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Considerações sobre a aplicação dos contratos inteligentes no Brasil


Por Nívia Quevedo dos Anjos em 29/11/2019 | Direito Civil | Comentários: 0

Introdução

O presente artigo propõe descrever e analisar a evolução dos contratos inteligentes com ênfase em sua aplicação do âmbito financeiro.

Pretende explicar como se chegou a esta aplicação e, demonstrar qual impacto sua utilização está trazendo para o funcionamento do sistema financeiro brasileiro.

Esse estudo busca colocar os antecedentes dos contratos inteligentes e demonstrar como se da sua evolução mesmo sem regulamentação no Brasil. Tem como objetivo geral estabelecer parâmetros para o enquadramento legal das soluções que estão sendo propostas para a implementação dessa aplicação no Brasil, haja vista a legislação não acompanhar a velocidade com que as tecnologias avançam e nem mesmo a velocidade com que os negócios precisam ser feitos. 

O Caminho até os Contratos Inteligentes 

Para que se entenda sobre os contratos inteligentes, é imprescindível que se escreva algumas palavras acerca de blockchain e, para falar em blockchain necessário se faz a alusão ao Bitcoin, por esse motivo, será brevemente analisado sobre esses temas nas próximas linhas. 

O bitcoin é a principal moeda digital. Foi consolidada no mercado como unidade monetária livre e descentralizada. A partir dela foi possível transferir dinheiro sem intervenção de agentes intermediários.

No Brasil, do ponto de vista jurídico, é possível caracterizar bitcoins como bens jurídicos móveis incorpóreos, definido, mais precisamente, no artigo 83, inciso III do Código Civil Brasileiro onde encontramos que consideram-se bens móveis os “direitos pessoais de caráter patrimonial e suas respectivas ações”.

Essa moeda, ou, ativo financeiro, consoante denominação da Receita Federal Brasileira, ainda não é tributada. Suas transações não exigem pagamentos em cédulas ou encargos, entretanto é possível a incidência de impostos sobre a renda obtida proveniente das operações envolvendo criptomoedas. Seria possível sua cobrança pela prestação de informações no âmbito de obrigações acessórias.

A forma de transferência dos usuários é via P2P ou par a par, e essa tecnologia é sustentada vários bancos de dados descentralizados, distribuídos e compartilhados, denominado blockchain.

É incontestável que vivemos em uma época em que a informação remodelou a forma com que a sociedade lida com seus relacionamentos e, isso inclui a forma de interação com o dinheiro. Conforme coloca Fernando Ulrich em sua Obra “Bitcoin A Moeda na Era Digital”, o Bitcoin é resultado de décadas de pesquisa. Demonstramos, com breves linhas, como o referido autor introduz o tema: 

Mas para entendermos melhor como a ciência da computação e a internet possibilitaram a criação do experimento Bitcoin, é preciso ir mais além e compreender as principais tecnologias intrínsecas ao sistema. Basicamente, o Bitcoin é a junção de duas tecnologias: a distribuição de um banco de dados por meio de uma rede peer-to-peer e a criptografia. A primeira foi somente possível com o advento da internet. Já a segunda é bastante antiga, mas seu potencial não poderia ter sido devidamente explorado antes da era da computação.

Ao contrário das redes usuais, em que há um servidor central e os computadores (clientes ou nós, nodes, em inglês) se conectam a ele, uma rede peer-to-peer não possui um servidor centralizado. Nessa arquitetura de redes, cada um dos pontos ou nós da rede funciona tanto como cliente quanto como servidor – cada um dos nós é igual aos demais (peer traduz-se como “par” ou “igual”) –, o que permite o compartilhamento de dados sem a necessidade de um servidor central. Por esse motivo, uma rede peer-to-peer é considerada descentralizada, em que a força computacional é distribuída. (ULRICH, 2014, p. 44)

Com a invenção do Bitcoin, que é uma das aplicações do Blockchain, foi extinto o problema do gasto duplo, por exemplo. O chamado Gasto Duplo acontece quando um usuário transfere o mesmo ativo para mais de uma pessoa. Além disso, as transações podem ser feitas sem a intervenção de terceiros, o que sem dúvidas é um facilitador. 

