alt-text alt-text

A infiltração policial como estratégia inovadora de combate ao crime organizado


Por Paulo Vitor Valeriano dos Santos em 04/11/2019 | Penal | Comentários: 0

Ana Luiza Zakur Ayres

A infiltração policial como estratégia inovadora de combate ao crime organizado

 

A consolidação do Estado Democrático de Direito garantidor dos direitos individuais e coletivos passa pela superação de entraves de toda ordem: econômicos, políticos, sociais e jurídicos.

Adentrando o viés social, a questão da segurança pública no Brasil é tema atual e urgente, muito embora a criminalidade, em especial o crime organizado, seja uma realidade não muito recente em nossa sociedade.

O Brasil integra-se ao capitalismo globalizado, modelo onde se circula bens, serviços, informações, capital e poder de forma célere e não contida. Ao longo dos anos uma “sociedade” do crime emergiu nos redutos esquecidos pelas políticas públicas de educação, saúde e infraestrutura. Aproveitando-se dos frágeis instrumentos de investigação, controle e repressão Estatal, os pequenos delitos foram ganhando proporções cada vez maiores, e as com a reiterada prática de atividades ilícitas surgiram células criminosas de proporções grandiosas, colocando o Estado e suas instituições em risco.

Medidas conjuntas entre poder judiciário e a polícia devem convergir para uma majoração, tanto de ordem estrutural quanto legal, não só quantitativa mas principalmente qualitativa dos mecanismos de combate ao crime,.

A reversão deste panorama caótico atravessa uma devida atualização do Direito Penal e Processual Penal para que os meios de investigação e obtenção de provas em desfavor de organizações criminosas se adequem ao dinamismo social e inovem na concretude de suas finalidades.

A infiltração policial é um signo desta busca e desponta como uma possibilidade real desta efetividade, especialmente após sua regulamentação pela lei 12.850/13.

Será feita uma abordagem crítico-reflexiva de como a nova Lei das Organizações Criminosas regulamentou eficazmente essa técnica de caráter excepcional e testificar-se-á inovou no combate ao crime organizado.

As células criminosas equiparam-se a verdadeiras “empresas”, ou seja, possuem atividade exercida através da articulação de fatores produtivos para produção ou circulação de bens ou de serviços ilícitos, além de visar fins econômicos. Para se obter a inovação estratégica no direito, o Estado deve figurar como a concorrência em busca de obter uma vantagem competitiva, e para isso promove alterações substancias na legislação com objetivos a posteriori, do qual a infiltração policial aparenta ser sólido exemplo.

O presente artigo pretende, à luz da legislação pátria e da doutrina mais recente, iluminar o novo papel que a infiltração de agentes policiais assume em detrimentos dos outros meios de obtenção de prova e de outras técnicas de investigação previstos na legislação.

Embora a Lei 12.850/13 não inaugure a previsão da infiltração policial no Brasil, a inovação estratégica aferida de sua devida regulamentação altera os contornos do que hoje se entende como formas de combate ao crime organizado.

Com as conclusões a que se chegar será possível afirmar se, e em que medida, a infiltração policial é instrumento estrategicamente inovador no ordenamento pátrio no combate à atividade criminosa organizada e se é capaz de revitalizar a esperança social em obter do Estado a devida prestação constitucional do direito à ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

1. BREVE REFLEXÃO SOBRE A EXPANSÃO DA ATIVIDADE CRIMINOSA ORGANIZADA NO BRASIL

O movimento do campo para as cidades em busca de melhores condições de vida, conhecido como êxodo rural, levou à urbanização e ao inchaço demográfico dos centros urbanos, que crescendo rapidamente e de forma desordenada deu nascimento às periferias e zonas marginais. Os primórdios das organizações criminosas no Brasil datam desse período, na década de 1970, conforme leciona Eduardo de Oliveira Fernandes:

O crescente inchaço urbano, consequência do acentuado êxodo rural dos últimos decênios constituiu, também, um fator importante para análise e estudo do problema, pois nas grandes cidades, notadamente naquelas localizadas na periferia econômica do planeta, houve uma grande explosão dos índices de criminalidade. (FERNANDES, 2012, p.30)

