamental consistente na participação popular nos julgamentos de caráter jurisdicional proferidos pelo Poder Judiciário. Cuida-se de uma instituição de apelo cívico, enaltecida por muitos, como mecanismo da cidadania e da democracia na vida em sociedade. Ao longo da história, seu instituto ganhou força e aperfeiçoamento visíveis até chegar a sua feição atual. Cabe ao Tribunal do Júri os julgamentos dos delitos dolosos contra a vida, tentados ou consumados. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXXVIII, alínea “d”, prevê a competência do Tribunal Popular, inserindo-os no âmbito das cláusulas pétreas do direito brasileiro. É a única instituição a funcionar com regularidade, permitindo que qualquer cidadão tome parte nos assuntos de um dos Poderes da República.

  1. Aspectos históricos relevantes no Brasil.

Antes de alcançar o seu contorno atual, originada na Magna Carta da Inglaterra de 1215, o Tribunal Popular do Júri percorreu um vasto e distante caminho. Nas palavras de Carlos Maximiliano, “as origens do instituto, vagas e indefinidas, perdem-se na noite dos tempos” [1].

No Brasil, o procedimento do Tribunal Popular foi criado em 18 de junho de 1822, através de um decreto do Príncipe Regente, como um reflexo da propagação do instituto em toda a Europa. Era composto por 24 cidadãos “bons, honrados, inteligentes e patriotas”, preparados para julgar os delitos de abuso da liberdade de imprensa. As decisões do Tribunal do Júri seriam passíveis de revisão exclusivamente pelo Príncipe Regente.

A Constituição do Império, em 1824, acrescentou o Tribunal do Júri no Capítulo referente ao Poder Judiciário (artigo 151, do Capítulo Único, do Título 6º). Naquela época os jurados julgariam causas cíveis e criminais, conforme determinassem as leis. Esse mencionado artigo 151 asseverava:

“O Poder Judicial é independente, e será composto de juízes, e jurados, os quais terão, lugar assim no cível, como no crime nos casos e pelo modo, que os códigos determinarem”.

Com a proclamação da República, restou-se por mantido o Júri no Brasil, acrescentando-o ao rol dos direitos e garantias individuais (artigo 72, parágrafo 31, da Seção II, d Título IV). “É mantida a instituição do Jury”.

Em 1934, com a Constituição Federal promulgada nesse mesmo ano pelo Estado Novo, o Júri deixa de ser uma garantia individual e volta a fazer parte do Capítulo referente ao Poder Judiciário (artigo 72) e, em 1937, é totalmente retirado do texto constitucional.

Nove anos mais tarde, a Constituição de 1946 adequa novamente o Tribunal Popular em seu texto, reinserindo-o no Capítulo de direitos e garantias individuais, como forma de combater o autoritarismo, “embora as razões desse retorno tivessem ocorrido, segundo narra Victor Nunes Leal, por conta do poder de pressão do coronelismo, interessado em garantir a subsistência de um órgão judiciário que pudesse absolver seus capangas” [2]. (Coronelismo, enxada e voto, p. 231-236) Observa-se o disposto no artigo 141, parágrafo 28 do Constituição Federal de 1946:

“É mantida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, contando que seja ímpar o número de seus membros e garantindo o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”

Da análise do artigo constitucional acima referido, percebe-se que fora estabelecida a competência para julgamento do Tribunal Popular. Atribuiu-se a competência privativa ratione materiae, ou seja, em razão da matéria para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, garantindo-se a plenitude de defesa, o sigilo das votações e, por fim, a soberania dos jurados.

Com respaldo, a Constituição Federal de 1967 manteve o Tribunal do Júri, mencionado-o, mais uma vez, em seu Capítulo referente aos direitos e garantias individuais, no artigo 150, parágrafo 18. O mesmo foi feito pela Emenda Constitucional de 1969 em seu artigo 153, parágrafo 18, porém, por essa última redação citou-se apenas que “é mantida a instituição do Júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”, omitindo-se em relação aos princípios constitucionais previstos para tal instituição, como é o caso da plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos jurados.

Mais tarde, com a promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988, nossa atual Constituição brasileira, esses princípios continuaram a ser assegurados, incluindo, novamente, o Júri no rol das cláusulas pétreas, elencando-o no artigo 5º, XXXVIII. A saber:

“é reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

  1. a) A plenitude de defesa;
  2. b) O sigilo das votações;
  3. A soberania dos veredictos;
  4. Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”

A título de esclarecimento, tem-se por Plenitude de Defesa, uma garantia constitucional assegurada aos réus, no Tribunal do Júri. Trata-se de um princípio constitucional do Tribunal do Júri.

No que tange ao sigilo das votações, o julgamento pelos jurados acontecerá em Plenário do Júri, vazio ou em sala especial, longe dos olhares do público. A exemplo da Plenitude de Defesa, também é um princípio constitucional regente do Tribunal Popular.

A soberania dos veredictos “é a última palavra, não podendo ser contestada, quanto ao mérito, por qualquer tribunal togado.” [3] Não é possível que cortes togadas substituam os veredictos dos jurados, invadindo seu mérito.

Segundo Alexandre de Moraes, “a Constituição Federal expressamente prevê preceitos de observância obrigatória à legislação infra-constitucional que organizará o Tribunal do Júri: plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos veredictos e competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”[4]

  1. Estrutura do Tribunal do Júri:

O Código de Processo Penal em seu artigo 447 prevê a organização do Tribunal do Júri. De acordo com esse dispositivo, “O Tribunal do Júri é composto por um juiz de direito, que é o seu presidente e, por vinte e cinco jurados, sorteados dentre os alistados.”