Com o Bitcoin é possível distribuir o registro a todos os usuários da rede, antes, essas questões somente poderiam ser superadas se houvesse um terceiro que intermediasse e validasse a transação. 

Os Sistemas de Informação distribuídos são implementados com frequência em muitos negócios, para sua existência é preciso que se cumpra alguns requisitos como integração, compartilhamento, consistência, integridade e transparência; para que se tenha e se cumpra todos esses requisitos, as tecnologias de registro distribuídos são a principal alternativa e solução, pois possuem como base o algoritmo de consenso.

Os algoritmos de consenso estabelecem uma espécie de acordo sobre quando um bloco de transações pode ser considerado válido e adicionado à blockchain.

As transações que foram produzidas em Bitcoin são registradas em Blockchain e validada por milhares de usuários. É possível que estas transações sejam descentralizadas porque não são denominadas em pesos ou reais, por exemplo, mas em bitcoins, de forma que o valor em reais dessa moeda virtual é determinado em um mercado aberto.

Fernando Urlch explica com simplicidade o funcionamento dessas transações: 

As transações são verificadas, e o gasto duplo é prevenido, por meio de um uso inteligente da criptografia de chave pública. Tal mecanismo exige que a cada usuário sejam atribuídas duas “chaves”, uma privada, que é mantida em segredo, como uma senha, e outra pública, que pode ser compartilhada com todos. Quando a Maria decide transferir bitcoins ao João, ela cria uma mensagem, chamad11a de “transação”, que contém a chave pública do João, assinando com sua chave privada. Olhando a chave pública da Maria, qualquer um pode verificar que a transação foi de fato assinada com sua chave privada, sendo, assim, uma troca autêntica, e que João é o novo proprietário dos fundos. A transação – e portanto uma transferência de propriedade dos bitcoins – é registrada, carimbada com data e hora e exposta em um “bloco” do blockchain (o grande banco de dados, ou livro- -razão da rede Bitcoin). A criptografia de chave pública garante que todos os computadores na rede tenham um registro constantemente atualizado e verificado de todas as transações dentro da rede Bitcoin, o que impede o gasto duplo e qualquer tipo de fraude. (URLCH, 2014, p. 44)

É possível entender que a conformidade entre os envolvidos, ou entre a comunidade é o que sustenta e fortifica a blockchain. É possível que os usuários de uma aplicação constantemente possam verificar e confirmar dados, sendo seguro realizar transações mesmo entre pessoas que nunca se encontraram, pois é possível a verificação do histórico das operações.

A autora Stella Loiacono expõe interessantes reflexões acerca do uso da blockchain e sua real necessidade atentando para o fato de que as aplicações de Blockchain dependem de casos específicos de utilização para que seja dada como válida a não regulação da transação: 

En nota aparte, debo comentar el tema de la descentralización o la desinterm40271diación. Una de las ventajas postuladas por la implementación Bitcoin sobre Blockchain es la no necesidad de una entidad central reguladora de las transacciones, alguien que tenga el poder de dar validez al movimiento, porque la implementación misma basada en consenso se asegura de la validez y deja, por ende, sin sentido a la entidad centralizada. El mejor ejemplo es Bitcoin, una critpomoneda desregulada con 10 años de circulación en el mercado. Pero si bien, esto es un beneficio en casos de uso como es claramente el lanzamiento de la criptomoneda, no se convierte en una característica excluyente de las redes Blockchain. No todas las implementaciones de Blockchain necesariamente buscan la desregulación de un valor, todo dependerá del caso de uso específico. (LOIACONO, 2019)

As relações bancárias feitas utilizando-se o sistema eletrônico do banco são passíveis de falhas em vários momentos, mesmo que de uma simples transação como transferência do valor de uma conta para outra, além da demora para efetivar a operação, existe o alto custo envolvido, como em uma transação internacional.  

Junto com a questão das transações diretamente bancárias, podemos mencionar o comércio realizado pela internet. Este comércio é auxiliado por instituições financeiras que intermediam e fazem o processamento dos pagamentos realizados eletronicamente. 

El comercio es una de las más antiguas actividades del hombre y su evolución está ligada a la tecnología, de lo que hoy conocemos como comercio electrónico. 