Estas regiões, apartadas da atuação estatal, passaram a reunir uma profusão de pessoas que sem a devida prestação social e econômica, foram obstadas de evoluírem e acompanhar os iniciais avanços da economia brasileira. Sem infraestrutura, marginalizados e excluídos da atenção das políticas estatais, esses grupos de indivíduos criaram verdadeiras “terras sem lei”, terrenos propícios para o desenvolvimento da criminalidade:

A noção de periferia refere-se a um lugar longe, afastado de algum ponto central. Todavia, esse entendimento meramente geométrico não representa a verdadeira relação entre o centro e a periferia das cidades. Neste caso, os afastamentos não são quantificáveis apenas pelas distancias físicas que há entre os dois, mas, sim revelados pelas condições sociais de vida que evidenciam nítida desigualdade entre os moradores dessas regiões da cidade. (MOURA; ULTRAMARI, 1996 p.10).

A explosão demográfica observada nos anos seguintes foi proporcionalmente acompanhada pelo aumento da população carcerária. Dificuldades de toda ordem enfrentadas por essa parcela da população passam a sintonizá-la, sem criar-se aqui uma relação silogística, com o caminho da criminalidade e da violência. Assiste-se a uma superlotação das cadeias, que sem cumprir seus objetivos de ressocialização, viraram verdadeiras “escolas do crime”, onde aprender a organizar-se era sinônimo de proteção e sobrevivência.

Considerado esse panorama, certamente podemos citar como o fator crucial no alastramento imensurável da atividade criminosa organizada a ampliação do consumo e do tráfico de drogas. Atividade altamente lucrativa, o tráfico enriqueceu e dotou os criminosos de estrutura bélica e financeira, penetrou a política e transformou a atividade criminosa organizada em empresa, das mais violentas, bem sucedidas, e perigosas seja para o Estado ou para a sociedade brasileira.

O crime organizado, entranhado em nossa sociedade, passou a gerar prejuízos de ordem jurídica, social, econômica e política, se tornando objeto prioritário de combate do Estado, que passou através do legislativo, do judiciário e de sua polícia reunir esforços no enfrentamento desta mazela.

O Brasil, ainda que de forma insípida, já se preocupa com a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas há mais de 20 anos, através da já revogada lei 9.034 de 1995, e sendo signatário da Convenção de Palermo[2] desde 2003, que definia vagamente o conceito de organização criminosa. Contudo, foi com o advento da Lei 12.694 em 2012, em seu artigo 2°, que surgiu a primeira definição de organização criminosa:

Art.2°: Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2012).

Não obstante, sequer foi cominada qualquer sanção penal para as atividades praticadas por estas organizações criminosas, ficando a eficácia da lei comprometida pela não tipificação do que seria crime organizado.

Somente com lei 12.850/13 foi introduzido no ordenamento o conceito de “crime organizado” e devidamente regulamentada a infiltração policial como técnica investigativa para obtenção de provas em desfavor de organizações criminosas.

2. INFILTRAÇÃO POLICIAL COMO MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA NO BRASIL:

Técnica investigativa para obtenção de provas pelo Estado em desfavor de organizações criminosas, a infiltração de agentes policias evoluiu progressivamente no ordenamento pátrio.

Sua primeira menção, apenas citatória, foi no artigo 2º, V, da já revogada Lei 9.034/95 (Lei do Crime Organizado alterada pela Lei 10.217/01):

Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

V - infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial. (Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001) (BRASIL 1995).

E posteriormente no artigo 53, I, da Lei 11.343-06 (Nova Lei de Drogas):

Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes; (BRASIL, 2006).

Some-se à insipiência legal das previsões legais supra a não formulação de um conceito adequado até então para organizações criminosas e entende-se parte das razões para a subutilização da infiltração policial até recentemente.

Questionamentos basilares como quem poderia se infiltrar, quais direitos lhe seriam assegurados, por quanto tempo perduraria a atividade entre inúmeros outros até então ficavam sem respostas ou ao alvitre dos magistrados. No entanto, dado os altos riscos de suas escolhas, comumente evitavam a utilização da infiltração em detrimento de outros meios de investigação melhor regulamentados, porém menos eficientes.