“Alistados são todos os selecionados pelo juiz presidente, no decorrer de um ano, para servirem no seguinte, nos termos estipulados pelo artigo 425 do Código de Processo Penal. As pessoas alistadas podem servir como juradas ou não, dependendo do sorteio realizado para composição dos grupos das sessões.” [5]

Em cada sessão de plenário, sete dos vinte e cinco jurados alistados são escolhidos, de forma igual, por sorteio, para fazer parte do Conselho de Sentença, dividindo o plenário com a defesa e a acusação. A responsabilidade de convocar os jurados para a sessão de julgamento é do juiz presidente do Tribunal do Júri. Defesa e acusação podem acompanhar o processo, mas não devem opinar, decisivamente, na escolha final.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, “a Lei nº 11.689/2008, no artigo 425 do Código de Processo Penal, pouca modificação trouxe ao quadro de deficiência de jurados, embora tenha aberto a possibilidade de se elevar o número dos alistados (artigo 425, parágrafo 1º, Código de Processo Penal). Embora devesse, não mencionou o instrumento pelo qual seria viabilizado o aumento do número de jurados. “Entendemos que deva ser mantido o sistema de resolução ou provimento editado pelo Tribunal de Justiça (ou Tribunal Regional Federal)”.[6]

Devem ser escolhidos para compor o plenário cidadãos de notória idoneidade, maior de idade (isentos os indivíduos com idade superior a 70 anos), optar por aqueles que preencham os requisitos legais, por aquelas que tenham sido indicadas por pessoa de sua confiança ou pessoa que o próprio juiz tenha conhecimento de boa conduta social. Entretanto, o artigo 425, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal sugere que o magistrado oficie às autoridades locais, associações de classes e de bairro, repartições públicas, sindicatos, universidade e etc. Vale ressaltar que a idade superior a 70 anos, trata-se de outra modificação trazida pela reforma, visto que antes a isenção era dada aos maiores de 60 anos.

Segundo o artigo 437 do Código de Processo Penal, ficam excluídos do serviço obrigatório do Júri:

 “o Presidente da República e os Ministros de Estados, os Governadores de Estado e seus Secretários, os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e Distrital e das Câmaras Municipais, os Prefeitos Municipais e os membros do Ministério e da Defensoria Pública, os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, as autoridades e servidores da política e da segurança pública, os militares em serviço ativo, os cidadãos maiores de 70 anos que requeiram sua dispensa, aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.”  

Com a alteração do Código de Processo Penal, em agosto de 2008, a recusa imotivada em caso de não comparecimento a sessão de julgamento terá como penalidade multa de um até dez salários mínimos. Por conseguinte, a recusa motivada por questões religiosas, políticas ou filosóficas acarretará em perda ou suspensão dos direitos políticos, se o jurado não se manifestar quanto à prestação de serviços alternativos. Em relação à recusa devidamente justificada, cria-se possibilidade, através de cláusula aberta, de o magistrado dispensar quem quer seja que tenha justo motivo para o não comparecimento.

Também com a alteração, criou-se direito de preferência em concurso público para aquele que tenha exercido a função de jurado, assim com nas hipóteses de promoção funcional ou de remoção voluntária.

Como mencionado acima, em plenário devem estar presentes o juiz presidente, o Ministério Público,assistente de acusação (caso haja), jurados, acusado e defesa. Supridas todas as formalidades próprias deste Instituto, dar-se-á início à sessão de julgamento. 

3.1. Características.

O Tribunal Popular do Júri é considerado órgão da Justiça comum e pode ser estadual ou federal. Constitui-se num órgão colegiado, heterogêneo, horizontal e temporário.

Trata-se de órgão colegiado por ser formado por um juiz togado e vinte e cinco jurados leigos. Destes vinte e cinco jurados, estando presentes quinze, será instalada a sessão de julgamento, com a posterior escolha de sete desses quinze jurados para compor o Conselho de Sentença.

É heterogêneo porque são órgãos (o juiz togado e jurados leigos) cuja natureza é diferente. Horizontal em razão de existir divisões quanto às competências, não devendo haver hierarquia entre os jurados e o juiz presidente do júri. E, por fim, é temporário, tendo em vista a renovação do corpo de jurados a cada sessão de plenário.

Leciona Pinto da Rocha,

 “as características essenciais do Júri são: a) julgamento dos cidadãos pela consciência de seus pares; b) formação do tribunal pelo sorteio; c) foro comum do povo. Mas se os dois primeiros caracteres indicam o gênero próximo – tribunal popular- sem estatuir a diferença específica que o distingue do escabinado, o último em absoluto é aceitável. Na Suécia, o Júri só existia para os crimes de imprensa. No Brasil, durante a vigência da Constituição Federal de 1891, a maioria dos Estados só mantinha para os delitos contra a vida. Traço específico do Júri – competência funcional exclusiva dos jurados, para decidirem sobre a existência do crime e a responsabilidade do acusado.” [7]

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, proferiu o seguinte acórdão quanto às características do Tribunal do Júri:

"São características do Tribunal do Júri: I – quanto a composição dos jurados, a) composta de cidadãos qualificados periodicamente por autoridades designadas pela lei, tirados de todas as classes sociais, tendo as qualidades legais previamente estabelecidas para as funções de juiz de fato, com recurso de admissão e inadmissão na respectiva lista, e b) o conselho de julgamento, composto de certo numero de juízes, escolhidos a sorte, de entre o corpo dos jurados, em numero tríplice ou quádruplo, com antecedência sorteados para servirem em certa sessão, previamente marcada por quem a tiver de presidir, e depurados pela aceitação ou recusação das partes, limitadas as recusações a um numero tal que por elas não seja esgotada a urna dos jurados convocados para a sessão; II – quanto ao funcionamento, a) incomunicabilidade dos jurados com pessoas estranhas ao Conselho, para evitar sugestões alheias, b) alegações e provas da acusação e defesa produzidas publicamente perante ele, c) atribuição de julgarem estes jurados segundo sua consciência, e d) irresponsabilidade do voto emitido contra ou a favor do réu"[8].

3.2. Cabimento:

Cabe à apreciação pelo Tribunal Popular do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sejam eles em sua forma tentada ou consumada.

O Tribunal do Júri tem previsão constitucional no artigo 5º, XXXVIII, “d” da Carta Magna, a saber:

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

  1. a competência para os crimes dolosos contra a vida”

Vale ressaltar que os delitos dolosos contra a vida são aqueles que estão previstos nos artigos 121 – homicídio, 122 – induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, 123 – infanticídio e doas artigos 124 a 126 – aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento e aborto provocado por terceiro. Todos esses dispositivos são referentes ao Código Penal brasileiro.

É importante comentar que a competência para julgar o crime de latrocínio, por trata-se de crime contra o patrimônio, é do juiz singular, não sendo utilizado o procedimento do júri para tais delitos.

Imprescindível a observância da competência mínima atribuída ao Tribunal do Júri, ou seja, em se tratando de crimes conexos ou continentes aos delitos dolosos contra a vida, o Tribunal Popular será competente para apreciá-los diante da força atrativa.

3.3. Soberania do veredicto dos jurados:

Como visto em item anterior, a soberania do veredicto dos jurados é a decisão de mérito proferida pelos membros do Conselho de Sentença, que não pode ser excluída ou substituída por nenhum juiz togado.

Bem ensina José Carlos Gobbis Pagliuca que “a decisão da causa submetida a plenário é exclusivamente dos jurados. O que decidido pelo conselho de Sentença não poderá ser modificado por outra instância qualquer, senão nos moldes do Código Processual Penal, quanto à desconstituição do julgamento, não sua modificação.” [9]

Entretanto, vale ressaltar, que quando forem proferidas decisões contrárias às provas acostadas aos autos, caberá recurso de Apelação, uma vez que o artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal prevê esse acontecimento. O Tribunal julgará tal recurso e se o mesmo ganhar provimento, nossa sessão em plenário será marcada. É importante frisar, que o recurso em questão é referente às provas em sua situação processual e não quanto ao mérito da decisão.

Aponta a doutrina majoritária que, em sede de revisão criminal, o princípio da soberania dos veredictos é bem mais expansivo. Aqui, o Tribunal revisor poderá até mesmo modificar diretamente a decisão de mérito, absolvendo o que, anteriormente, havia sido condenado.

Por fim, cumpre informar, que o corpo de jurados selecionados para compor o Conselho de Sentença, decidirá por matéria de fato e não de direito, levando em consideração a sua consciência e o que julgam ser justo, assumindo assim a função de juiz leigo, por isso o julgamento realizado pelo Conselho de Sentença ser baseado na íntima convicção, sistema excepcional quando da valoração das provas. Formado o Conselho de Sentença, espera-se que haja representação através do povo para julgar os delitos cuja competência seja atribuída ao Tribunal do Júri.

  1. Reforma – Tratamento inovador para o Tribunal do Júri.

Estabeleceu-se algumas alterações para o procedimento do júri com a promulgação da Lei nº. 11.689/2008. Passa-se então a analisar as principais mudanças trazidas por essa lei.

4.1. Audiência única.

Esta é uma das principais alterações trazidas pela Lei nº. 11.689/2008. O atual artigo 411, caput do Código de Processo Penal dispõe:

“Na audiência de instrução, proceder-se-à à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.”

Com a nova lei, passou a concentrar-se os atos em audiência única, obedecendo a ordem estabelecida pelo artigo acima citado, mantendo-se o princípio da oralidade. A audiência de instrução deve acontecer no prazo máximo de 90 (noventa) dias após o recebimento da denúncia ou queixa, ficando a audiência designada para os 10 (dez) dias posteriores a apresentação da defesa do réu. Essa nova situação pode não ser efetivamente viável na prática, vez que o Poder Judiciário abarrotado com anda, pode, muitas vezes, não ter disponibilidade para realizar audiência no prazo estabelecido por lei. Inúmeras críticas foram feitas em relação a essa inovação, uma vez que a cruel realidade do Poder Judiciário Brasileiro não permite que se cumpra efetivamente essa norma.

4.2. Pronúncia.

Nos ensinamentos de José Carlos Gobbis Pagliuca, pronúncia “é a decisão que admite ter nos autos prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. Considera admitida a acusação, submetendo o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri.” [10]

Sendo assim considerada, vale ressaltar que a finalidade da fase preparatória de formação de culpa é tentar evitar o erro no Poder Judiciário, evitar a condenação equivocada, até porque, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LXXV, faz com que o Estado se comprometa a evitar tal erro.