El E-commerce es, sin duda, uno de los acuerdos de negocios que más ha crecido en los últimos años, como rompió la barrera de las fronteras, una vez a través de internet es posible comprar en otros países sin salir de casa. Sin embargo, tal oferta comercial implica un acercamiento mayor entre los países.

Existe um alto nível de insegurança feita em transações pela internet, tendo em vista que são operações com possibilidade de reversibilidade, assim, é inevitável que o comerciante necessite de mais dados pessoais do comprador, para assim poder validar a compra.

Ademais, é também inseguro para o comprador que por vezes tem que fornecer seus dados para o vendedor e também no momento em que vai efetuar o pagamento, na transação bancária.

Por esse motivo é importante traçarmos algumas linhas sobre como essa questão vem sendo tratada no Brasil e, assim, termos mais elementos para delinearmos uma análise acerca destes avanços que estão interligados.

No Brasil, até a edição da Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), não havia regulamentação sobre o tema, sendo extremamente frágil configurar uma proteção de dados pessoais, pois as empresas, para qualquer negociação, solicitavam inúmeros dados, e o consumidor, para adquirir o bem não via outra alternativa a não ser fornecer o que fora solicitado.

Em artigo de autoria de Laura Schertel Mendes, desenvolvido para a Revista Panorama Setorial da Internet, a autora esclarece que a norma deve ser empregada tanto pelo setor público como privado e, com certeza a internet é um campo onde a lei incidirá. A autora também coloca em casos de exceções como respaldo a algum direito fundamental ou interesse público relevante:

Por a LGPD se basear em um conceito amplo de dado pessoal, a princípio todo tratamento de dados – realizado tanto pelo setor público quanto pelo privado – está submetido a ela. Seu âmbito de aplicação abrange também a Internet.

 As exceções são justificadas de forma particular, seja pelo respaldo em um direito fundamental (por exemplo, a liberdade de informação, no caso da exceção à atividade jornalística) ou no interesse público relevante (como nas exceções à segurança pública e defesa nacional). Outra inovação na lei é a ideia de que o tratamento de dados deve se amparar em uma base legal. Essas bases são variadas, destacando-se o consentimento, a execução de um contrato, o dever legal do controlador, o tratamento pela administração pública e o legítimo interesse. (MENDES, 2019)

O artigo 6° da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais traz os princípios da Necessidade e Transparência, entre outro também de grande importância como obrigatórios na utilização das estruturas que trabalham com processamento de dados:

Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios:

I - finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades;

II - adequação: compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento;

III - necessidade: limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados;

IV - livre acesso: garantia, aos titulares, de consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do tratamento, bem como sobre a integralidade de seus dados pessoais;

V - qualidade dos dados: garantia, aos titulares, de exatidão, clareza, relevância e atualização dos dados, de acordo com a necessidade e para o cumprimento da finalidade de seu tratamento;

VI - transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial;

VII - segurança: utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão;

VIII - prevenção: adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais;

IX - não discriminação: impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos;

X - responsabilização e prestação de contas: demonstração, pelo agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas.

A Blockchain pode ser aprimorada e utilizada em diversas aplicações como por exemplo, mecanismo de armazenamento e processamento de transações financeiras, além de armazenamento de dados pessoais das empresas, colaboradores e funcionários; gerando um alto grau de proteção a dados de importância para o andamento da empresa. 

É possível visualizar uma utilização necessária na proteção de documentos de identificação pessoal, além da autenticação de informações; que, revestidos de segurança, viabiliza a conexão entre eles e torna sem possibilidades a violação de dados pessoais.

Na Blockchain pública, por exemplo, a validação não é feita por um órgão centralizador e sim pela rede. Os dados ali colocados, nos casos de blockchain públicas, estão disponíveis para toda a comunidade. O conceito de fazer o processo ser validado é sustentado pelos usuários, quanto maior a cadeia, maior a confiabilidade.