O advento da Lei 12.850/13, contudo, inflectiu significativamente os rumos do poderio investigativo da polícia brasileira ao definir um conceito de organização criminosa e regulamentar a infiltração de agentes de polícia em seus artigos 10 a 14.   

Com a sua publicação, um novo conceito de organização criminosa apareceu, em seu art. 1º, §1º, agradando grande parte de juristas e doutrinadores:§

1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2013).

A antiga lei 9.034/95, que somente previa a infiltração sem regulamentá-la, foi revogada pela 12.850/13 que passou a viger com o seguinte teor:

Seção III

Da Infiltração de Agentes

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.

§1o Na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público.

§2o Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1o e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.
§3o A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade.
§4o Findo o prazo previsto no § 3o, o relatório circunstanciado será apresentado ao juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público.
§5o No curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração.

Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.

Art. 12. O pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado.

§1o As informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao juiz competente, que decidirá no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após manifestação do Ministério Público na hipótese de representação do delegado de polícia, devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado.
§2o Os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente.
§3o Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.

Art. 13. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.

Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.

Art. 14. São direitos do agente:

I – recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;

II – ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9o da Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas;

III – ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário;

IV – não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.

Consubstanciando-se uma devida regulamentação transcrita, a infiltração de agentes policiais é definitiva e adequadamente implantada ao ordenamento pátrio e a passa a servir ao Estado brasileiro na tarefa de se imiscuir e buscar o desmantelamento dessas células criminosas que ameaçam sua soberania e as suas instituições.

Observa-se dos artigos transcritos que a nova lei aborda as circunstâncias em que poderá ser requisitada a infiltração policial pelo delegado de polícia, a participação do Ministério Público no feito bem como sobre a atuação do magistrado, que deverá autorizar e motivar sua decisão mantendo sigilosa a operação para garantir seus resultados. Por fim, igualmente importante o especial tratamento dado à ação do agente infiltrado sendo enumerado um rol (não taxativo) de direitos que lhe serão inerentes pela prestação de serviços, bem como questões atinentes aos riscos à sua segurança pessoal e jurídica, sendo certo que não será condenado nem punido por eventual delito praticado no exercício de sua função, se lhe for inexigível conduta adversa.

Desta feita, a publicação da lei 12.850/13 consolida o avanço normativo no tratamento dos procedimentos deste meio de obtenção de provas tanto na fase investigativa quanto em juízo.

3. INOVAÇÃO E ANÁLISE ESTRATÉGICA DO DIREITO 

Dada a globalização como uma alva realidade, é de bom senso presumir que vivemos na era da ampla circulação de informação, poder, riqueza e tecnologias. É o capitalismo globalizado.

A dinamicidade do mundo atual proporciona e também exige facilidade de acesso ao conhecimento ou às fontes dele. Há uma tendência para a padronização, a tornar o conhecimento homogêneo, estandardizando o mesmo, aqui ou acolá.

 Respeitados os grandiosos benefícios e evoluções nas mais diversas áreas da vida humana que o mundo contemporâneo pode aprouver deste fato, infelizmente, o abastecimento rápido do conhecimento também alcança àqueles que dele se utilizam para fins não salutares.

As organizações criminosas, transitando nesse contexto e de posse dessas tecnologias, com a livre circulação de informações, riquezas e tecnologias, enriqueceram, maximizaram e diversificaram suas operações criminosas. As teias da ilicitude se ramificaram do espaço privado até alcançar o público e passaram assim a fazer frente ao poderio Estatal, escapando ao seu poder de combate, controle e contenção.

Sobre essa evolução discursou Isabel Oneto (2005):

Desde a Antiguidade que se conhecem formas de crime organizado – o seu grau de complexidade foi aumentando de forma proporcional ao desenvolvimento atingido pela estrutura societária em que se insere, impondo uma permanente adaptação da política criminal (ONETO, 2005, p. 48).