Embora se trate de decisão interlocutória, a estrutura da pronúncia obedece à forma da sentença, devendo conter o relatório, a fundamentação e o dispositivo, ou seja, fazer menção a tudo que se passou no processo, a partir da denúncia ate as alegações finais das partes; motivo pelo qual o magistrado entende que é necessário enviar o caso para a devida apreciação do Tribunal Popular e, por fim, referenciar artigos no qual se encontra incurso o acusado.

Neste sentido, prevê o Superior Tribunal de Justiça:

“É certo que na sentença de pronúncia o magistrado não pode proferir colocações incisivas e considerações pessoais em relação ao réu nem se manifestar de forma conclusiva ao acolher o libelo ou rechaçar tese da defesa a ponto de influenciar na valoração dos Jurados, sob pena de subtrair do Júri o julgamento do litígio. Entretanto, o cometimento desejado não pode ser tamanho a ponto de impedir que o juiz não possa explicar seus convencimentos quanto à existência de prova de materialidade e indícios suficientes de autoria, sob pena inclusive de nulidade da pronúncia por ausência de fundamentação”. (HC 50.270-RS, 5ª T. rel. Napoleão Nunes Maia Filho, 14.06.2007, v.u.)[11]

Observa-se o artigo 408, parágrafo 1º do Código de Processo Penal, antes da aprovação da Lei nº. 11.689/2008:

Art. 408:Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronuncia-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.”

  • 1º: “Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomenda-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua captura”

Por sua vez, o moderno artigo 413, parágrafo 1º, dispõe o que segue: “a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.”

Com a reforma do Código de Processo Penal, incluiu-se o termo “fato” em lugar de “crime”, o que é redação tecnicamente mais coerente. Quanto à autoria, a reforma também trouxe nova textualização ao dispositivo, qual seja: refere-se a “existência de indícios suficientes de autoria e participação”. Agora não basta que haja meros indícios, além de existirem eles devem ser suficientes.

Vicente Greco Filho, em sua obra, diz que “o raciocínio do juiz da pronúncia, então, deve ser o seguinte: segundo minha convicção, se este réu for condenado haverá uma injustiça? Se sim, a decisão deverá ser de impronúncia ou de absolvição sumária”.[12] (Questões polêmicas sobre a pronúncia, p.119)

Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, em sua lição faz menção ao princípio do in dúbio pro societate: Cabe análise:

É fácil, na seqüência, perceber que a expressão in dúbio pro societate não exibe o menor sentido técnico. Em tema de direito probatório, afirma-se: “na dúvida, em favor da sociedade” consiste em absurdo lógico-jurídico. Veja-se: em face da contingente dúvida, sem remédio, no tocante à prova – ou melhor, imaginada incerteza – decide-se em prol da sociedade. Dizendo de outro modo: se o acusado não conseguir comprovar o fato, constitutivo do direito afirmado, posto que conflitante despontou a prova; então, se soluciona a seu favor, por absurdo. Ainda, porque não provou ele o alegado, em face do acusado, deve-se decidir-se contra o último. Ao talante, por mercê judicial o vencido vence, a pretexto de que se favorece a sociedade: in dúbio contra reum[13]. (Pronúncia e o in dúbio pro societate, p.6).

Ainda se tratando de pronúncia, o acusado que ainda permanece solto e que tenha paradeiro incerto poderá ser intimado por edital, o que antes da vigência da Lei 11.689 de agosto de 2008 era inadmissível.

Com a reforma da legislação processual penal, buscou-se a elaboração de uma decisão interlocutória mais concisa, melhor expressada em seus termos, o que por si só, é de grande valia para um Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil, principalmente no que se refere à mais democrática instituição jurídica brasileira, o Tribunal Popular.

4.3. Absolvição sumária.

Absolvição sumária, segundo Nucci, “é a decisão de mérito, que coloca fim ao processo, julgando improcedente a pretensão punitiva do Estado.” [14] É uma sentença própria que faz coisa julgada material e é vista como um caso especial de julgamento antecipado da lide, pois, como foi dito, põe fim ao processo.

A antiga legislação processual penal brasileira previa a possibilidade de o juiz absolver sumariamente o réu quando se tornasse efetivamente provado, a existência de causa de exclusão de ilicitude ou da culpabilidade.

A Lei nº.11.689/2008, trouxe um aspecto inovador no que tange a esse procedimento, incluindo mais três hipóteses que devem também serem reconhecidas pelo juiz. A primeira dessas hipóteses acontece quando, havendo certeza e baseado nas provas constantes dos autos, o magistrado poderá reconhecer que o fato imputado ao acusado inexistiu.

O artigo 415, I do novo Código de Processo Penal prevê:

Art. 415: “O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:”

I – “Provada a inexistência do fato;”

A segunda alteração trazida pela Lei 11.689/2008 referente à absolvição sumária, diz respeito ao erro quanto ao autor do delito. Neste caso, é demonstrado que houve o fato típico, porém o autor do crime não é aquele que esta sendo acusado, devendo, desde logo, ser absolvido sumariamente.

Dispõe o artigo supra mencionado inciso segundo:

II – “Provado não ser ele o autor ou partícipe do fato;”

Por fim, a terceira hipótese de absolvição sumária cuida-se de fato atípico. O fato pode ter ocorrido e o acusado pode também ter sido mesmo o autor, porém não há legislação que regule aquele fato como sendo criminoso, é o famoso crime impossível.