No Brasil, mesmo não havendo uma legislação específica existe a possibilidade de usar provas no meio eletrônico, mas não é detalhado qual a forma. Essa possibilidade está prevista no artigo 369 do Código de Processo Civil Brasileiro, lei nº 13.105 de 2015:

 Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

Encontramos na jurisprudência brasileira, uma situação em que a utilização da Blockchain foi aproveitada na fundamentação de uma decisão judicial. O tribunal de justiça de São Paulo, reconheceu autenticidade em blockchain no  processo de nº 2237253-772018.8.26.0000:

OBRIGAÇÃODEFAZER.TUTELAPROVISÓRIADEURGÊNCIA. Publicações em páginas do Facebook, Instagram e Twitter. Alegação de conteúdos inverídicos e ofensivos, com o objetivo de produzir o descrédito do autor junto à opinião pública.Pretensão de remoção dos conteúdos, fornecimento de informações dos usuários e abstenção de comunicação dos requerimentos a terceiros. Descabimento. Requisitos do art. 300 do CPC ausentes.Liberdade de expressão e manifestação, direito à informação e inviolabilidade da honra e imagem assegurados pela ConstituiçãoFederal (arts. 5º, IX, IV, V e X, e 220). Controle judicial da manifestação do pensamento tem caráter excepcional, sob pena de indevida censura. Necessidade de demonstração da falsidade da notícia. Precedentes do STJ. Matéria fática que demanda análise mais aprofundada sob crivo do contraditório e ampla defesa. Ausentes requisitos necessários para o fornecimento liminar de informações dos usuários. Art. 22, Lei nº 12.965/14. Abstenção de comunicação a terceiros que não se justifica, pois o autor já providenciou a preservação do conteúdo. Decisão mantida. Recurso não provido.

[...]

Outrossim, não se justifica a pretensão de abstenção decomunicação de terceiros a respeito dos requerimentos do agravante e dos termosda demanda, inclusive porque o próprio recorrente afirmou que“a partir doconhecimento dos fatos, o Autor providenciou a preservação de todo o conteúdo viaBlockchain, junto à plataforma OriginalMY, hábil a comprovar a veracidade e existência dos conteúdos”(fls. 36).

No caso que foi acima demonstrando, o autor, que alegava publicação de conteúdos falsos e ofensivos em páginas do Facebook, Instagram e Twitter, buscou a preservação do conteúdo via Blockchain, junto à plataforma OriginalMY. Dessa forma, a juíza considerou comprovada a existência do fato. 

Registrar o que acontece na cadeia blockchain pode ser usado para vários segmentos e, um deles é o dos contratos inteligentes. A blockchain armazena e permite o controle das transações realizadas dentro da aplicação, essas transações serão agrupadas em blocos que é a unidade básica de dados armazenando.

Cada bloco possui identificador único que permite sua identificação e a possibilidade de identificação de seu bloco anterior. Cada bloco inserido contém uma hash, que funciona como uma assinatura. Esse hash é gerado a partir dos dados do bloco anterior. Assim, para realizar a alteração de um bloco atual é preciso a modificação de todos os blocos posteriores e, além disso, garantir que mais de 50% dos mineradores da rede também aceitem a modificação, isso torna o mecanismo de consenso extremamente seguro.

Essas breves e simples demonstrações foram necessárias para que, com uma visão geral de suas funcionalidades, possamos adentrar nas aplicações possíveis dentro da blockchain, pois muitos usuários encontram na rede que sustenta o Bitcoin uma grande capacidade de disrupção, tendo em vista que a blockchain com a possibilidade de criar redes descentralizadas têm potencialidade de comportar aplicações capazes de alterar vários segmentos.

Conceito de Contratos Inteligentes

No ano de 1996, Nick Szabo, cientista da computação, deu início à ideia de smart contracts por meio de uma publicação feita Extropy Institute, mas somente no ano de 2015, com o Ethereum que os contratos inteligentes puderam se tornar realidade.

É possível entender que os documentos tradicionais físicos podem conter uma linguagem jurídica truncada e passível de interpretações, sua validação depende de terceiros e está sujeita a um sistema judicial público que pode ser demorado e ineficiente. 

A figura dos Smart Contracts ou Contratos Inteligentes são tipos de contratos capazes de se auto executarem, para que funcione deve ser acordado as condições que farão com que o contrato se execute. Podem ser entendidos como um agente autônomo que é armazenado em uma Blokcchain.