Ao crivo do Estado Democrático de Direito, não há espaços para sabotar a dinamicidade da evolução social. Se a atividade criminosa pode evoluir nos seus mecanismos de engendrar meios de maximizar seus lucros e danos, movimento concomitante exige-se do poder público. Devem-se buscar formas cada vez mais eficazes de combater células criminosas e assegurar a segurança pública, garantia fundamental insculpida na Carta Magna em seu artigo 144, vide:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Numa sociedade que privilegia o compartilhamento do conhecimento, pelas vias legais ou ilegalmente, assume uma posição privilegiada aquele que tem um diferencial na persecução de seus objetivos, o que popularmente chamamos de “carta na manga”. É neste sentido que chegamos à inovação.

O dicionário Houaiss[3] da língua portuguesa conceitua inovação com as seguintes significações:

Inovação 1 ação ou efeito de inovar 2 p. ext. aquilo que é novo, coisa nova, novidade. 3 dir. prc. Dir. civ. qualquer alteração em situação de fato ou de direito que possa interessar à apreciação judicial da questão 4 ling. qualquer elemento ou construção que surge numa língua, e que não havia numa fase mais antigua ou na língua-mãe. [...]

Neste Sentido, Frederico de Andrade Gabrich (2012) propõe que a ciência humana é dinâmica, e por isso o direito busca constantemente equilibrar o ordenamento jurídico e as evoluções da realidade social, sendo que este processo por vezes passa por algum meio de inovação. Neste sentido:

A ciência do Direito é constituída por uma ordem normativa, cuja existência, validade e eficácia estão atreladas, fundamentalmente, à interpretação jurídica dos textos das normas, expressos pelas diversas fontes. Por isso, a inovação no Direito passa, obrigatoriamente, por instrumentos de hermenêutica e de interpretação, necessários para a abertura do sistema, para a aplicação das possibilidades normativas, bem como para a superação de desgastados dogmas que engessam e dificultam o desenvolvimento da ciência” (GABRICH, 2012, p.31)

No âmbito jurídico, a inovação é estudada pela doutrina em grande parte pelo Direito Empresarial, como uma das formas da empresa adentrar, se manter e ser vitoriosa no mercado superando as adversidades com a apresentação de novidades, que podem ser um novo: produto, serviço, método de produção, mercado, forma de organização de um setor ou até mesmo uma nova fonte de matéria prima. Inovar integra a ideia de utilidade, que não se restringe ao campo econômico abarcando proveitos de qualquer natureza que possa motivar a criação da ideia revolucionária. É sob esse prisma que derivará a linha de raciocínio do presente artigo.

O conceito de inovação somado à utilidade, não obstante tenha sido fundido nos campo gerencial e econômico é plúrimo. É perfeitamente adequado seu entendimento na seara jurídica como a alteração de um paradigma, um meio de subverter um padrão já estabelecido com fins objetivo-prospectivos.

Autores consagrados no tema, Clemente Nobrega e Adriano Lima (2015), na obra Innovatrix, citam requisitos determinantes para se obter uma inovação, são eles: lacuna; contradição ou problema, um princípio inventivo aplicável ao caso e uma solução inventiva.

Na perspectiva do presente estudo, a lacuna seria a garantia da segurança pública para os cidadãos, principio insculpido no artigo 144 da Constituição Federal, cuja concretude tem sido obstada pela ação das organizações criminosas.

Essas células organizadas e suas atividades ilícitas promovem o problema ou contradição, onde a consecução do objetivo do Estado significa o óbice, a “falência” da atividade criminosa organizada, e vice-versa.

Doravante, somente uma decisão ou estratégia inovadora pode superar este conflito, que no caso é a regulamentação da medida excepcional da infiltração policial. Ao permitir a inserção de um agente policial do Estado no seio da célula criminosa, pode-se obter informações privilegiadas que podem gerar provas cabais, decisivas, além de informações privilegiadas, não obtiveis por quaisquer outros meios, ou pelo menos não no mesmo tempo e com a mesma robustez.

É neste sentido que mais do que um meio de obtenção de provas, a infiltração policial conforma uma medida inovadora, estratégica e potencialmente eficaz do direito para obtenção de provas e supressão de atividades criminosas organizadas.