Veja-se inciso terceiro, do artigo 415, da Lei nº.11.689/2008:

III – “O fato não constituir infração penal;”

Uma outra mudança significativa abarcada pela nova redação do Código de Processo Penal faz menção ao Recurso de ofício previsto no antigo artigo 411 da legislação processual penal brasileira de meados dos anos 40. Segundo tal dispositivo, “o juiz absolverá desde logo o réu, quando se convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu (arts. 17,18,19, 22 e 24, § 1º, do Código Penal), recorrendo, de ofício, da sua decisão. Este recurso terá efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação”.

O dispositivo legal acima citado foi substituído pelo atual artigo 415 da lei 11.689/2008, deixando, assim, de existir o recurso de ofício no procedimento do júri, no âmbito da absolvição sumária. Neste mesmo sentido, prevê o artigo 416 da mesma Lei, “Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária, caberá apelação” e não mais recurso em sentido estrito.

Por fim, vale ainda mencionar que a partir da vigência da lei que alterou grande parte da legislação processual penal – Lei 11.689 – em agosto de 2008, adotou-se a possibilidade, quando for de interesse da defesa, que se leve ao procedimento do júri, réu tido como inimputável, não cabendo mais ao juiz a absolvição sumária obrigatória, uma vez que, em plenário, poderá ser absolvido por causa diversa, livrando-se da medida de segurança.

4.4. A prisão cautelar no procedimento do júri.

O antigo artigo 408, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal, previa que, em regra, existindo pronúncia, deveria ser decretada a prisão cautelar do acusado. Cabe análise do mencionado artigo:

Art. 408: “Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o autor pronuncia-lo-á, dando motivos do seu convencimento”

Parágrafo 1º: “Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomenda-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua captura”

Com a atual redação introduzida pela Lei nº. 11.689/2008 esse procedimento foi alterado de forma a beneficiar o réu. A prisão cautelar deixou de ser obrigatória e não mais depende a liberdade do acusado dos requisitos previstos nos artigos 408, parágrafo 2º do antigo Código de Processo Penal, quais sejam, “primariedade” e “bons antecedentes”.

De acordo com o dispositivo 413, parágrafo 3º desta mesma Lei, “o juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de qualquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.”

Outrossim, outra alteração trazida pela Lei nº. 11.689/2008, diz respeito ao não comparecimento do réu às audiências. Nesta hipótese, não mais poderá ser decretada a sua prisão cautelar, vez que é direito do réu não comparecer à audiência, mesmo que a intimação tenha sido efetuada com sucesso, bem como, tem o direito de permanecer calado durante a fase do interrogatório criminal.

Em suma, a prisão cautelar não mais é decretada sob os requisitos de “primariedade” e “bons antecedentes”. Esse tipo de prisão foi inserida nos fundamentos da prisão preventiva, ou seja, para que a medida da prisão cautelar seja determinada, é necessário que seja feita análise do disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal, tais quais, a “ garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”

4.5. Libelo e Contrariedade do libelo.

Nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci, “o libelo era a peça acusatória, com conteúdo fixado pela decisão de pronúncia, expondo, na forma de artigos, a matéria que seria submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri, limitando a atuação do órgão acusatório e permitindo plena ciência, pela defesa, do que seria alegado em plenário.”[15]

José Carlos Gobbis Pagliuca ensina que “o libelo é a petição que instaura o judicium causae (mérito da causa) e deve ser articulada, isto é, fato por fato, referente ao que foi pronunciado o réu. Serve, ainda, para o juiz se embasar na feitura dos quesitos no que diz respeito à acusação” [16].

A supressão do libelo e da contrariedade do libelo vem sendo bastante contestada pelos processualistas. Com o fim do libelo buscou-se limitar de forma fundamental, a decisão de pronúncia. Caso o magistrado, baseando-se na pronúncia, não elabore quesitos concentrados, pode a defesa ser prejudicada em plenário, o que acarretaria um sério gravame ao princípio constitucional da plenitude de defesa.

Assim sendo, eliminado o libelo, é essencial uma pronúncia detalhada o suficiente para limitar a atuação da acusação em plenário, fornecendo ao defensor o exato alcance da imputação.

A partir da redação dada pela nova Lei que alterou o procedimento do Tribunal do Júri, torna-se imprescindível sustentar a correlação entre pronúncia e o questionário, não devendo, assim, existir surpresas que possam vir a desmoronar o órgão de defesa em defesa.

4.6. Relatório do processo pelo juiz.

Por relatório do processo entende-se o resumo elaborado pelo magistrado-presidente da sessão, contendo os principais fatos narrados ao longo do processo, mas, todavia, não emitindo qualquer avaliação subjetiva a respeito do caso.

No procedimento anterior à redação da Lei nº. 11.689/2008, essa medida era tomada após o interrogatório do réu em plenário e verbalmente. Esse momento em que era realizado o relatório era visto como inadequado, pois, somente após o interrogatório do acusado era que os jurados adquiriam conhecimentos relevantes do processo que iriam julgar, limitando, portanto, a possibilidade de fazer reperguntas.

Neste mesmo sentido, o relatório feito de forma oral não era memorizado de maneira concisa pelo Conselho de Sentença, que, ao longo das atuações dos órgãos de defesa e acusação em plenário, já não absorveriam todas as informações expressadas verbalmente de forma tão clara.