As regras acordadas serão inseridas no sistema e programadas por um código que, após a anuência das partes se cumprirá de forma irreversível. 

Quem adere aos smart contracts pode realizar uma infinidade de transações, como por exemplo, troca de dinheiro, de propriedade ou de qualquer bem que possua e seja livre de ônus. As regras deste contrato são inseridas no sistema e programadas para serem automaticamente executadas diante da ocorrência de um termo, como uma situação pré-determinada ou uma data limite.

Os contratos são marcados pela ausência de ambiguidade, tendo em vista a necessidade de interpretação pela máquina. O contrato inteligente é caracterizado como um código que será executado na forma como programado.

No Brasil não existe regulamentação deste tipo de contrato, ocorre que, não havendo legislação específica, estes contratos são caracterizados como atípicos, devendo para atendê-los ser utilizado o artigo 425 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil): “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.  

Os contratos inteligentes serão fundamentais para a realização de transações financeiras, principalmente pela transparência, característica essa importantíssima, principalmente em se tratando de instituições financeiras. A utilização desta aplicação, sem dúvidas confere maior autonomia às partes além de celeridade no procedimento e confiabilidade, pois todo o trâmite estará disponível aos envolvidos e, sendo validado passo a passo.

O contrato inteligente é uma das tecnologias executadas no âmbito do blockchain em uma versão mais evoluída que o Bitcoin (pois esse somente permite contratos inteligentes básicos), a plataforma Ethereum que permite que quem o desenvolve possa escrever seus programas da forma como melhor interessar para aquela situação em concreto. 

A plataforma Ethereum foi proposta em 2013 por Vitalik Buterin foi lançada em 2015 como uma plataforma pública de código aberto. Nela os contratos são escritos em linguagem de programação como Solidity.

Stella Loiacono explica os smart contracts como um conceito que desenvolveu outra criptomoeda na sua implementação do Ethereum:

Otro concepto fundamental a la hora de empezar a pensar en la aplicación que construiremos sobre la tecnología Blockchain de nuestra elección es la posibilidad de utilizar “Smart contracts”, un concepto que desarrolló en la práctica otra criptomoneda en su implementación de Ethereum, y que permite agregar código inteligente en forma de reglas de negocio “inmutables” que serán ejecutadas con cada transacción según se programen. Esta utilización de las reglas de negocio agrega una capa más de velocidad, independencia, eficiencia a las prestaciones que ya ofrece una blockchain naturalmente. 

Na área financeira é interessante perceber que existem inúmeras possiblidades de aplicações como a implantação de criptoativos, gestão de empréstimos, pagamentos, seguros. As fintechs, sem dúvidas, são as maiores investidoras desse segmento, entretanto, os bancos tradicionais e, inclusive, o governo vem optado pelo investimento na tecnologia, mesmo que para situações corriqueiras, inicialmente. 

Pode ser considerado um código de computador, auto executável desenvolvido para facilitar e efetivar as operações financeiras em blockchain. Muito mais do que colocar o que deve ser feito, o contrato inteligente também executa o conjunto de instruções.

É possível, inclusive, que somente parte dos contratos realizados pode ser gerida por um contrato inteligente, através de códigos de computador e com a segurança trazida pela blockchain.

Os contratos inteligentes formalizam negociações entre duas ou mais partes sem a necessidade de mediadores. Nada mais é que automatização de processos, é possível certificar partes do contrato em blockchain o que torna aquela parte do contrato completamente imutável. 

Para os bancos, essa aplicação pode ser de grande valia, com essa tecnologia é possível automatizar processos simples, tanto internos, como uma rápida aprovação e realização de transação entre clientes. 

Segundo notícia veiculada na revista Época Negócios em fevereiro de 2018, o custo médio de uma transação internacional, por exemplo, é de 7,68%, tendo em vista taxas e câmbio, além do tempo de validação da transação. 

Esse procedimento, sendo automatizado em forma de contratos inteligentes, certamente facilitaria e fomentaria essas transações. 

A evolução contratual é essencial para o desenvolvimento econômico de nações em desenvolvimento. O aspecto econômico do desenvolvimento está atrelado á realização dos direitos humanos. 