4. A INFILTRAÇÃO POLICIAL COMO MEIO INOVADOR E ESTRATÉGICO NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO 

O poder judiciário e a polícia civil, militar e federal há muito somam forças diuturnamente no enfrentamento ao crime organizado no escopo de controlar e reduzir os danos que essas atividades ilícitas geram nos campos social, econômico e político brasileiro.

Contudo, competir em paridade de armas dificulta o êxito, neste sentido a exigência de um mecanismo diferenciado se faz necessária e urgente.

É necessário pensar, planejar, prospectar caminhos, formas e consequências para obter êxito. É preciso inovar para surpreender conforme Frederico de Andrade Gabrich:

Planejar é, em síntese, construir cenários possíveis, com objetivo de antever ou antecipar o futuro, para a concretização dos objetivos estabelecidos antes. Nesse sentido, o planejamento implica a elaboração de um conjunto de ações voltadas para implementação dos objetivos pré-determinados. (GABRICH, 2015, p.34)

As técnicas de investigação quase sempre se baseiam em indícios, delações, falhas e deslizes em uma ou várias das fases da cadeia das operações criminosas.

Devidamente apurados, estes podem ensejar posteriormente ação mais incisiva, geralmente setorizada, por parte da polícia e da justiça. Esta investigação pode ampliar-se para um desmantelamento completo da estrutura organizacional das organizações criminosas ou restringir-se a um setor dela. No caso do não desmantelamento completo permite-se que posteriormente haja uma reestruturação criminosa onde a alteração da forma de agir, do mercado ou de outro fator que tenha sido prejudicado pela investigação mantenha ativa a as operações criminosas. Não é suficiente.

A infiltração do agente de polícia veio inovar as técnicas de obtenção de prova dando ao Estado uma postura proativa, ampliando a possibilidade de conhecimento da estrutura organizacional da organização criminosa em sua inteireza, e não de forma setorizada, conforme se depreende do conceito formulado por Marcelo B. Mendroni:

Consiste basicamente em permitir a um agente da polícia ou de serviço de inteligência infiltrar-se no seio da organização criminosa, passando a integrá-la como se criminoso fosse-, na verdade como se um novo integrante fosse. Agindo assim, penetrando no organismo e participando das atividades diárias, das conversas, problemas e decisões, como também por vezes de situações concretas, ele passa a ter condições de melhor compreendê-la para combatê-la através do repasse das informações as autoridades. (MENDRONI, 2012, p.118-119)

           Nenhum outro método investigativo tem a mesma força investigativa da infiltração policial em desvelar a articulação criminosa, o modus operandi, a identificação de pessoas e empresas envolvidas e o conhecimento prévio dos atos a serem praticados, conforme bem leciona Rafael Pacheco:

Apesar de ser considerada pelos policiais uma das mais arriscadas formas de investigação e obtenção de prova, fato é que essa modalidade acaba por suprir a polícia com uma vantagem que não seria possível com a utilização de outra medida, uma vantagem proativa, não disponibilizada por outras modalidades de investigação que são, por vezes, insuficientes. (PACHECO, 2011, p.109)

Embora anteriormente prevista no ordenamento brasileiro, a baixa utilização minava a eficácia e não permitia a visualização de forma ampla e concludente dos efeitos da infiltração de agentes policiais. Contudo, sua atual regulamentação pela lei de Organizações Criminosas muda esse panorama e prospecta sua efetiva utilização como uma das grandes inovações legislativas recentes no Direito Penal e Processual Penal. Corrobora esse entendimento Frederico de Andrade Gabrich:

Não se trata de criar mais ou novos recursos, mas de mudar a forma de usá-los. Dentro desta visão, toda mudança evolutiva ou disruptiva deve ser compreendida como inovação.

