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O afastamento da estabilização da tutela antecipada antecedente: o STJ e a divergência entre o agravo e a contestação

Entre o agravo e a contestação como meios para afastar a estabilização, qual medida adotar? Por ora, nem mesmo o STJ sabe a resposta


Por Vinícius Marin Cancian em 22/11/2019 | Processo Civil | Comentários: 0

Tags: Código de Processo Civil.

O afastamento da estabilização da tutela antecipada antecedente: o STJ e a divergência entre o agravo e a contestação

 

O rearranjo estrutural das tutelas provisórias no CPC/2015 não foi a única mudança que sentida na transição das legislações processuais. Dentre as mudanças sentidas – positivas ou não – destacam-se a extinção do livro das tutelas cautelares típicas e a concessão de medidas conservativas exclusivamente pelo poder geral de cautela; a sistematização de um regime geral a todos tutelas provisórias, com destaque para a unificação dos elementos concessivos das tutelas provisórias; a ampliação das hipóteses de cabimento da tutela de evidência; e por fim, a criação do procedimento de tutela antecipada antecedente, cujo resultados se sujeitam à estabilização – e esta, com certeza, e mais significativas das mudanças – do seus efeitos.

Contudo, não é apenas as mudanças na Lei que saltam aos olhos, mas também a falta de coerência nas tomadas de posições eleitas pelo Código. O critério utilizado nas escolhas das hipóteses do art. 311, assim como algumas inconsistências procedimentais na tutela antecipada antecedente, vide a necessidade de aditamento da petição inicial, segundo a exigência literal do art. 303, §1º, I, mesmo com a estabilização dos seus efeitos[1], marcam algum dos equívocos e despreparo do legislador ao redigir temas sensíveis do CPC/2015.

Com efeito, incumbe à literatura processual e à jurisprudência dar coerência ao conjunto de regras que parecem não conversar entre si. Por se tratar de Lei Federal, em nossa ordem constitucional, o STJ deve avocar esse papel de uniformizador da jurisprudência, tal qual o próprio CPC/2015, no art. 926 exige. Contudo, ao menos recentemente, o STJ em nada contribui à coerência na sistematização das tutelas provisórias.

Uma das divergências no tema é quanto ao meio de impugnação necessário à afastar a estabilização. O art. 304, caput, se interpretado literalmente, dispõe que a estabilização apenas não se opera se houver o respectivo recurso, que, no caso, seria o agravo de instrumento (art. 1015,I). Contudo, também se sustenta que o Agravo não deveria ser o único meio de afastar a estabilização, podendo outros meios também ter essa mesma função.

Essa segunda posição foi a tomada pelo STJ no REsp 1760966/SP, em dezembro de 2018, relatado pelo Min. Marco Aurélio Bellizze. Como bem observado no acórdão:

3.2. É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 do CPC/2015, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.” (STJ, REsp 1760966/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., j. 04/12/2018, DJe 07/12/2018)

Por sua vez, também em recente decisão, publicada em 22/10/2019, o mesmo STJ decidiu pelo oposto no REsp 1797365/RS, relatado pelo Min. Sérgio Kukina. Segundo o voto, apenas o agravo de instrumento poderia afastar a estabilização:

Os meios de defesa possuem finalidades específicas: a contestação demonstra resistência em relação à tutela exauriente, enquanto o agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. Institutos inconfundíveis.

III - A ausência de impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de sua revisão.

IV - A apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento proessual adequado - o agravo de instrumento (STJ, REsp 1797365/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina. Rel. p/ Acórdão Min. Regina Helena Costa, 1ª T., j. 03/10/2019, DJe 22/10/2019).

Qual dos acórdãos deveria prevalecer? Cumpre observar que ambos são apenas Recursos Especiais, proferidos em casos individuais, portanto não integram nenhuma das hipóteses de precedentes do art. 927 do CPC.

Todavia, nos parece que o acórdão de 2018 tem mais razão de ser, segundo, tal qual consta no voto, “uma interpretação teleológica e sistemática do instituto”, que deve levar em conta a finalidade e coerência na regulação da estabilização da tutela antecipada: a redução da litigiosidade, ante a satisfação dos interesses do autor e do réu no plano fático.

Dessa forma, havendo outras formas de interpelação do réu que evidenciem seu interesse de dar continuidade na demanda e que exprima sua insatisfação com o resultado da decisão, deverá a estabilização ser afastada. Por isso que a contestação, por exemplo, é um meio razoável para exprimir que o interesse de uma das partes em dar continuidade ao processo, rumo à cognição exauriente e à coisa julgada.

Por outro giro, a questão também esbarra na isonomia de tratamento entre as partes.

A manifestação do autor que pretende se valer da estabilização é exteriorizada por intermédio de uma petição simplificada, conforme o art. 303 do CPC/2015. Por sua vez, a manifestação de vontade do réu, segundo a leitura da Lei, é condicionada a recurso. Diferente do que se vê no tratamento dado ao autor, para o réu afastar a estabilização é exigido um meio bem mais complexo. A mesma simplicidade que se dispende ao autor também deve ser garantida ao réu no momento em se manifesta sobre a estabilização.

O procedimento antecedente é marcado pela flexibilização procedimental. A flexibilização, ainda tratando do princípio da isonomia, serve igualmente ao autor e ao réu, de modo que garante a adaptabilidade do procedimento às circunstancias do direito material (conotação tipicamente instrumentalista).

Por isso, quando ao autor é garantido um procedimento adaptável, posto que a urgência exige a flexibilidade, ao réu não pode ser exigida uma rigidez procedimental incompatível com as caraterísticas essenciais do rito do art. 303 do CPC/2015.

Não olvide, ainda, que o deferimento da liminar no procedimento antecedente já implica em sacrifício momentâneo do contraditório. Não é constitucionalmente acertado, portanto, onerar ainda mais o contraditório no tratamento rígido e desigualitário conferido ao réu no momento de exercer seu direito de defesa.

Dessa forma, dentre os acertos e os desacertos dados às tutelas provisórias, nos parece que o voto do Min. Marco Aurélio Bellizze foi aquele quem melhor compreendeu a dinâmica de funcionamento da estabilização. Por isso, caso no futuro o tema seja tratado em regime de repetitivos, por exemplo, esperamos que seja esta a tese fixada no STJ e coloque de vez uma pá de cal jurisprudencial sobre a divergência.

 

Nota:

[1] Reputamos como desnecessário o aditamento quando a estabilização se operar, segundo um do temas defendido em nossa dissertação de mestrado pela PUC-SP em julho deste ano.

 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Vinícius Marin Cancian

Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Aluno especial do mestrado em Direito Negocial da UEL/PR. Especialista em Processo Civil pela Toledo de Presidente Prudente. Parecerista da CIDH. Professor assistente da FADISP (mestrado e graduação). Advogado no escritório Arruda Alvim e Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica.


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