Para que sejam atendidos os interesses econômicos dos agentes a tecnologia alcança a seara contratual, os contratos inteligentes são uma inovação em linguagem que pode ser lida por outra máquina, que existe sem a intermediação de terceiros. 

Com o surgimento da blockchain, que proporciona uma redução de custos e fornece uma segurança até mesmo jurídica as contratações, ganha a atenção dos contraentes.

Com a implementação de cláusulas contratuais mediante a realização de códigos computacionais, resta o questionamento sobre como impor a compreensão destas cláusulas pelos tribunais, bem como sobre a possibilidade de implementar por meio de códigos, a resolução dada à demanda.

A proteção de dados ganha viés nesse contexto, pois como não ocorre na celebração de contratos tradicionais, os contratantes deixam uma marca, ou seja, suas informações ficam certificadas e outra pessoa pode verificar a veracidade. 

Mesmo com bastante segurança, é possível que existam erros de programação em máquinas e também erros de transmissão, afinal os contratos inteligentes não estão alheios a problemas técnicos ou erros de programação. 

Efetividade dos Contratos Inteligentes e Aplicações no Brasil

Questiona-se a possiblidade de anulação de um contrato inteligente viciado, o que não encontra no ordenamento jurídico brasileiro uma fonte segura de respostas a todos os questionamentos advindos dessa aplicação. Ademais, a complexidade técnica e velocidade com que se coloca em prática estas aplicações, não é passível de acompanhamento pela justiça brasileira. 

No brasil o direito contratual é permeado por princípios jurídicos que devem orientar e suprir lacunas legislativas na confecção e execução dos contratos, assim a análise dos contratos inteligentes deve ser submetida a ótica dos princípios que norteiam o tema.

Os contratos inteligentes precisam respeitar as normas e princípios estabelecidos em lei para que possam ter validade jurídica. Como já dito antes, a atividade legislativa não consegue acompanhar a velocidade com que a tecnologia se desenvolve, portanto é necessário a busca dos princípios como norte para suprir as inúmeras lacunas que encontramos nesse meio. 

Trataremos aqui do Princípio da Função social do contrato que foi positivado no Brasil, no artigo 421 do código Civil brasileiro, hoje alterado pela medida provisória 881 de 30 de abril de 2019:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. (Redação dada pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado, por qualquer dos seus poderes, e a revisão contratual determinada de forma externa às partes será excepcional. (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

O contrato integra e altera a realidade, além de produzir efeitos para além das partes. Ao contrário do que pode parecer, a função social do contrato não vem limitar a autonomia dos contraentes diante do interesse social. Conforme o artigo 170 da Constituição Federal traz questões importantes de atenção a livre iniciativa e execução de atividades econômicas: 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: 

 I -  soberania nacional;

 II -  propriedade privada;

 III -  função social da propriedade;

 IV -  livre concorrência;

  V -  defesa do consumidor;

 VI -  defesa do meio ambiente;

 VII -  redução das desigualdades regionais e sociais;

 VIII -  busca do pleno emprego;

IX -  tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

 Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Um contrato inteligente, sendo autoexecutável, obrigatório, e irretroativo, afasta interferências externas; não é possível, por meio de um aditivo, por exemplo, modificar qualquer dos efeitos produzidos, nem por vontade das partes, nem por decisão judicial que nos termos como é hoje concebida, não teria o poder de reversibilidade dos comandos do contrato, não sendo possível atingir e alterar um código computacional autoexecutável. 

O fato de os contratos operarem com informações inseridas em rede blockchain, lhes confere imutabilidade e autoexecutoriedade. As transações envolvendo contratos inteligentes baseiam-se no uso de chaves públicas e privadas. 

No direito brasileiro a subjetividade do contrato, ou seja, a intenção das partes, prevalece, analisando cada caso, sobre a literalidade dos contratos, isso está exposto no artigo 112 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil): “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

Pelo fato de ser imutável, no caso dos contratos inteligentes não é possível que o contrato seja emendado no sentido de alterar informações ali inseridas ou que sua execução seja impedida, nesse caso, ou seja, quando ocorre uma falha, as partes podem rever as questões controvertidas somente buscando o sistema judiciário. Entretanto, conforme a tecnologia utilizada, é possível adicionar informações, o que em algumas situações, caso previsto, substituiria uma cláusula anterior.