São partes principais na composição do relatório: resumo do conteúdo da denúncia ou queixa; resumo do conteúdo da defesa prévia (diga-se resposta escrita) com suas alegações preliminares e/ou exceções; elenco das provas colhidas ao longo do inquérito policial; resumo do conteúdo do interrogatório do réu; resumo do conteúdo das alegações finais; resumo do conteúdo da pronúncia; exposição de pontos excepcionais (exemplo: se houve prisão preventiva, prisão em flagrante); se houve aditamento à denúncia e alteração da pronúncia, após a preclusão; quais as provas requeridas e, eventualmente, realizadas na fase de preparação do plenário. Não excluindo as outras que o magistrado considerar importante para o relatório do processo.

Com a alteração da nova lei ao Código de Processo Penal, o relatório ganhou forma escrita e passou a ser incluído na pauta da reunião do Tribunal do Júri, possibilitando o acesso aos jurados antes da instrução em plenário. Para a grande maioria dos processualistas a alteração foi positiva e engrandecerá, ainda mais, a Instituição do Júri.

4.7. Leitura de peças.

Com a reforma trazida pela Lei nº. 11.689/2008 restringe-se a leitura cansativa de peças consideradas sem utilidade ou de pouco interesse para que se apure a busca da verdade real.

A leitura dos autos, por um todo, utilizada anteriormente, muitas vezes como instrumento para se ganhar prazo, foi eliminada e a nova redação introduzida ao Código de Processo Penal pela lei supracitada prevê que será admitida somente a leitura de peças que dizem respeito às provas colhidas por carta precatória no juízo deprecado (exemplo: colheita de testemunho), provas cautelares (exemplo: exame necroscópico), provas antecipadas ou próxima a sucumbir (exemplo: oitiva antecipada de testemunha já em idade avançada) e, por fim, as provas não repetíveis.

4.8. Desaforamento por excesso prazal.

José Carlos Gobbis Pagliuca entende por desaforamento “a situação em que determinado julgamento pelo júri é desaforado, ou seja, transferido da comarca originária para o julgamento do crime a outra (art. 424), causando a derrogação de competência”.[17]

Nucci, por sua vez, entende que desaforamento é “a decisão jurisdicional que altera a competência inicialmente fixada pelos critérios constantes do artigo 69 do Código de Processo Penal, com aplicação estrita no procedimento do Tribunal do Júri, transferindo a apreciação do caso de uma para outra comarca.” [18]

Dispõe o artigo 69 do Código de Processo Penal:

“Art. 69: Determinará a competência jurisdicional:

I – o lugar da infração;

II – o domicílio ou residência do réu;

III – a natureza da infração;

IV – a distribuição;

V – a conexão ou continência;

VI – a prevenção;

VII – a prerrogativa de função.”

O juiz que conduz o processo não terá competência para o desaforamento. Essa competência é sempre da Instância Superior. Ao contrário do que muitos dizem, o desaforamento não viola o princípio do juiz natural, tratando-se de medida excepcional, com previsão em dispositivo legal, não tendo, portanto, o que se falar em inconstitucionalidade para tal instituto.

São basicamente quatro as hipóteses legais para que ocorra o desaforamento e estão previstas no artigo 427, caput, da Lei. 11.689/2008. Cabe análise:

“Art. 427: Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente de acusação ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.”

Nas três hipóteses acima mencionadas, o pedido de desaforamento poderá ser feito por requerimento das partes ou de representação do juiz à Presidência da República ou Tribunal Regional Federal, expondo tais motivos para a razão do pedido. Acontece que o artigo 428, caput, também da Lei 11.689/2008, prevê outra hipótese para o desaforamento e, nesta última hipótese, somente as partes poderão requerê-lo, a saber:

“Art. 428: O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.”

Se o pedido de desaforamento for requerido pelas partes, o magistrado da Comarca é ouvido, pois não há outro indivíduo em posição mais favorável que o juiz para informar a real situação ao Tribunal. Neste mesmo sentido, tem-se que o desaforamento somente é válido para processo cuja decisão de pronúncia já tenha sido transitada em julgado.

A partir da entrada em vigor da Lei nº. 11.689/2008, restou mantido o desaforamento em sua forma original, mas algumas mudanças foram realizadas. O Ministério Público não pode mais proceder em tal pedido, tendo em vista o excesso de prazo para a efetivação do julgamento. Esse prazo acima mencionado, que era de um ano, diminuiu e passa a ser de seis meses a ser contado da decisão de pronúncia transitada em julgado. Conforme prevê o artigo 427, caput, enfocado acima, o desaforamento pode ser feito para Comarca da mesma região, dando preferência àquelas mais próximas. Agora, o relator do pedido de desaforamento, havendo motivos relevantes, terá poderes de determinar a suspensão da sessão em plenário, bem como, restou possível a inclusão, requerida ao Tribunal se seu caso em pauta de julgamento, se não for tumultuar a capacidade de apreciação pelo Tribunal Popular.

4.9. Regulamentação normativa dos apartes.

Anteriormente à vigência da Lei nº. 11.689/2008, não havia regulação normativa ao direito dos apartes, porém, o artigo 3º do Código de Processo Penal admite que sejam valorados os princípios gerais do direito, entre eles o norteador do Tribunal do Júri, o princípio da oralidade.

Com a aplicação desta lei, passa-se a existir, de forma legal, o aparte “como parte integrante dos debates, atribuindo ao juiz presidente o seu controle.” [19] O artigo 497, XII da Lei nº 11.689/2008 estabelece:

Art. 497: São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código:

XII - regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma das partes, quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até 3 (três) minutos para cada aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última.

