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O trabalho infantil como forma de violência doméstica

O Trabalho infantil é proibido em nosso ordenamento jurídico e chega a se caracterizar, em muitos casos, como verdadeira forma de violência contra nossas crianças.


Por Luciana Berlini em 01/06/2013 | Direito de Família | Comentários: 0

O trabalho infantil como forma de violência doméstica

O trabalho infantil também pode representar uma forma de violência doméstica contra a criança e o adolescente. Para essa caracterização, no entanto, é preciso entender o trabalho infantil para enquadrá-lo como violência doméstica.

Assim, a primeira coisa que deve ficar clara é que o trabalho infantil é proibido, conforme artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição da República de 1988; artigo 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente e artigo 403 da Consolidação das Leis do Trabalho. (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990a; BRASIL, 2007).

O ordenamento jurídico brasileiro proíbe o trabalho noturno[1], perigoso ou insalubre[2] aos menores de dezoito anos. (BRASIL, 2007). Veda também qualquer espécie de trabalho aos menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. (BRASIL, 1988)[3] Regula ainda, que esse trabalho permitido ao menor, não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola. (BRASIL, 2007).[4]

Cumpre salientar que a proibição do trabalho infantil visa proteger a criança, para que ela não assuma responsabilidade que não é compativel com sua idade, para que não prejudique sua educação, deixando de estudar para trabalhar, ou mesmo, para que não comprometa seu regular desenvolvimento, físico e psicológico.

A idade mínima, a jornada máxima de trabalho e a restrição às atividades nocivas à saúde têm evoluído na proporção do refinamento do Direito Social. No início do século XIX, salvaguardou os direitos do menor trabalhador mediante limitação à jornada de trabalho diária de doze horas. Na França, em 1813, o trabalho nas minas foi terminantemente vedado aos menores. Entre 1841 e 1848 as leis francesas vedaram o trabalho para o menor de oito anos e estipularam jornada máxima diária de oito horas para menores de doze anos e de doze horas para os menores de dezesseis anos. Na Alemanha, no meado do século XIX, as leis proibiam o trabalho do menor de nove anos e reduzia para o máximo de dez horas diárias o trabalho dos menores de dezesseis anos. No final daquele século, a idade mínima para o trabalho foi fixada nos doze anos. (MELO, 2008, p. 1252).

Assim, o permissivo legal para os adolescentes entre quatorze e dezesseis anos trabalharem na condição de aprendiz autoriza que esse jovem trabalhe com um contrato de trabalho especial, no qual parte do seu tempo é dedicado ao aprendizado e a outra parte ao trabalho profissionalizante.

A partir dos dezesseis anos o jovem poderá trabalhar normalmente, desde que não atrapalhe seus estudos e não seja um trabalho noturno, insalubre ou perigoso, conforme regula a legislação brasileira, acima demonstrada.

Analisada a legislação pertinente ao tema, é possível concluir que toda criança ou adolescente até os quatorze anos, salvo entre quatorze e dezesseis anos na condição de aprendiz, que exercer trabalho está sendo violentado, não só em decorrência da violação da lei e dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, mas, principalmente, por esse tipo de trabalho causar danos ao  pleno desenvolvimento infantil e comprometer a dignidade dessas pessoas.

Há nesses casos, portanto, uma presunção de violência, pois como a criança e o adolescente com idade inferior aos 16 anos são absolutamente incapazes, não estão aptos a tomar este tipo de decisão, qual seja, trabalhar. Pois não têm, ainda, discernimento para gerir sozinhos sua vida, motivo pelo qual, devem ser representados por seus pais, que são seus representantes legais.

Dessa forma, é possível caracterizar o trabalho infantil como violência doméstica, pois os pais têm o dever de impedir que seus filhos menores de dezesseis anos trabalhem - lembrando sempre da ressalva da condição de aprendiz permitida a partir dos quatorze anos, em que o adolescente exerce uma forma especial de trabalho compatível com sua idade e favorável ao seu crescimento profissional.

Portanto, se os pais permitem que esses filhos menores trabalhem eles não só podem, como devem ser responsabilizados, haja vista que não estão representando o melhor interesse de seus filhos, em grave afronta à lei.

Claro é que o empregador também é responsável por empregar o menor de dezesseis anos, tanto que esse trabalho infantil só existe na informalidade, pois o Direito não permite, como foi visto, a formalização deste trabalho, justamente para tentar proteger crianças e adolescentes.

Porém, no Brasil, ainda ocorre o trabalho infantil, quase sempre em decorrência da dificuldade financeira dos pais que precisam que seus filhos trabalhem para conseguir condições mínimas de subsistência.

Segundo o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, atualmente, do universo total de crianças e adolescentes entre 5 a 17 anos, o percentual daquelas que trabalham é de 9,79%, totalizando mais de 4,250 milhões - situação que, além de grave, adquire proporções regionais distintas.

Em pesquisa realizada pelo IBGE em 2009, pesquisa nacional por amostragem de domicílios, é no Tocantins que se concentra o maior percentual de trabalhadores infantis (15,7%), enquanto o Distrito Federal é o que tem o menor percentual (3,5%). (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).

Essa a realidade que o Direito precisa enfrentar. Teoricamante, como constatou-se, os pais são responsáveis e devem ser responsabilizados por permitirem que seus filhos exerçam atividades laborativas em afronta à lei, pois entre outras coisas, constitui violência doméstica. Todavia, o Estado precisa garantir a esses pais, famílias carentes, condições de sobreviverem sem o trabalho infantil, com políticas públicas que garantam condições de emprego para os pais, escola para os filhos e dignidade para todos os membros dessa família, como forma de garantir a dignidade humana que o próprio Estado preconiza.