Assim, a falta de flexibilidade certamente é uma questão quando se trata de contratos inteligentes. Entretanto, como brevemente mencionado acima, é possível que somente uma parte da relação seja transacionada por contratos inteligentes, o que é possível que traga mais segurança e agilidade para partes importantes de uma relação contratual.

No Brasil, o Banco Nacional do Desenvolvimento -BNDES, desenvolveu um mecanismo para rastrear a aplicação de recursos Públicos em projetos de financiamento do próprio BNDES, com isso os projetos teriam seu andamento demonstrados com clareza, além da acessibilidade à informação de como estes recursos estão promovendo o desenvolvimento do país.

Esse recurso será representado por um token, o BNDESToken que representa um ativo digital que pode ou não referir-se a um ativo real. São processados como contratos inteligentes e eles contém o saldo das emitidas que possuem o BNDESToken. É possível disponibilizar transferências de recursos, emitir e destruir a moeda, além da visualização do saldo.

Não será aumentado a base monetária do país, pois o BNDES deixa de liberar a moeda nacional, mas a mantém como lastro, além disso, não há correção de inflação nos tokens, não havendo modificação de números de tokens em uma conta.

Para que essa implementação seja possível, foi escolhido o uso da tecnologia Blockchain da rede Ethereum, tendo em vista a sua capacidade de desenvolvimento de contratos inteligentes com alta complexidade, dessa forma, os tokens são implementados como contratos inteligentes. 

A escolha foi pelo uso da blockchain pública, tendo em vista a existência de muitos nós, o que ajuda a dificultar a fraude de dados. Além disso, em uma blockchain pública é permitido que o acompanhamento seja feito por qualquer pessoa que conectar seu software de monitoramento na blockchain.

Essa aplicação está em fase de testes e correções, ainda existem muitas questões a serem avaliadas, inclusive se a plataforma Ethereum é a melhor forma de implementação da aplicação. 

Uma questão interessante e nova é o fato de que o Banco Central do Brasil (BACEN) está desenvolvendo formas de substituição da transferência eletrônica disponível TED e documento de ordem de crédito DOC, que irá conectar bancos, pessoas e empresas sem qualquer interferência. É possível que ao ser implementada essa nova forma de transação não haja espaço, por muito tempo para o uso dos cartões de crédito, por exemplo. 

Conclusão

A tecnologia Blockchain permitiu a criação de aplicações que vão além das funcionalidades da bitcoin, como os contratos inteligentes que são desenvolvidos na plataforma Ethereun.

A tecnologia nos demonstra possibilidades de acesso a esses sistemas automatizados de desenvolvimento de executabilidade de transações e várias ferramentas atinentes a eles. Entretanto, não é possível afirmar que os contratos inteligentes irão substituir os contratos tradicionais, pelo menos não em sua totalidade.

Não obstante a possibilidade de anexos nas transações, a imutabilidade dos contratos inteligentes é uma questão a ser superada e melhor desenvolvida, de forma que será possível que determinadas partes de uma transação possam ser alteradas ou seja a elas permitido a intervenção humana sem a necessidade da busca pelo poder judiciário. 

Por hora, esses contratos inteligentes demonstram sua eficiência no gerenciamento e transações mais simples e rotineiras que, a depender do contexto que estão sendo utilizados, é inegável sua participação na ativação e desenvolvimento econômico, facilitando e agilizando transações bancárias, inclusive contribuído para o funcionamento de entes governamentais. 

Sem dúvida é um caminho que já está sendo trilhado e necessita de ajustes, principalmente a medida que for implementado, entretanto não é mais uma ilusão a necessidade de iluminarmos essa área e, mais que isso, reconhecermos a importância da sua aplicabilidade.

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As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Nívia Quevedo dos Anjos

Sócia proprietária do Escritório NIVIA QUEVEDO ADVOCACIA, atuante nas áreas de direito empresarial e tributário, com foco em Compliance, Direito digital e Startups. Mestranda em direito empresarial na Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales - UCES, Buenos Aires/AR. Palestra recentemente ministrada na Universidad de Ciencias Empresariales y Socieales - UCES versando sobre o tema: Compliance nos investimentos para Startups.


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