Por apartes, leciona Guilherme de Souza Nucci, “constitui este o direito que a parte possui de interromper o discurso da outra, durante sua manifestação, para brevemente, expor algum ponto controverso ou prestar algum esclarecimento, no interesse maior do Conselho de Sentença.” [20]

O direito ao aparte permaneceu no cenário do júri por longos anos e ganhou força através do costume, entretanto, só a partir de agosto de 2008, quanto entrou em vigor a lei acima mencionada, é que esse direito ganhou normatividade e passou a fazer parte do corpo legislativo processual penal.

4.10. Elaboração dos quesitos.

Segundo Nucci, “o quesito é uma indagação objetiva, espelhando uma questão de fato, embora possa conter aspectos jurídicos, destinada aos jurados, durante a votação para atingir o veredicto, a ser respondida de maneira sintética, na forma afirmativa ou negativa.” [21]

Dispõe o artigo 482 da Lei nº 11.689/2008 que, “o Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido”. O parágrafo único do mesmo dispositivo legal complementa, “os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes.”

O quesitos formulados deverão indagar sobre “a materialidade do fato”, a “autoria ou participação”, “se o acusado deve ser absolvido”, “se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa” e, por fim, “ se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação” (Artigo 483, do atual Código de Processo Penal).

Vale informar que, segundo parágrafo 1º do mesmo artigo acima citado, “a resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado.”

Com o advento da Lei nº 11.689/2008 a elaboração dos quesitos passa a ser realizada de acordo com as teses levantadas pelas partes em sessão de júri e pelo conteúdo apresentado na pronúncia, e não mais pelo libelo, atualmente extinto. Em relação ao julgamento de mais de um acusado, não mais se elabora um questionário exclusivo para cada um deles, agora, o juiz presidente deve inserir cada co-réu ao questionário único elaborado por ele.

Deste modo, não mais existe quesitos autônomos para cada tese de defesa, pois todos tinham a finalidade única se conseguir a absolvição do acusado. Para tal situação, passa-se a proceder a seguinte pergunta: “o jurado absolve o acusado?” 

4.11. Preservação do sigilo das votações.

Por esse princípio constitucional estabelece-se que após supridas todas as dúvidas porventura existentes e informados aos jurados quanto à incomunicabilidade dos mesmos, assim como lido e explicado os quesitos, dar-se-á início à votação.

Ressalte-se que será reservada sala especial para a sessão de julgamento dos quesitos. A finalidade para tal é, entre tantas outras, a de garantir a segurança dos jurados que não mais estará diante dos olhares atentos do público e assegurar a sua livre convicção nas decisões. Do mesmo modo, na ausência de sala especial para tal ato, deverá o juiz presidente, com o auxílio dos serventuários da justiça, solicitar o esvaziamento do plenário para que, enfim, se proceda a votação (Artigo 485, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal).

Em se tratando da alteração introduzida ao sigilo nas votações pela lei em destaque, percebe-se que foi uma inovação muito significativa. Diferente do que acontecia antes de sua vigência, atualmente não mais se divulga o número total dos votos. Alcançada a maioria (quatro dos sete votos emitidos pelos jurados), seja pelo “sim” ou pelo “não”, o magistrado colocará fim à apuração e registrará o voto para a tese da defesa ou para a tese da acusação.

Buscou-se com esta nova redação dada pela Lei nº 11.689/2008, resguardar o sigilo nas votações e dar mais celeridade ao procedimento, vez que não mais se apuram os votos em sua totalidade.

4.12. Protesto por novo júri.

O protesto por novo júri tratava-se de um recurso especial, exclusivo da defesa, que poderia ser interposto, no âmbito do Tribunal do Júri, quando a condenação destinada ao réu fosse igual ou superior a 20 (vinte) anos.

Com a vigência da Lei nº. 11.689/2008, houve a extinção imediata do protesto por novo júri, pois esse tipo de recurso era considerado inviável, uma vez que só levava em conta o quantum da pena e não cogitava a possibilidade de erro do órgão colegiado que proferiu o veredicto.

Explica Borges da Rosa que o protesto por novo júri somente foi consagrado no Código “por não ter o legislador querido se libertar da tradição vinda do Império, do tempo das penas de morte e galés perpétuas, únicas que, por suma gravidade, pareciam justificar tão esquisita espécie de recurso, que atualmente representa uma complicação desnecessária” [22] (Comentários Ao Código de Processo Penal, p.725).

Pelo fim do protesto por novo júri, posicionava-se grande parte da doutrina brasileira. Trata-se de disposição com conteúdo estritamente processual, desse modo, aplica-se de logo.

  1. Estudo da lei.

O anteprojeto que deu origem à Lei nº.11.689/2008, foi apresentado a vários anos e tramitou pelo Congresso Nacional até tornar-se efetivo em 9 de junho de 2008.

Com a vigência desta lei, buscou-se alterar grande parte do procedimento do júri. Foram alterações significativas que pretendem modernizar o Tribunal Popular, proporcionando-lhe mais celeridade, agilidade, simplicidade e segurança nas decisões.

O resultado final oferecido pelo legislador ordinário, embora exista inúmeras críticas em relação ao assunto, foi positivo e a lei, apesar de ainda recente, vem sendo bem aceita e bem comentada entre os processualistas penais.