Se assim não for, esse mesmo Estado deverá ser o primeiro responsabilizado pelo trabalho infantil, cabendo, apenas subsidiariamente, a responsabilidade parental.

Para tanto, questão que não pode deixar de ser tratada, consiste na definição desse trabalho infantil, para fins de responsabilidade civil dos pais.

Isso porque, poderia surgir a dúvida se os filhos estariam impedidos de realizar tarefas domésticas, em decorrência dessa caracterização do trabalho infantil como violência doméstica.

A resposta é simples, mesmo diante da complexidade do tema, uma vez que o trabalho infantil deve ser compreendido como trabalho destinado ao adulto que acaba sendo realizado pela criança, sem observar ou preservar seu estágio de crescimento, físico e psicológico, não sendo considerado trabalho infantil o auxílio nos serviços domésticos.

Temos por incompatível com a Constituição, principalmente em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 227), a exploração da vulnerabilidade dos filhos menores para submetê-los a ‘serviços próprios de sua idade e condição’, além de consistir em abuso (art. 227, parágrafo 4º). Essa regra surgiu em contexto histórico diferente, no qual a família era considerada, também, unidade produtiva e era tolerada pela sociedade a utilização dos filhos menores e trabalhos não remunerados, com fins econômicos. A interpretação em conformidade com a Constituição apenas autoriza aplicá-la em situações de colaboração nos serviços domésticos, sem fins econômicos e desde que não prejudique a formação e a educação dos filhos, mas nunca para transformá-los em trabalhadores precoces. (LÔBO, 2003, p. 211).

Neste diapasão, afazeres domésticos adequados à infância e à juventude não ensejam responsabilidade civil para os pais, muito antes pelo contrário, ensinar os filhos a arrumar a cama, recolher os brinquedos que acabaram de usar, organizar o armário, por exemplo, são atividades que os filhos devem exercer para que desenvolvam a noção de responsabilidade, disciplina e educação, como ensina Ana Carolina Brochado Teixeira:

Essa realidade é diferente daquela em que o filho é educado como colaborador dos serviços domésticos, que tem muito mais uma função educativa do que propriamente laborativa. Assim, o que se revela é o papel que cada membro da família exerce no cotidiano familiar, cuja função é eminentemente inclusiva, pois chama o filho a participar da realidade daquela família, preparando-o para a realidade que enfrentará enquanto adulto, no que tange à necessidade de colaboração mútua. (TEIXEIRA, 2008, p. 262).

Mesmo porque, esses afazeres domésticos não representam, como no caso de trabalho infantil, exploração econômica dos fillhos.

Sendo que, configurada esta exploração, os pais deverão ser responsabilizados, podendo, inclusive, serem destituídos da autoridade parental, como já decidiu o Tribunal Mineiro:

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ABANDONO MATERIAL E MORAL. UTILIZAÇÃO DOS FILHOS COMO MEIO DE VIDA. COMPROVAÇÃO. 1 - A destituição do poder familiar é a mais severa sanção a ser aplicada aos pais, que não exercem, de forma adequada, este poder-dever. 2 - Comprovado que os pais não reúnem as condições mínimas necessárias para cuidarem da formação de seus filhos, deixando-os constantemente sozinhos, sem cuidados médicos, higiene e alimentação, bem como utilizando-se deles para auferir vantagens de terceiros, resta caracterizado o abandono que autoriza a destituição do poder familiar. 3 - Apelação improvida. (MINAS GERAIS, 2008a).

Assim, o trabalho infantil, já conceituado, deve ser combatido, pois este sim viola os direitos da criança, por causar um maior desgaste físico e abalo psicológico, que normalmente não acomete os adultos, propiciando também, uma maior sujeição das crianças aos temíveis acidentes de trabalho.

Sem contar que o trabalho infantil afasta a criança da sua infância, período em que deve brincar e estudar, gerando sérios impactos negativos em sua formação, comprometendo sua qualificação profissional, transformando essa criança em um adulto desqualificado e, ainda, envelhecido precocemente, pela perda da infância. (DUARTE, 2007, p. 127).

Sucintamente, restou demonstrado que o trabalho infantil é uma forma de violência doméstica, assim como a violência física, psicológica, sexual e a negligência precoce, sempre que dirigida pelos pais contra seus filhos menores, cabendo à família, sociedade e Estado garantir que esta violência não ocorra.

 _____________________________________________________________________________________

[1] Artigo 404 da Consolidação das Leis do Trabalho.

[2] Artigo 405 da Consolidação das Leis do Trabalho, regulamentado pela Portaria 20 da Secretaria de Inspeção do Trabalho, de 13 d setembro de 2001, em consonância com o Decreto 6.481/2008, que traz 93 atividades proibidas para menores de 18 anos.

[3] Artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição da República de 1988.

[4] Artigo 403 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Fotos: Aine Moorad / Shutterstock.com

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Luciana Berlini

Mestre e Doutora em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora dos Cursos de Pós-Graduação da Universidade de Coimbra e da Faculdade Estácio. Coordenadora do Curso de Pós Graduação em Direito e Adjunta da Graduação em Direito da Faculdade Estácio - FESBH. Advogada.


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