Todavia, convém observar que o processo de inovação também não surge do nada, pois pode ser construído com método e disciplina. Daí os motivos pelos quais qualquer um pode inovar, desde que assuma uma postura criativa, transformadora e corajosa. (GABRICH, 2012, p.359)

Sendo assim, acredita-se que o ineditismo da regulamentação adequada da Lei 12.850/13 deve fomentar a autorização de infiltração de agentes policiais seguindo os interesses conjuntos de delegados de polícia, parquets, e magistrados.

A instrumentalização da infiltração policial alterou os padrões investigativos da polícia brasileira definitivamente, consolidando os procedimentos a serem seguidos na fase investigativa e em juízo.

5. CONCLUSÃO

O crescimento desmensurado da atividade criminosa organizada no Brasil colocou a questão da segurança pública como uma prioridade. Prejuízos nas áreas social, econômica, jurídica e política exigem uma reformulação urgente nos meios de combate ao crime organizado.

O tráfico de drogas, primordialmente, enriquece e mune as células delitivas com estrutura organizacional, bélica e financeira muitas vezes superior àquela com que conta a polícia, tornando o controle e repressão cada vez mais difícil e complexo. É fundamental para por fim às operações criminosas reunir provas que permitam e embasem a ação da policia e do judiciário, respectivamente.

No Brasil, a legislação vem evoluindo ao longo dos anos para instrumentalizar o Estado com meios eficazes de obtenção de provas, contudo até a edição da Lei 12.850/13 as previsões legais devidamente regulamentadas eram insipientes e conservadoras.

A lei das Organizações Criminosas, além de conceituar devidamente essas células criminosas, tipificou o crime organizado e regulamentou de forma eficaz a infiltração de agentes policiais como técnica excepcional de obtenção de provas em desfavor das organizações criminosas.

Um dos poucos exemplos bem sucedidos que temos anterior à lei das Organizações Criminosas, foi a “Operação Lagarta” que em 2005, desarticulou e desmantelou através de uma infiltração de agentes policiais que duraram seis meses uma organização criminosa que praticava crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e sequestro de ativos, tendo movimentado mais de quatro milhões de reais.

Com a lei 12.850/13, contudo, questões processuais e procedimentais da infiltração policial de agentes que até então ficavam em zona cinzenta, à discricionariedade da aplicação do juiz e com pouca atenção da doutrina, foram tratadas pelo legislador.  Projetou-se estrategicamente uma técnica inovadora de obtenção de provas em desfavor de organizações criminosas. A infiltração policial devidamente regulamente comporta considerável carga e de inovação e de estratégia.

Inova ao engendrar uma nova forma e possibilidade fática de combate ao crime organizado, uma vez que, diferentemente das previsões anteriores, aborda os meandros dessa técnica investigativa confortando o judiciário e a polícia na sua utilização.

Os direitos resguardados ao agente policial no âmbito penal, processual penal e constitucional firmaram características e consequências bem definidas ou ao menos imagináveis a essa técnica investigativa e de obtenção de provas. A proteção de sua vida e a expressa disposição da não punibilidade (salvo exigibilidade de conduta diversa) dos seus atos dentro da organização, dentro dos limites legalmente impostos, somou-se a um arcabouço legal que melhor orienta e resguarda a atuação do delegado de polícia, magistrado e Ministério Público.  .

Soma-se à novidade a utilidade. Chega-se à estratégia.

Estrategicamente a infiltração de um agente policial no seio, no cotidiano de uma organização criminosa é técnica investigativa única e extraordinária, que permite obtenção de provas e informações que nenhum outro mecanismo investigativo pode igualmente fornecer.

É possível ir além da repressão, ou seja, o Estado poderá desvelar toda a estrutura interna que sustenta o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro, e todas demais operações que nutrem o crime organizado através das informações colhidas e repassadas pelo agente infiltrado. A vivência interna às células permite conhecer as ramificações de suas atividades que levam aos canais de formação dessas organizações, seja na esfera privada, pública ou em ambas. A infiltração possibilita em longo prazo o ataque não mais às consequências, mas às causas do crime organizado.  