Espera-se, com ela, que o Tribunal Popular do Júri seja ainda mais respeitado como instituto democrático que é, oferecendo, ao final, a soberania tão almejada pelo Estado Democrático de Direito.

  1. Considerações finais.

Espera-se, através do presente trabalho tecer breves comentários a respeito das inovações trazidas pela Lei nº 11.689/2008 que alterou o procedimento do júri dos artigos 406 a 497 do Código de Processo Penal. Em síntese, foram alterações significativas que buscaram melhorar a dinâmica da Instituição tida como a mais democrática do Brasil, o Tribunal Popular do Júri.

Como é sabido, somos um país com um nível populacional extremamente elevado e com inúmeros problemas sociais a serem ainda enfrentados e, portanto, toda e qualquer providência tomada para que se modifique, tornando-se melhor determinada legislação, adequando-a às necessidades existentes à época é sempre bem aceita.

Lamentavelmente, ainda há inúmeras carências que não foram supridas até o presente momento, sendo importante que o Estado brasileiro repense seu modo de agir e administrar.

A Lei nº. 11.689/2008, visa agilizar procedimentos que anteriormente à sua vigência demandavam tempo abusivo, bem como, eliminar instrumentos que tumultuavam a máquina estatal contribuindo, ainda mais, para a sua lentidão.

Trata-se de inovação legislativa que diante de sua incidência recente passará por análise de eficácia sob o ponto de vista concreto. Em abstrato, explana disposições legais perfeitas, porém, em caso concreto, cede lugar a questionamentos no que tange a sua eficácia e funcionamento.

_______________________ 

Referências

NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008.

GRECO FILHO, Vicente. Questões polêmicas sobre a pronúncia. Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: RT, 1999.

PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Pronúncia e o in dúbio pro societate. Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel, n.17, jul.set. 2001.

GOBBIS PAGLUICA, José Carlos. Direito Processual Penal. Resumo de direito rideel. 3.ed. São Paulo: Editora Rideel, 2007.

Guilherme Lopes Felício.Tribunal do Júri. Disponível em http://74.125.45.104/search?q=cache:uSrAF_qoNwEJ:www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp%3Fid%3D1623+Pinto+da+Rocha,+%E2%80%9Cas+caracter%C3%ADsticas+essenciais+do+J%C3%BAri+s%C3%A3o&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br. Acesso em 28 de setembro de 2008.

Lise Anne de Borba. Aspectos relevantes do historio do Tribunal do Júri. Disponível em  http://74.125.45.104/search?q=cache:ToiX51vzruQJ:jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp%3Fid%3D2695+ac%C3%B3rd%C3%A3o+de+sete+de+outubro+de+1899,+o+Supremo+Tribunal+Federal+disp%C3%B4s&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=2&gl=br. Acesso em 28 de agosto de 2008.

_______________________

Notas

[1] Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. (pagina 46)

[2] Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. (pagina 43)

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. (pagina 31)

[4] Alexandre de Moraes

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. (pagina 117)

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008.(pagina 118)

[7] Guilherme Lopes Felício.Tribunal do Júri. Disponível em http://74.125.45.104/search?q=cache:uSrAF_qoNwEJ:www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp%3Fid%3D1623+Pinto+da+Rocha,+%E2%80%9Cas+caracter%C3%ADsticas+essenciais+do+J%C3%BAri+s%C3%A3o&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br. Acesso em 28 de setembro de 2008.

[8] Lise Anne de Borba. Aspectos relevantes do historio do Tribunal do Júri. Disponível em  http://74.125.45.104/search?q=cache:ToiX51vzruQJ:jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp%3Fid%3D2695+ac%C3%B3rd%C3%A3o+de+sete+de+outubro+de+1899,+o+Supremo+Tribunal+Federal+disp%C3%B4s&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=2&gl=br. Acesso em 28 de agosto de 2008.

[9]GOBBIS PAGLUICA, José Carlos. Direito Processual Penal. Resumo de direito rideel. 3.ed. São Paulo: Editora Rideel, 2007. (pagina 149)

[10] GOBBIS PAGLUICA, José Carlos. Direito Processual Penal. Resumo de direito rideel. 3.ed. São Paulo: Editora Rideel, 2007. (pagina 153)

[11] Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. (pagina 67)

[12] GRECO FILHO, Vicente. Questões polêmicas sobre a pronúncia. Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: RT, 1999. (pagina 119)

[13] PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Pronúncia e o in dúbio pro societate. Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel, n.17, jul.set. 2001. (pagina 6)

[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. (pagina 94)

[15] [15] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. (pagina 101)

[16] GOBBIS PAGLUICA, José Carlos. Direito Processual Penal. Resumo de direito rideel. 3.ed. São Paulo: Editora Rideel, 2007. (pagina 158)

[17] GOBBIS PAGLUICA, José Carlos. Direito Processual Penal. Resumo de direito. 3.ed. São Paulo: Editora Rideel, 2007. (pagina 160)

Súmula nº 712 do STF: “ É nula a decisão que determina o desaforamento do processo da competência do júri sem audiência da defesa”.

[18] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. (pagina 106)

[19] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008. (pagina 202)

[20] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008 (pagina 202)

[21] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008 (pagina 217)

[22] Apud NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: RT, 2008 (pagina 408)

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Juliana Ladeia Paiva Teixeira

Advogada, graduada pela Faculdade de Tecnologia e Ciências - FTC, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Estado da Bahia sob nº. 42.157, pós graduada em Ciências Criminais pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - ABRACRIM.


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