Demonstra-se assim que em que pese já haver previsão expressa da infiltração policial como técnica de obtenção de provas há mais de 20 anos, essa nunca foi na realidade medida de efetivo uso pelo judiciário brasileiro. A falta de substrato legal que resguardasse a autorização do magistrado, a atuação e a segurança do agente infiltrado dentro da organização além da forma como a infiltração se conduziria no curso da investigação criminal eram óbices que se não eram instransponíveis, eram ao menos desestimulantes de sua aplicação.

Sendo assim, o direito deve acompanhar a evolução e as necessidades da sociedade contemporânea, podendo servir-se da nova lei 12.850/13 como instrumento inovador e estratégico no escopo de garantir o direito à segurança pública insculpido no artigo 144, “caput”, da Constituição Federal Brasileira.

________________________

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 15 dez. 2016. BRASIL.

_______. Lei nº 12.694, de 24 de Julho de 2012. Dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e as Leis nos 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, e 10.826, de 22 de dezembro de 2003; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 out. 1996.

_______. Lei nº 9.034, de 3 de Maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Revogado pela Lei nº 12.850, de 2013.

________ Lei nº 11.343, de 23 de Agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 24 ago.2006.

________ Lei nº 12.850, de 2 de Agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 5 ago. 2013.

FERNANDES, Eduardo de Oliveira. As Ações Terroristas do Crime Organizado. São Paulo: Livrus, 2012.

GABRICH, FREDERICO DE ANDRADE. Inovação no Direito / Frederico de Andrade Gabrich (coord.). BeloHorizonte: Universidade Fumec. Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, 2012. 464 p.

GOMES, Luiz Flávio. Organização Criminosa: Um ou Dois Conceitos?. Disponível em: http://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/direito-criminal/artigo-prof-luiz-flavio-gomes-organizacao-criminosa-um-ou-dois-conceitos-. Acesso em 15 dez. 2016.

HOUAISS, Antônio. VILAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 1ª edição, 2001, p. 1.622.

MOURA, R & ULTRAMARI, C. O que é periferia urbana.São Paulo: Brasiliense, 1996.

MENDRONI, Marcelo B. Crime organizado: Aspectos gerais e mecanismos legais. 4ª edição. São Paulo. Ed. Atlas, 2012. 

NOBREGA, Clemente; LIMA, Adriano R. de. Innovatrix. Rio de Janeiro: Agir, 2010.

ONETO, Isabel. O agente infiltrado: contributo para a compreensão do regime jurídico das ações encobertas. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.

PACHECO, Rafael. Crime organizado: medidas de controle e infiltração policial. 1ª edição. Curitiba. Ed. Juruá, 2011.

________________________

NOTAS

[1]Advogado. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Pós Graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP . Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF.

[2] Convenção de Palermo, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada por meio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Em seu artigo 2, referida Convenção preconizava que uma organização criminosa poderia ser entendida como o “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”

[3] HOUAISS, Antônio. VILAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 1ª edição, 2001, p. 1.622

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Ibijus


Sobre o autor

Paulo Vitor Valeriano dos Santos

Advogado graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Mestre em Instituições Sociais, Direito e Democracia pela Universidade FUMEC. Pós Graduando em Gestão Pública pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Advogada no mercado privado desde 2012, com experiência na área de Direito Cível, Direito do Consumidor e Direito Bancário. Coordenador e gestor de demandas massificadas. Pesquisador acadêmico com publicações em congressos e revistas nacionais. Professor de Direito Constitucional no Instituto Elpídio Donizetti.


Cursos relacionados

Expert em recuperação tributária 3.0

Método prático para advogar com recuperação judicial e administrativa de tributos

Investimento:

R$ 3.297,00

Assista agora!

Turma: ERTPER

Código: 762

Mais detalhes

Advogando na Lei do superendividamento

Entenda na prática como atuar e conquistar clientes e honorários!

Investimento:

R$ 397,00

Assista agora!

Turma: SEPER

Código: 772

Mais detalhes

Advocacia de resultado na Lei de Drogas

Método prático e aplicado da Lei de Drogas à advocacia

Investimento:

R$ 997,00

Assista agora!

Turma: ARLDPER

Código: 776

Mais detalhes
Comentários 0

Você precisa estar logado para comentar neste artigo.

Fazer login ou Cadastre-se